terça-feira, 28 de outubro de 2008

TOCO Y ME VOY

Recebi um e-mail de um amigo no qual ele incluiu um link para uma interpretação de Rachmaninoff. No diálogo que se seguiu ele acabou fazendo uma longa exposição que julguei interessante publicar aqui, para que todos possam apreciar esta verdadeira aula de música.



O amante perfeito


Cláudio Barcellos de Paula Couto

Falando de Rachmaninoff – mas vale para qualquer obra de arte –, vem-me à memória a lição de um velho e grande personagem da música pianística – Wladimir Horowitz – a propósito dos gêneros da música, popular ou erudita, não importa:

"Olho e analiso uma partitura muito em respeito ao compositor, pois, ao compor, ele está nos passando uma parte da história da vida dele e a emoção imortal. Isso é o que importa. Detenho-me nos contrastes em preto e branco – pois sabemos que os sons musicais são representados na pauta por símbolos escuros. Se os contrastes são muito evidentes e disseminados, significa que foram usadas muitas notas; se não, são poucas notas e complementos. Não raro, as partituras mais claras exigem muito mais do intérprete do que as muito povoadas, porque de modo geral são mais comprometidas com a simplicidade e a singeleza. Portanto, é preciso passar todo o conteúdo em poucas palavras (notas musicais). Então, cada nota tem uma expressão e uma significação enorme no conjunto”.

Ele se referia à Reverie das Cenas Infantis de R. Schumann.

Se muitas “fusas e semifusas” são escritas, ou os acordes são numerosos, temos uma partitura com uma rica sonoridade e, se em “allegro ou “allegro vivace”, andamentos os mais acelerados, então a composição é intrinsicamente mais complexa e de difícil execução mecânica.

Compositores como F. Liszt, F. Chopin e S. Rachmaninoff produziram muitas partituras do tipo estudo. São, quase sempre, composições didáticas (para o desenvolvimento e abrangência da boa técnica) ou o aprimoramento e a exposição das potencialidades virtuosísticas... fundamento do talento do concertista.

Explicitamos a intenção do uso da palavra “mecânica” para induzir à percepção de uma música que tem, em segundo plano, a profundidade e a densidade da emoção transmitida e sentida (interação). Em contraponto, composições classificadas como “elegie, noturno, sonata, valsa e berceuse” são, comumente, escritas mais objetivamente e em andamento mais para moderado, grave ou lento assai” pois a emotividade fica mais explícita, mais exposta e mais à flor da pele.

Não existe um, "determinismo" nisso, mas podemos dizer que é uma regra comum.

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Rachmaninoff compôs os seus quatro concertos para piano e orquestra com uma enorme riqueza sonora pelos muitos acordes que usou.

No entanto, se você estiver interpretando uma peça com poucas notas e quiser passar emoção e intensidade – o que é o grande diferencial de um artista – estará diante de uma tarefa e tanto. Com poucas notas e complementos é preciso, muitas vezes, transformar o limão em limonada, passando o aroma de uma rosa com uma simples flor do campo. Mal comparando, é preciso ser um namorado e não apenas um “ficante”.

Neste caso, para ser um amante perfeito você terá que exaltar a intensidade e o colorido sonoro por meio, principalmente, de dois recursos: os pedais e o "legato". Em relação aos pedais tem de saber usar a técnica, porque do contrário irá sobrepor demais os sons e ficará tudo confuso. Já o "legato" é um recurso essencial para manter um som e passar ao próximo sem deixar vazios. Isso é proibido. Os sons ficam amalgamados.

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Escutemos, agora com ouvidos sensíveis e prevenidos, as riquezas e nuances das duas peças: o Estudo e a Elegie. Tanto a Yollanda (na Elegie) como a Aleksandra, no Etude-Tableaux, quase sempre mantêm as mãos junto ao teclado e os braços e mãos absolutamente flexíveis e soltos. Isso permite a elas um fantástico grau de liberdade nos movimentos necessários dos braços, das mãos e dos dedos, algo absolutamente necessários para a execução do "legato". Em Yollanda, nota-se a movimentação das pernas, em especial a perna esquerda, que controla o pedal da sonoridade do piano. Como elas sabem, e muito bem, manejar estes recursos, o resultado é o que chamamos de um som "cantabile" ou cantante.

O fraseado torna-se nítido no simples ato de escutar ou, didaticamente, nas respirações que marcam o início e o fim de cada frase. Como um texto é definido pelas frases que o compõem, assim também ocorre com uma partitura. Claro, nada disso é simples, o estudo diário é essencial, e no começo costuma se estender por umas oito horas. No caso de músicos experimentados há um certo grau de liberdade, pois eles já têm a medida exata das suas necessidades. Nas vésperas do concerto, aquele polimento final, semelhante à revisão criteriosa que os jornalistas fazem antes da publicação de um texto.

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Um Estudo é uma peça, em geral, de muita dificuldade técnica e de fôlego. Já uma melodia mais profunda e intensa como a Elegie exigirá bem menos do intérprete em execuções de alta virtuosidade, porém, ao passo que aquelas são muito bem tocadas pelos virtuoses, as outras são mais do domínio dos verdadeiros artistas. Porque uma coisa é ser só um pianista e outra é ser pianista artista. O ideal é ser pianista virtuose e artista, o que é bastante raro. É como aquela sensação que a maioria sente ao assistir a uma incrível façanha de um trapezista. Ele executa movimentos mirabolantes e consegue arrancar aplausos vibrantes da platéia, que fica altamente impressionada, mas longe da genuína emoção. Trata-se de uma reação em nível superficial.

Já a arte exige do observador ou ouvinte uma percepção das coisas transcendentes e inefáveis, e isso não se aprende nos bancos da escola, é um dom inato. O melhor mestre jamais terá o poder de transformar um aluno comum em um artista. Mas, pela educação e pelo refino da sensibilidade, consegue-se entender, compreender e viver a arte que nos é mostrada pelos artistas. Os que criam e os que interpretam.





segunda-feira, 27 de outubro de 2008

LIVROS (1)


A RBS Publicações lança amanhã, terça-feira 28, a partir da 19h, no Museu de Artes do Rio Grande do Sul (MARGS), a obra Imagens Gaúchas, composta de três volumes – em edição bilíngüe – com 242 imagens captadas por 37 repórteres fotográficos dos jornais do Grupo RBS.

O lançamento ocorrerá durante a abertura de uma exposição com algumas das fotos do livro. A coletânea tem organização e edição de Pedro Haase Filho e Ricardo Chaves, design gráfico de Auracebio Pereira e textos de Moisés Mendes.


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LIVROS (2)


José Luiz Prévidi é um jornalista com passagem pelos principais veículos e assessorias de Porto Alegre.

Há cinco anos, Prévidi, que é também uma figuraça (como a foto comprova), decidiu partir para o jornalismo de Internet, com grande sucesso.

Ele acaba de lançar seu segundo livro, 15 Maneiras Diferentes de Ser Ainda mais Feliz.

Conheça melhor o jornalismo bem humorado do autor em
www.previdi.com.br

ou leia sobre o livro (e compre) no hot site
www.aindamaisfeliz.com


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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008

NAS BANCAS


Paul Auster é um dos melhores autores em língua inglesa da atualidade. Na revista Aplauso que acaba de ir às bancas, publico uma resenha de seu mais recente livro. Clique sobre a imagem para ver a página em PDF, ou leia abaixo.


LITERATURA


Auster dá um passo no escuro

A prosa simples e escorreita de Paul Auster lançou-o ao panteão dos grandes autores contemporâneos em língua inglesa, ao lado de nomes como Don DeLillo, John Updike, Phillip Roth, Ian MacEwan e J. M. Coetzee. Nascido em 1947 na cidade de Newark, em New Jersey, Auster conta histórias com a naturalidade dos escritores vocacionais, e seu estoque de sortilégios lingüísticos costuma ser tão básico – e eficaz – quanto o de um avô entretendo os netos.

Obras como A Invenção da Solidão, A Trilogia de Nova York ou Leviatã são credenciais indiscutíveis de um tremendo escritor. Em seu mais recente romance, Homem no Escuro (Cia. Das Letras), Auster dá, literalmente, um passo no escuro, ao retomar fórmulas desgastadas – ainda que possam funcionar lindamente –, com as quais ele próprio já enfrentou dificuldades em lidar em ocasiões anteriores. O resultado é um livro sem foco, destinado mais a expor as idéias de vida e as opiniões políticas do autor do que a contar uma bela história.

O narrador, Augusto Brill, é um homem passado dos setenta anos, viúvo recente, inválido também recente devido a um acidente de carro, que vai morar com a filha, abandonada pelo marido, e com a neta, cujo ex-namorado morreu em circunstâncias trágicas. Para lidar com seus próprios fantasmas e os fantasmas das que o rodeiam, Brill tenta driblar a insônia inventando histórias fantásticas.

Mais uma vez, o personagem tem um ofício semelhante ao do autor. Brill é um resenhista respeitado, ganhador do Pullitzer, a filha está escrevendo um livro e a neta quer ser cineasta. Tudo em casa. Numa casa sombria, repleta de lembranças insuportáveis.

O livro se divide entre a história desta família pouco afortunada e um universo paralelo no qual o 11 de Setembro nunca aconteceu, mas a fraudulenta eleição americana de 2000, que elegeu George W. Bush pela primeira vez, levou a uma nova Guerra Civil. Em vez de matar em terra alheia, os americanos resolvem matarem-se uns aos outros. Vale como crítica social, embora prejudicada pelo maniqueísmo. O personagem central desta subtrama tem de matar o criador, no caso, Brill. Trata-se de Pirandello sem a humanidade alcançada pelo dramaturgo italiano.

Uma das passagens mais brilhantes do livro ocorre quando o autor fala sobre a presença de objetos inanimados a expressar as emoções dos personagens em filmes clássicos como Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica. Mas logo retoma seu muro das lamentações particular, depois de a história paralela se encerrar sem dizer a que veio.

O velho e bom Auster da metalinguagem, do subtexto, das histórias dentro de histórias, da obsessão por Kafka, Proust e Beckett, desta vez se perdeu em seu próprio labirinto. Mesmo trabalhos menos expressivos de Auster, no entanto, exibem algum vigor formal, uma prosa deliciosa e momentos pungentes. O problema é que ele já nos deu muito mais. E, depois que se experimenta o melhor...


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UMA FRASE


"O amor é um cão dos diabos: me dê uma mulher verdadeiramente viva nesta noite (...) e o senhor pode ficar com todos os poemas."

Charles Bukowski (1920-1994)


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COFFEE BREAK


TOCO Y ME VOY


Os vincos no rosto e as rugas na alma


Augusto Nunes

Um é novo, outro é velho, decreta a primeira linha de uma reportagemque confronta os perfis dos candidatos Eduardo Paes, 38 anos, eFernando Gabeira, 67. Se a frase estivesse incorporada ao editorial queformaliza a escolha feita por um jornal, nada a objetar. Se incluída em algumtexto assinado por colunistas ou colaboradores, formalmente liberados paraemitir opiniões, tudo bem. Se abre uma reportagem destinada a tratar as coisascomo as coisas são, a isenção é assassinada no início do filme – e oscapítulos restantes são condenados à morte por parcialidade. Não há esperança desalvação para matérias jornalísticas que, amparadas em duas certidões denascimento, decretam em seis palavras quem é o novo e quem é o velho.

Se a diferença de idade é o quesito mais relevante no desfile decomparações, a sensatez e a ética recomendam enunciados que rimem comneutralidade. Por exemplo: um tem 29 anos menos que outro. Ou, então, um tem29 anos mais que o outro. Ou, ainda, um é mais novo que o outro. A escolha deuma quarta opção fez de Paes a encarnação da novidade, da inovação, damudança – e comunicou aos cariocas que o candidato do PV é apenas velho.

Quase 34 anos distante de Oscar Niemeyer, dez atrás de FernandoHenrique Cardoso, quatro à frente de Lula, apenas um à frente deJosé Serra, Gabeira só se encaixaria nessa simplificação se fosseportador de senilidade precoce (e aguda). Como o candidato sessentãochegou ao ponto final da reportagem com boa saúde, deduz-se que odecreto se apoiou exclusivamente no calendário gregoriano.

Juventude é uma expressão associada a entusiasmo, energia,dinamismo, vitalidade. No Brasil, pode ser o outro nome do perigo. Os maisvelhos sabem disso desde o começo da década de 60. Os ainda novos ficaramsabendo na década de 90. Jânio Quadros tinha 44 anos ao tornar-se presidenteem 1961. Renunciou depois de sete meses, sem explicar por quê. O vice JoãoGoulart tinha 43 quando herdou a vaga. Perdeu-a 36 meses mais tarde, depostopelo golpe militar de 1964.

Como a era dos generais revogou a eleição direta, o últimopresidente escolhido nas urnas seria também o mais jovem da históriarepublicana até 1989. Foi superado por Fernando Collor, eleito com 40 anos. Orecordista em idade se tornaria também o único a escapar do impeachment peloatalho da renúncia. Os presidentes quarentões não deixaram saudade.

No começo da campanha, Eduardo Paes parecia moço demais para cuidardo Rio. A poucos dias da decisão, está claro que o corpo de menor de40 tem uma cabeça perturbadoramente envelhecida por excesso de pressa ecarência de princípios. Gabeira foi desde sempre um contemporâneo do mundo aoredor. Paes é a versão remoçada dos políticos do século passado. Um seorienta por idéias. Outro é conduzido por interesses, circunstâncias econveniências. Embarca no trem que lhe parece mais veloz, abandona o vagão quandoa velocidade diminui. Começou no PV, fez uma demorada escala no cordão dosagregados de Cesar Maia, elegeu-se deputado federal pelo PFL, filiou-se aoPSDB, caprichou no papel de inquisidor enquanto durou a CPI dos Correios,foi promovido a secretário nacional do partido, candidatou-se a governadorpara garantir a tribuna indispensável para desancar o padrinho Cesar Maia e oadversário Sérgio Cabral, rendeu-se ao PMDB de olho em alguma vaga nosecretariado estadual. Para quem viveu tão pouco, não é pouca coisa.

Decidido a alojar-se no gabinete do prefeito, topa qualquernegócio, faz tudo o que for preciso. Insulta o tutor Cesar Maia,rasteja diante de Lula, presta vassalagem à primeira-dama, ordenaagressões a cabos eleitorais adversários, mobiliza entidadesfantasmas em passeatas instruídas para gritar que Gabeira odeiasuburbanos, renega os companheiros de combate na CPI, acariciamensaleiros juramentados, absolve de todos os pecados a bandidagemdos partidos que o apóiam. Cesar Maia? Só esse não pode. Babu, overeador de estimação dos moradores dos presídios, esse pode.Delúbio Soares? Pode.

Os vincos no rosto de Fernando Gabeira reafirmam a idade que tem.As rugas na alma de Eduardo Paes informam que a idade mental é muito maiorque a oficial.

Um é antigo. Outro é moderno.



Publicado originalmente no Jornal do Brasil e republicado aqui com a anuência do autor.


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PLANETA TERRA


Retirei o banner do wecansolveit.org ali da direita porque, apesar de admirar a causa comandada por Al Gore, eu esperava uma atuação mais global. Nos últimos meses, no entanto, a ONG tem se dirigido exclusivamente ao povo americano. Por mais respeitável que seja sua bandeira, não tenho como empunhá-la no momento e, por menos representativo que seja este espaço, pretendo usá-lo apenas para promover causas às quais eu me sinta de fato engajado. Agradeço a todos pela compreensão.


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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

PLANETA TERRA (2)


O banner do Instituto Carijós Pró-Conservação da Natureza, por sua vez, passa a ocupar o topo da coluna. Quem quiser conhecer melhor o trabalho do IC basta clicar ali. Neste espaço, em vez de falar sobre ele, coloco algumas fotos auto-explicativas. É isto o que tentamos salvar todos os que o apoiamos. As fotos são de Anselmo Malagoli, que foi um dos fundadores do Instituto, há mais de 9 anos.


sexta-feira, 26 de setembro de 2008

terça-feira, 23 de setembro de 2008

BOA PRIMAVERA


Palpiteiros irresponsáveis

Debochar da quebra de instituições como o Lheman Brothers ou o Merril Lynch é algo a que o metalúrgico Lula pode se dar o luxo, mas o chefe de Estado Lula deveria estudar melhor as falas. Zoar com o risco de derrocada do sistema financeiro internacional é tão inadequado quanto comemorar a derrubada das Torres Gêmeas por considerá-la uma justa vingança dos povos oprimidos contra o grande satã e acreditar, ingenuamente, que a barbárie atingira somente os Estados Unidos.

De fato, bancos de investimentos como o Lheman e o Lynch se especializaram em – entre uma e outra operação nem sempre cristalina – dar palpites sobre o cofre alheio. Ancorados na suposta solidez da maior economia do mundo, julgaram-se à vontade para determinar, por exemplo, se e quando nações emergentes como o Brasil deveriam merecer a confiança da comunidade internacional. Oráculos das finanças globais, descuidaram do próprio caixa, como um prestigiado gerente de banco que não consegue administrar as contas pessoais.

A queda das bolsas de valores em todo o mundo ainda carrega reflexos dos atos perpetrados pelo bando de Osama Bin Laden naquele 11 de setembro. A solidez econômica americana começou a ruir junto com as torres. Com a fuga dos investidores estrangeiros e a natural retração do mercado – em tempos de medo o consumo é substituído pela poupança – o governo de George W. Bush viu a economia estagnar. Para evitar que a recessão se ampliasse, injetou dinheiro grosso no mercado, concedendo uma espécie de bolsa-consumo a praticamente todos os cidadãos economicamente ativos, ao mesmo tempo em que afrouxava as regras do crédito imobiliário.

Animados pelo ingresso de novos consumidores neste mercado milionário, os bancos venderam imóveis para quem não tinha capacidade de pagar. Pensaram no curto prazo, no aquecimento imediato dos negócios, confiando nas próprias tradições. Além disso, promoveram a securitização da dívida, que, em bom português, significa transformar créditos imobiliários em títulos e repassá-los para o mercado, inclusive internacional. Quando os recém-chegados ao clube da casa própria não conseguiram mais honrar as hipotecas, iniciou-se o efeito-dominó.

Os Lhemans e Lynchs da vida foram irresponsáveis e naufragaram na própria soberba, nisso o presidente Lula tem razão. Talvez Bush, além de fazer vistas grossas enquanto a situação se agravava, tenha mesmo demorado a entrar em ação – o que não é nenhuma novidade, no caso dele – e quem sabe até, em outras circunstâncias, se pudesse dizer bem feito para eles. Mas, numa economia globalizada, ao se assistir com certo prazer à agonia alheia pode se estar desdenhando do próprio risco de morte. No mundo de hoje doenças financeiras são sempre epidêmicas.


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TOCO Y ME VOY


Quebre o sigilo primeiro, ministro

Augusto Nunes

Em outubro de 2003, o país foi confrontado com a anatomia de um crime que, praticado 15 anos antes pelo deputado constituinte Nelson Jobim, assumiu dimensões bem mais perturbadoras ao ser revelada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. Com a naturalidade de quem está explicando por que prefere chimarrão a café, o parlamentar gaúcho confessou ter infiltrado na Constituição de 1988, cujo texto definitivo lhe competia redigir, dois artigos que não haviam sido votados, nem mesmo discutidos pelo plenário.

Se o país tivesse juízo, a reação indignada obrigaria Jobim a devolver a toga, identificar os textos contrabandeados (para que fossem prontamente expurgados), pedir perdão ao povo em geral e a seu eleitorado em particular, voltar aos pampas e ali esperar a mão da Justiça. Como pôde ter sido ministro da Justiça quem faz uma coisa dessas? – berrariam milhões de suecos. Como pode alguém assim ser vice-presidente do tribunal que decide o que é ou não constitucional? – urrariam incontáveis finlandeses. Mas o Brasil não faz sentido. E fez de conta que o cinqüentão Jobim continuava tão brincalhão quanto o estudante de Direito que furtou o sino da faculdade.

Uma nação com hímen complacente não grita nem mesmo quando a Constituição é estuprada, confirmaram os franzinos balidos do rebanho. Três dias depois da revelação desconcertante, o réu confesso voltou espontaneamente ao tema para explicar que não agira sozinho. As infiltrações ilegais, esclareceu, haviam sido encomendadas pelo deputado Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte morto no começo dos anos 90.

Ulysses não viveu para comentar a versão que o reduziu a mandante do crime de falsificação de documento público. E Jobim seguiu subindo na vida. Meses depois, instalou-se na presidência do STF. Cuidou com muito zelo do escândalo do mensalão, que inspirou a criação de uma Pastoral Parlamentar concebida para socorrer bandidos amigos com liminares e habeas corpus. Virou amigo de Lula e hoje é ministro da Defesa.

Jobim jamais coube em si mesmo. Não caberia num ministério só. Ao longo de um ano, acumulou sucessivamente as funções de general da selva na Amazônia, almirante e timoneiro de submarino nuclear na França e na Rússia, brigadeiro vitorioso no combate ao apagão aéreo e bombeiro especialista em incêndios ensaiados por militares de pijama. Fora o resto.

É muita coisa, ficaram admirados até os napoleões de hospício. Nem tanto, decidiu o espaçoso gaúcho. Na semana passada, assumiu sem pedir licença o posto de controlador-geral da imprensa brasileira. Fazia tempo que o ministro ultrapolivalente andava aborrecido com a divulgação de informações que colocam em risco a segurança nacional e a boa imagem do governo. Mas descobriu só agora que esses vazamentos antipatrióticos são produzidos pela ação conjunta de jornalistas, promotores públicos, juízes de Direito, sherloques da Polícia Federal e arapongas da Abin.

A solução é acabar com o sigilo da fonte, prescreveu Jobim. (O ministro da Justiça, Tarso Genro, gostou da idéia e resolveu patrocinar um projeto que enquadra os inimigos da nação). A notícia é ruim para a pátria? Cobre-se de quem pecou a origem do pecado. Talvez por falta de espaço da agenda, o ministro da Defesa ainda não se manifestou sobre o segredo do confessionário nem sobre o sigilo profissional – tantas vezes invocado pelo criminalista Jobim para ocultar o que ouvia da clientela bandida. Por enquanto, só o sigilo da fonte está na mira do homem que guardava segredos por 15 anos.

Jobim pareceria mais convincente se, primeiro, quebrasse o próprio sigilo. E revelasse, além dos nomes dos colegas que participaram do roubo do sino, quais são os artigos com os quais estuprou a Constituição.



Publicado originalmente na Gazeta Mercantil.


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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

terça-feira, 16 de setembro de 2008

TOCO Y ME VOY


O STF decreta a falência do sistema judicial

Augusto Nunes

Em 1º de julho de 2004, armado de metralhadoras, fuzis, pistolas, revólveres e granadas, o bando de meliantes criteriosamente selecionados pelo Primeiro Comando da Capital e pelo Comando Vermelho preparava-se para tomar de assalto uma cadeia na Grande São Paulo, e libertar os 1.279 presidiários, quando a polícia cercou seu esconderijo. A captura dos 12 bandidos abortou a primeira ofensiva conjunta das duas maiores organizações criminosas do país – e impediu que os chefões aliados celebrassem a desmoralização do sistema penitenciário paulista.

Na quinta-feira passada, armado de um pedido de habeas corpus, o bando de advogados alugados pelo PCC e pelo CV conseguiu do STF o sinal verde para devolver às ruas nove integrantes da tropa de elite engaiolada em 2004. Como em mais de quatro anos não foi encerrada sequer a fase de instrução do processo, reservada à coleta de provas e depoimentos, o Supremo Tribunal Federal autorizou a libertação da turma. Graças à decretação da prisão preventiva dos quadrilheiros, até então presos provisoriamente, uma juíza de primeira instância evitou que as feras escapassem da jaula. Mas a decisão do Supremo bastara para que os líderes da bandidagem festejassem a falência do sistema penitenciário nacional e do sistema judicial brasileiro.

"Que beleza!", ironizou um delegado. "O STF talvez não saiba que são bandidos perigosíssimos". O pior é que sabe, informa o parecer do ministro Carlos Ayres Britto, relator do caso, que atribuiu à altíssima voltagem dos processados o inverossímil imobilismo do processo. "O motivo de tanto atraso não foi nenhuma ação protelatória dos defensores dos réus", ressalvou Britto. Dezenas de audiências, justificou em juridiquês castiço, "foram canceladas e remarcadas por falta de efetivo estatal para apresentação de presos ao juízo criminal, tendo em vista a alta periculosidade dos agentes".

Tradução para língua de gente: por falta de escoltas de bom tamanho, bandidos deixaram de ser deslocados da cela para o fórum. Como os réus são de meter medo em serial killer americano, os magistrados invariavelmente pediam à Secretaria de Segurança Pública que providenciasse a mobilização de 20 dos 100 mil soldados da PM para acompanhá-los até o tribunal. Como a chefia da PM nunca atendia às solicitações, as audiências eram canceladas. E assim se passaram 48 meses.

"Há 20 anos, quando fui secretário de Segurança Pública, não se sabia sequer quem era responsável pela escolta", confessa o criminalista Antônio Mariz de Oliveira. "Está provado que nada mudou. E ainda não foi criada uma guarda penitenciária". Desde a década de 80, portanto, um sistema judicial em frangalhos vem sendo espancado impunemente por governantes omissos, militares ineptos e juízes pusilânimes. Por descumprirem a lei, não foram julgados os delinqüentes que o STF agora libertou em nome da lei.

Onde a gente comum enxerga nove bombas ambulantes, as togas viram cidadãos que, como quaisquer outros, são merecedores de atenções constitucionais. Certo, concordou até o Ministério Público Federal. Certíssimo, aplaudiram os juristas renomados e os bacharéis de porta de cadeia. "O STF só cumpriu seu dever", concede a advogada Paula Rodrigues Branco. Funcionária do PCC, Paula continua irada com os quatro anos de cadeia curtidos "pelos rapazes". É assim que ela se refere a clientes que carregam nas costas prontuários de dar inveja a um Fernandinho Beira-Mar.

É de doutoras paulas que andam precisando outros 130 mil presos preventivamente há muito mais tempo que os 81 dias estabelecidos pela legislação. Aguardam julgamento, como os nove rapazes da doutora. Mas não são filiados ao PCC ou ao CV, e por isso não têm recursos financeiros para contratar bacharéis. Por falta de advogados, não têm recursos judiciais a apresentar a instâncias superiores. Por falta de recursos, não têm direito a sonhar com um habeas corpus.

Talvez não saibam direito o que é isso. Nem o que faz exatamente o STF.


Publicado originalmente na Gazeta Mercantil.


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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

MARAVILHAS DO MUNDO ANIMAL


Lua-de-mel virtual

“ Caseeeeeei!!!!
É isso aí!!!
Casemo!!!! (erro proposital, blz? ehehehehe)
Foi a noite mais incrível da minha vida! A festa estava perfeita. Para qualquer lado que olhava, só tinha gente legal!!!
(...) Fui, porque estou morrendo de sono (são 6 e pouco da manhã!)”


Lucas Lima, músico, que interrompeu a noite de núpcias com a cantora Sandy para colocar esta edificante nota em seu blog.


Crédito da foto: Divulgação Lucas Lima


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COFFEE BREAK


A Lua e Eu

Cassiano fez um punhado de músicas de sucesso, sendo a principal delas Coleção (“Sei que você gosta de brincar de amores...”), da qual, infelizmente, não há videoclipe. Outra das mais famosas é A Lua e Eu, que reproduzo abaixo, em clipe exibido no Fantástico em 1975. Essa canção foi tema da novela O Grito, da Rede Globo.

Embora mais ausente do que deveria do imaginário popular, Cassiano é considerado uma espécie de pai da soul music brasileira, sendo cultuado por artistas do calibre de Ed Motta, por exemplo. Entre suas grandes composições figura Primavera, consagrada na voz de Tim Maia.

A Lua e Eu é de autoria do próprio Cassiano em parceria com Paulo Zdanowski, que postou este recado no YouTube:

"Gostaria de agradecer aqui a todos que visitaram esta música e que marcaram suas vidas com ela. Quando escrevi sua letra, estava no calçadão do Leme com Cassiano e naquela hora conversávamos sobre uma pessoa que eu namorava e a Lua estava realmente muito linda, foi aí que nasceu A Lua e Eu. Era 1973. Demorou 3 anos pra ser gravada e eternizada por este grande músico que é o Cassiano, meu professor, meu amigo. Deixo aqui meu eterno abraço, Paulo Zdanowski."





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GENTE


Paixão e obra de Beto Silveira

O Beto é que se pode chamar de figura ímpar sem medo de exagerar. Conheci-o em meados dos anos 80. Ele trabalhava havia muitos anos na Rede Globo como responsável pela preparação dos novos atores. Quando veio a Porto Alegre para ministrar um curso de atuação em televisão, fui encarregado de entrevistá-lo para a Revista da TV do jornal Zero Hora. Ele concordou em conversar comigo apenas se eu fizesse o curso. Tentei declinar, saía tarde do jornal e etc, mas ele insistiu, disse que havia o curso noturno e que deixaria minhas gravações para o final da noite. Então, tive de encarar.

Dotado de talento extraordinário e carisma invulgar, Beto acabou me ensinando muita coisa. Lá pela metade do curso ele me concedeu a entrevista regada a muito chope num bar chamado A Moenda, no bairro Menino Deus em Porto Alegre, que não sei se ainda existe. Apesar das dificuldades de horários e do cansaço (na época eu trabalhava em dois empregos), acabei me saindo bem. Ao final do curso, o Beto escolheu, entre dezenas de alunos dos três turnos, duas pessoas a quem considerou especialmente talentosas e entregou uma ficha de cadastro para o elenco da Globo. Eu fui um dos escolhidos. Não sei se teria dado em algo, mas me arrependo de minha covardia em não tentar. Julgava-me compromissado demais com uma série de coisas, e isso com vinte e poucos anos, enfim.

A amizade dura até hoje. Já passei férias na casa dele, quando ele morava no Rio, já freqüentamos bastante a casa um do outro quando eu morava em São Paulo, onde ele mantém um curso de preparação de atores de grande sucesso.

Em 1997, quando eu estava em Brasília, ele me mandou os originais de um livro para que eu desse uns palpites. O tempo passou, o livro saiu primeiro em Portugal e agora, finalmente, Assim no Palco Como na Vida acaba de ser lançado no Brasil pela Editora Totalidade. Trata-se de uma aula magistral de interpretação, com pitadas de Stanislavski e Eugênio Kusnet, de quem o Beto foi aprendiz, mas, acima de tudo, é uma aula de vida, de visceralidade, de tesão por estar neste planeta cercado de gente por todos os lados.


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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

BOM FIM DE SEMANA





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FRAGMENTOS

Vendo chover em Macondo


Setembro promete boas-novas. Ao menos costumava prometer. A iminência do fim do Inverno, não o Inverno do frio elegante, do vinho, do sobretudo e da lareira, mas o Inverno das sombras, dos temores de que o mundo por fim se converta nas eternas trevas a que parece condenado. A cada prenúncio de Primavera, acredita-se, que diabos, no ocaso das dores da vida, das dores de ser, de estar, de insistir em permanecer, do eterno suplício que é viver.

O solstício do Inverno, instante mais triste do ano, com seu escurecer absurdamente precoce, já vai longe agora. Os dias alongam-se, devagar ainda, como se acordando da grande ressaca da hibernação, mas enfim se esticam, espicham seus incertos e sinuosos braços, dispostos a alcançar o breu que se move em direção à linha de chegada da noite primaveril. Qual vestal empedernida, a linha recua, afasta-se, negaceia.

A boa-nova em breve andará nos campos, fazendo brotar o pendão recitado em velhas canções desbotadas por pulsações inúteis. Talvez viçosas rosas colombianas vermelhas sejam obrigadas a ceder lugar a roxas e emblemáticas orquídeas. Não faz diferença para um beija-flor, talvez faça para a vida ao redor. Na verdade faz para ele também, mas alguém tem de espalhar o pólen.

Tudo vale a pena, ainda que almas aturdidas acabem por esvaziar a intenção do poeta. Mas o que é poesia se não uma forma disfarçada de covardia emocional? Na impossibilidade de se viver, filosofa-se. Na ausência da completitude real, imaginação. O virtual alivia, mas só a vida sacia.

Em meio a chuvas impertinentes, na breve estiagem de meio de tarde, um casal de pombos pousa no parapeito da janela semi-aberta. Parecem felizes. Arrulham em cumplicidade. Observam, miram-se, dirigem ao redor um olhar de indisfarçável condescendência e então alçam vôo em direção ao infinito vazio camuflado de felicidade.


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GENTE

A estrela Belém

Alguns dias atrás publiquei um texto de Maria Belém Adams sobre seus contratempos na Escócia. Está aí abaixo, logo depois do vídeo da deliciosa Natalie Wood. Augusto Nunes a descreveu, na introdução, com “rosto de fada e sorriso de primeira comunhão”. Para quem não a conhece, esta é a Belém.

Sendo filha de Eduardo Bueno, é natural que se imaginasse que ele escreveu ou, no mínimo, editou o texto. Surpreendi-me, pela qualidade, ao saber que a autoria era integralmente dela. Ele não mudou uma vírgula sequer.

Diante de minhas dúvidas, o Peninha jurou pela mãe. Embora eu saiba o quanto ela amava a dona Beatriz Bueno, ainda assim cismei. Ele jurou pelo Grêmio. Mesmo conhecendo seu fanatismo religioso pelo imortal tricolor, mostrei-me cético. Então, golpe final, ele jurou por Bob Dylan. Aí tive de acreditar. E não pude deixar passar: a Belém escreve melhor do que ele. Concordamos quanto a isso.



Crédito da foto: Arquivo Pessoal


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sexta-feira, 5 de setembro de 2008

BOM FIM DE SEMANA

Natalie Wood em West Side Story.





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TOCO Y ME VOY

No texto a seguir, Augusto Nunes apresenta e comenta a carta aberta que Maria Belém Adams escreveu às autoridades alfandegárias escocesas depois de ser interrogada, presa e repatriada sem qualquer razão. Belém é filha de Eduardo Bueno, o famoso Peninha, e da designer Ana Adams.


O império sumiu, ficou a arrogância

Augusto Nunes

Um agiota da Florença medieval trataria de oferecer-lhe, espontaneamente, empréstimos sem garantia. Um espião de filme americano não resistiria à tentação de transformá-la em confidente. O carcereiro do corredor da morte libertaria todo mundo se ela ponderasse que qualquer ser humano merece uma segunda chance. Nem mesmo ressabiados profissionais conseguiriam desconfiar de alguém com rosto de fada e sorriso de primeira comunhão, acreditaram até agosto os que conhecem Maria Belém Adams. É que eles não conheciam os funcionários a serviço de Sua Majestade no aeroporto de Edimburgo. Depois de interrogada por seis horas e detida por mais 16, essa doce gaúcha de 25 anos foi repatriada arbitrariamente, como conta o trecho abaixo reproduzido de sua "Carta aberta a uma alfândega fechada".

Faz pouco tempo que nos vimos, mas suponho que vocês não se lembram de mim. Provavelmente já esqueceram meu nome e meu rosto. Eu era apenas mais uma brasileira. Diferentemente de vocês, recordarei para sempre o dia em que tive um sonho abortado. Já no desembarque em Edimburgo, a abordagem deixou claro que vocês estavam dispostos a achar uma prova de que eu era culpada. Do que, ainda não sei. Mas ficou evidente a intenção de buscar algo que justificasse a proibição de entrar em seu país, e de ignorar as evidências de que eu não pretendia permanecer mais de 24 dias entre suas fronteiras.

Eu deveria estar mais bem vestida? Aparentar um ar de superioridade? Teria sido diferente? Agora não importa. Meus documentos, autênticos, provavam que minha permanência no Reino Unido seria curta. Queria apenas conhecer parte do país e de sua cultura, e voltar para casa com boas lembranças. Escolhi o mês de agosto por ser um período de efervescência cultural na cidade, repleta de visitantes atraídos pelo que supostamente é o maior festival de artes do mundo. E, mais importante ainda, porque tinha entrado em contato com uma artista que admiro, Lotte Glob, e planejava visitá-la na cidade escocesa onde mora há décadas.

Mundialmente respeitada pelos trabalhos com cerâmica, que é a minha atividade, Lotte está promovendo a exposição mais importante de sua vida. Encontrá-la também enriqueceria a minha tese de conclusão do curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Repeti essas informações. Mas vocês alegaram que os motivos não eram suficientes para estar em seu país!

Exausta pela viagem de 30 horas, fui interrogada por seis horas. A certa altura, vocês perguntaram se conhecia alguém na Escócia. Respondi que não. Outra minuciosa revista em minha agenda localizou um número de telefone de Edimburgo. Vocês ligaram e a mulher que atendeu disse que me conhecia. Tínhamos mantido um rápido contato pela internet, por recomendação de um amigo comum. Só poderia dizer que a conhecia depois de um encontro pessoal. Sem saber o que se passava, baseada nas boas referências que recebera a meu respeito, ela mencionou um vínculo que não existia.

Repeti essas explicações inutilmente. Como cães farejadores, vocês decidiram que essa contradição aparente era a prova que tanto procuravam. Em nenhum momento vocês se interessaram em saber quem sou. Eu tinha comigo cartas de apresentação dos professores da universidade federal onde completarei o curso neste ano, documentos da empresa que existe em meu nome, reservas de hotéis, dinheiro suficiente, cartão de crédito. E nada de ilegal na bagagem. Nada disso importava. Eu era uma carta marcada. Só faltava o pretexto para que fosse descartada.

Investi dinheiro, tempo e energia para chegar à Escócia, e fui tratada como criminosa sem nenhuma razão. Enquanto fiquei presa, rigorosamente vigiada, centenas de pessoas passaram sem que nenhuma pergunta fosse feita. Vocês perderam com uma pessoa honesta o tempo que deveria ser investido na busca de outras com más intenções. Não posso aceitar que uma pessoa em busca da ampliação dos seus horizontes, com coragem para perseguir seus sonhos, seja submetida a interrogatórios absurdos, levada num carro blindado para um centro de detenção e ali permaneça durante 16 horas, isso sem ter cometido delito algum, sem existir uma única prova que a incrimine.

Não esperamos que a alfândega do Reino Unido seja mais humana. Basta que mais competente e, principalmente, justa.

No fim do século 19, o engenheiro escocês Peter Adams chegou ao Rio Grande do Sul para chefiar a construção de uma ferrovia. Foi tão bem recebido que resolveu ficar para sempre em Novo Hamburgo. O velho Peter não poderia imaginar que, em 2008, uma jovem Adams seria tratada como meliante ao visitar o país de onde veio o trisavô.


Publicado originalmente no Jornal do Brasil


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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

EVENTO

Na noite desta quinta-feira ocorreu o lançamento do livro Falange Gaúcha, do jornalista Renato Dornelles (Diário Gaúcho), do qual tive o prazer de participar como editor de texto. Abaixo, o autor e eu, e ele chegando com pose de estrela à Livraria Saraiva do Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre. As fotos são do Luiz Armando Vaz que, a exemplo do Renatinho, além de jornalista do DG é crítico carnavalesco.





terça-feira, 2 de setembro de 2008

BOA NOITE


Elton John no legendário estádio de Wembley, Londres, em 1984.


Os 40 anos de Veja

A revista Veja celebra suas quatro décadas de existência com a realização de um seminário hoje, em São Paulo. Adorada por uns, odiada por outros, exemplo de bom jornalismo ou exemplo de mau jornalismo, o fato é que Veja é a publicação mais importante do País e uma das maiores revistas semanais do mundo. O seminário O Brasil que Queremos Ser está sendo transmitido ao vivo - com a participação dos internautas - pelo site:
http://www.veja40anos.com.br/


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Google lança navegador

O Google, que já oferece o mais consagrado site de buscas do mundo, o mais famoso de relacionamentos (Orkut), o Gmail, o Blogger, entre outros serviços, agora vai entrar na briga dos navegadores com o Chrome, que será lançado hoje. O Explorer, da Microsoft, domina o mercado, seguido do Mozilla Firefox, que contava inclusive com o apoio do Google. Acima, a primeira página do desenho explicativo produzido pela empresa.

Veja os detalhes em:
http://www.google.com/googlebooks/chrome/#

Araponga,
o pássaro

O verdadeiro Araponga é este aí da foto. Dotado de um grito estridente, é conhecido também, dependendo da região, como guiraponga, ferrador ou ferreiro.

O Brasil tem o araponga-comum, o araponga-do-Nordeste e o araponga-da-Amazônia. Um quarto tipo, fácil de identificar, mas difícil de enquadrar, é o araponga-do-Planalto, que se diferencia dos demais porque não grita, prefere escutar.



Crédito da foto: Divulgação FZB-RS
TOCO Y ME VOY


Com essa turma, é um
recorde atrás do outro

Augusto Nunes

Se os miseráveis caminham para a completa extinção, se os pobres não param de subir na vida, se o PAC vai deixando o Brasil com cara de Califórnia, se até um Paraguai se sentiria autorizado a gastar por conta caso dispusesse do colosso de petrodólares guardado no pré-sal, não faz sentido tisnar a imagem do país no Exterior com a mancha da sovinice. Agiu bem o presidente Lula, assim, ao declarar em Pequim que "fazer no Rio a Olimpíada de 2016 não tem preço".

"Se você escolher qualquer assunto, qualquer tema, o Brasil estará entre as dez maiores economias do mundo", ofegou Lula ainda convalescendo da performance na festa de abertura. "Temos, portanto, o direito de reivindicar o que quisermos". A Copa de 2014, para começo de conversa, já é nossa. E vai sair praticamente de graça para os contribuintes, esclareceu Ricardo Teixeira, presidente da CBF e, por extensão, do País do Futebol.

A construção de um punhado de estádios, a reforma de alguns e outras obras menores – o trem-bala unindo São Paulo ao Rio, por exemplo – custarão pouco mais de R$ 10 bilhões, certo. "Mas essa Copa pode ser feita pela iniciativa privada", acalmou Teixeira, confiante na enxurrada de contratos com empresários nativos e gringos. Ainda não apareceu uma única gota, mas a nação não perde por esperar. O cartola da CBF é um bicampeão do mundo. Parcerias de trivela, acordos de bicicleta, tabelinhas com multinacionais, jogadas de tal porte são com ele mesmo.

Se algo falhar, sobrará para o governo, claro. E o governo espetará a conta no bolso dos que pagam impostos, claro. Mas também Lula não está para miudezas. É homem que pensa grande, enxerga longe. Tanto enxerga que já pode descrever as emoções reservadas pelos Jogos de 2016 aos pobres que restarem no país e aos que, pelo visto, seguirão abundando na América do Sul.

"Temos fronteira seca com vários países", ensinou geografia ao repórter da rádio BBC. "Os pobres que não têm chance de ver uma Olimpíada poderão ir ao Brasil ver uma". Na China, por exemplo, a representação da Bolívia limitou-se aos seis atletas. Se eles sobreviverem até a festa de 2016, terão o apoio de muitos milhares de compatriotas desvalidos. Muitos terão chegado ao Rio a pé, mas com energia suficiente para aplaudirem meia dúzia de derrotas.

Lula contempla os US$ 40 bilhões (cerca de R$ 64 bilhões) desembolsados pelo governo chinês com a displicência de quem acabou de ouvir o preço de uma tapioca. "Não se deve olhar apenas quanto custa uma Olimpíada", advertiu. "Temos de ver também os benefícios esportivos que isso traz e os investimentos em infra-estrutura". Qualquer semelhança com a discurseira que precedeu, acompanhou e hoje tenta justificar certos mistérios do Pan-2007 nada tem de coincidência.

É reincidência mesmo. De novo, Lula está endossando, sem conferi-los, cálculos malandramente irreais. O Pan-2007 deveria custar R$ 414 milhões. Engoliu R$ 4 bilhões. O Engenhão, por exemplo, não passaria de R$ 60 milhões e seria depois entregue à população carioca. Custou R$ 400 milhões e foi alugado a preço de ocasião ao Botafogo.

O projeto original incluía o Veículo Leve Sobre Trilhos Barra-Galeão, a Linha 4 do Metrô Barra-Botafogo, a ligação hidroviária Barra-Centro, a despoluição de todas as lagoas e outros sonhos. Pois o presidente do COB, Carlos Nuzman, enfeitou o projeto olímpico com as mesmas miragens e promete cumprir as promessas pela módica quantia de R$ 6 bilhões. Apenas R$ 2 bilhões acima do custo do Pan.

Em junho, o comitê eleitoral recebeu do governo R$ 85 milhões para trabalhar com mais animação pela escolha do Rio como sede dos Jogos de 2016. Desse primeiro adjutório, já foram enterrados na montagem da Casa Brasil em Pequim exatos R$ 3.598.103,92. A conta não esqueceu sequer os tostões. Escancara a precisão de quem economiza centavos para fingir que não está pensando todo o tempo em porcentagens.



Publicado originalmente na Gazeta Mercantil



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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

BOM FIM DE SEMANA

Ingrid

Em tributo a Ingrid Bergman, the best, que nasceu e morreu num 29 de agosto, repito aqui o vídeo de Casablanca.


BOM FIM DE SEMANA (2)

Michael Jackson, 50 anos

Eu pretendia escrever um longo texto sobre Michael Jackson, cuja obra é muitas vezes subestimada em função do preconceito, e que completa hoje 50 anos. Faltou-me tempo, se der ainda escreverei nos próximos dias. Por enquanto, fiquem com Man in the Mirror.


terça-feira, 26 de agosto de 2008

BRASIL


O texto a seguir já foi publicado no site coletiva.net. Decidi republicá-lo aqui por duas razões. A primeira é o escândalo do reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ulysses Fagundes Neto, que se demitiu ontem em função das acusações de uso do cartão corporativo em causa própria. Entre os gastos indevidos figura a compra de um aparelho de barbear e de uma escova de cabelos por R$ 300 em Miami.

A segunda razão é contribuir para que o recente escândalo dos cartões corporativos não seja esquecido. Alguém foi punido? Algo mudou? A farra continua? O assunto é repetitivo? Paciência, a roubalheira também.




Porque a farra é agora


Mesmo os corruptos têm de se modernizar. Por que carregar dinheiro na cueca se é muito mais fácil, moderno e impune sacar o cartão corporativo? Bandidos sempre sacaram: armas brancas, prosaicas pistolas ou modernos fuzis de uso militar. Por que a bandidagem que chafurda nos pântanos do Planalto teria pudores em sacar o cartão? Cartão corporativo: não circule no lodo sem ele.

O episódio Valdomiro “Só Quero Um Por Cento” Diniz, aquele que assessorava o Zé Dirceu que era o braço direito do Lula que não sabia de nada, escancarou uma verdade que todo homem decente aprende no berço: não existe meio corrupto. Do mimo para o servidor público apressar um alvará a prodigiosos assaltos aos cofres públicos, corrupção é corrupção. O meio corrupto é tão ficcional quanto a ligeiramente grávida.

O que os eventos perpetrados no lamaçal da República evidenciam é tão somente a pequenez dos contraventores. Se vão prevaricar, que o façam com alguma “catiguria”, como ensinou a Bebel da deliciosa Camila Pitanga. Tungar o bolso do cidadão para comprar rosquinhas é um tanto demais.

Depois dos larápios federais com algum espírito de grandeza – ao menos andavam de Land Rover – chegou a vez da chinelagem. Trata-se de uma espécie de bolsa-família dos corruptos. Já não se estende um discreto envelope por baixo da mesa, passa-se o cartão. Certas coisas na vida de um corrupto chinelão não têm preço. Para todas as outras existe o cartão corporativo.

Como nunca antes na história desse País, a malversação do erário tornou-se política de Estado. Governos infestados de corruptos não são novidade nos flexíveis trópicos. O que espanta é a desfaçatez. Simulações, fachadas e álibis converteram-se em peças de museu. É tudo à luz do dia mesmo. Como diz a velha frase sobre amores clandestinos em hora imprópria, antes à tarde do que nunca. Porque a farra é agora.



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Livro (1)


Produto Nacional – Uma História da Indústria no Brasil, lançado neste mês em Brasília, celebra os 70 anos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O livro foi escrito por Eduardo Bueno (na foto com a obra), que dispensa apresentações, com a minha colaboração nos textos.

O lançamento teve a presença do vice-presidente da República, José Alencar, de mais de dez ministros de Estado, do ex-ministro Jarbas Passarinho, da atriz Fernanda Montenegro e dos empresários Roberto Irineu Marinho (Rede Globo), Jorge Gerdau Johannpeter (Grupo Gerdau), Roberto Civita (Editora Abril), Otavio Frias Filho (Folha de S. Paulo) e Norberto Odebrecht (Organização Odebrecht), entre outras personalidades.


Crédito da foto
Miguel Ângelo/Divulgação CNI



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Livro (2)


O livro Falange Gaúcha – O Presídio Central e a História do Crime Organizado no RS, da RBS Publicações, será lançado no dia 4 de setembro, a partir das 19h30min, na Livraria Saraiva do Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre.

O autor é Renato Dornelles, de quem fui colega no jornal Zero Hora. Repórter especializado em coberturas policiais e crítico carnavalesco, Renatinho, além de competente, é um grande sujeito.

Tive o prazer de reencontrá-lo agora porque atuei como editor de texto de Falange Gaúcha.

A obra é uma adaptação de uma série de reportagens publicadas no Diário Gaúcho, agraciada com o Prêmio ARI, o mais importante do Estado.


Crédito das fotos: Divulgação


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COFFEE BREAK


Curtam a abertura de A Turma do Balão Mágico, de 1984. E depois continuem no Blog, porque a seguir Augusto Nunes fala sobre os heróis olímpicos brasileiros, apesar do Brasil.



TOCO Y ME VOY


HERÓIS NACIONAIS, APESAR DO BRASIL


Augusto Nunes


"É a maior delegação brasileira de todos os tempos", orgulhou-se pouco depois da chegada a Pequim o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman. "Isso prova que o Rio está pronto para sediar a Olimpíada de 2016". O que tinha uma coisa a ver com a outra?, perguntou a cara de espanto dos jornalistas. "Temos 277 atletas", sorriu Nuzman. "A Espanha, 16 anos depois dos jogos de Barcelona, tem 290. É quase a mesma coisa". Pena que o tamanho de delegação não se inclua entre os critérios que orientam a escolha da cidade-sede.

Pena, sobretudo, que não seja um esporte olímpico. Se fosse, o Brasil logo teria fortíssimas chances de superar em número de medalhas de ouro a Espanha (seis em Pequim) e, em seguida, qualquer potência olímpica. Porque o país tropical estaria para a modalidade como os Estados Unidos para o basquete, como a Jamaica para os 100 metros rasos. Fizemos bonito na China: além dos 277 competidores festejados por Nuzman, desembarcaram 192 não-atletas, o que faz a conta subir para 469 cabeças.

A lista inclui João Havelange, 92 anos, o mais idoso (e talvez o mais conhecido) cartola do planeta. O COB não informou se nela entraram também o presidente Lula, (que ficou por lá dois ou três dias) e o ministro Orlando Silva (que só se animou a voltar ao local de trabalho depois da festa de encerramento). Nenhum dos dois sabe como se escreve taekwondo (o Brasil buscou um bronze na modalidade), nem se as provas são disputadas num gramado ou num trampolim. Mas ambos endossaram com a voz firme de especialista o estranho raciocínio desenvolvido por Nuzman. O Rio merece a Olimpíada de 2016.

E o Brasil só precisa disso para entrar de vez no clube das potências pluriesportivas. Falta pouco, repetem cartolas e governantes desde 1920, quando o país estreou nos Jogos Olímpicos da era moderna e a equipe de tiro trouxe de Antuérpia uma medalha de ouro e uma de bronze. Falta tudo, discorda a interminável procissão de fiascos que os patriotas, os cretinos e os muito espertos fingem não enxergar.

Em 88 anos, incluídas as que premiaram os desempenhos soberbos de Maurren Maggi, de César Cielo e da seleção feminina de vôlei, o país conquistou 20 medalhas de ouro. Seis a mais que as obtidas pelo nadador Michael Phelps em duas Olimpíadas. O novo imperador das piscinas é um vencedor também por ter nascido nos EUA. Maurren, Cielo e as heroínas das quadras triunfaram apesar do país onde nasceram. Eles fazem parte do 1,1% da população economicamente ativa que pratica ou praticou algum esporte.

Um americano que nunca tenha corrido numa pista, saltado numa quadra, mergulhado numa piscina ou feito coisa parecida corre o risco de ser apontado nas ruas como um extravagante vocacional. Quase todos são ou foram, de alguma forma, esportistas. Lá, os campeões nascem no curso primário, crescem no colegial, aprendem na adolescência que vale a pena representar a escola em qualquer competição, aperfeiçoam-se nas equipes da universidade que lhes ofereceram bolsas e, quase sempre, enriquecem como atletas profissionais.

No País do Futebol, um jovem que passa a tarde inteira numa piscina em Santa Bárbara D´Oeste, como fazia César Cielo, ou uma garota bonita que gasta o tempo voando baixo numa pista de terra em São Carlos, caso de Maurren, parecem tão lógicos como um napoleão de hospício. A rainha do salto em distância deve a medalha a ela mesma. O nadador mais veloz do mundo não teria chorado ao som do Hino Nacional se não tivesse tido o patrocínio do pai e passado muitos meses em piscinas americanas, orientado pelo técnico australiano que só chegou a Pequim porque Cielo venceu também a ciumeira da cartolagem.

"Meu Deus, o que fiz de errado?", perguntava a grande Marta, olhando para o céu, depois da derrota na final do futebol feminino. Nada, deveriam ter berrado em coro todos os santos. Não se pode culpar a melhor jogadora do mundo por ter nascido aqui. Marta só teve a má sorte de chegar ao mundo pela mesma rota de Bárbara, a goleira da seleção, que entrou em campo pouco depois de saber que, com a dissolução do time brasileiro onde sobrevivia, perdera o emprego. Bárbara saiu do estádio com uma medalha de prata. Continua à procura de trabalho.


Publicado originalmente na Gazeta Mercantil.


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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O que você fez de errado, Marta?

O olhar erguido para o céu, o semblante crispado pelo cansaço e pela revolta, e a indagação suprema: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?” Nada, Marta. Não é assim que funciona no futebol. Tampouco na vida. Tanto aí, neste espaço verde que flutua entre o sacro e o demoníaco, quanto aqui fora, no imenso vazio de justiça e paz.

Você, Marta, ao contrário de tantos integrantes do time olímpico brasileiro, em especial aqueles rapazes que são seus colegas de modalidade, ao menos tem o direito de perguntar. Eles não precisam, seja porque já sabem, seja porque vão dormir com a serenidade dos inconscientes.

Sabe, Marta, esporte é assim mesmo, ainda mais esporte coletivo, que depende de tanta gente acertar ao mesmo tempo e, quando isso acontece, nem sempre se traduz em vitória. A vida é assim, Marta.

Milhões de pessoas se perguntam todos os dias, ao acordar para mais uma jornada exaustiva de trabalho, de transporte coletivo abarrotado, de remuneração miserável, enquanto tantos enriquecem roubando, alguns roubando dinheiro público, produzido com o suor desta jornada exaustiva: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?”

São outros tantos, que sempre praticaram o bem, a solidariedade, a generosidade, e que acabam por se tornar vítimas da violência de nossos tempos, a se perguntar diante de tanta crueldade: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?”

O cidadão que nada fez de errado, e ainda assim sofre com atos prepotentes ou equivocados da Justiça, ao observá-la tão branda com criminosos notórios de ternos bem cortados, ou concedendo penas leves à bandidagem pesada, este por certo se pergunta: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?”

Não vivemos numa meritocracia. Honestidade, esforço, dedicação, suor, competência, talento, lealdade, nada disso é sinônimo de recompensa.

No futebol é diferente, é verdade. Não adianta jogar melhor, não basta ter mais técnica ou se esforçar ao extremo. Você fez tudo isso, mas desta vez, você e suas colegas não conseguiram fazer o gol, e isso se sobrepõe a todo o resto. Pensando friamente, venceu quem marcou gol, que é o objetivo do futebol, e isso não pode ser classificado como injustiça.

Claro, Marta, você já está cansada de ser vice, duas vezes no Mundial, duas nas Olimpíadas, duas na Europa. É, deve cansar mesmo. Além do mais, o que para nós é apenas um jogo, para você é imensamente mais do que isso. Mas você foi eleita duas vezes a melhor do mundo e é ídolo de milhões.

De todo modo, seu desabafo repete o desabafo de muita gente, todos os dias. Sua identificação com o povo, que já era enorme, certamente aumentou.

O ouro seria uma maravilha, até para ficar marcado como o primeiro desta modalidade em que os rapazes não conseguem triunfar. Não seria o máximo, no machista país do futebol, o primeiro ouro ser das mulheres?

Mas você tentou, fez de tudo, a gente viu. A medalha é de prata, você é de ouro.

Beijos no coração, Marta.
Durma bem.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

TOCO Y ME VOY

O CLASSE MÉDIA QUE SOBE
PELO ELEVADOR DE SERVIÇO


Augusto Nunes


O paulistano João Rogério da Silva Alves, 36 anos, 15 dos quais casado com Maria Cavalcanti, é motorista de táxi há 13. Mora com a mulher e duas filhas (14 e 9 anos) no bairro de Cachoeira, um amontoado de construções tristonhas que parecem mais velhas do que são – e sempre à espera do acabamento, dos atavios e dos móveis que não virão. O serviço de água funciona razoavelmente, a rua é asfaltada, mas a rede de saneamento básico ainda não chegou lá. A exemplo dos vizinhos, os Alves se livram dos detritos e dejetos do dia no leito de um córrego que depois os despeja no Rio Tietê.

A casa, alugada por R$ 300 mensais, tem dois cômodos de 12 m². O reservado à cozinha acabou acumulando as funções de sala de visitas, sala de jantar e copa. O outro é o quarto, dividido ao meio por um lençol ali pendurado para sugerir a inexistente privacidade. Nesse espaço estão a cama do casal e a das filhas, separadas por centímetros, além da TV comprada em janeiro de 2006 por R$ 800, fatiados em 12 prestações. "De lá para cá não tive dinheiro para mais nada", diz Alves. Nem para o carro próprio, que o dispensaria da porcentagem cobrada pelo patrão.

Há 13 anos a serviço do dono de uma frota de táxis, acorda sempre às 5h, busca o veículo na garagem da empresa e estaciona antes das 6h no ponto localizado na esquina entre a Alameda Peixoto Gomide e a Rua Oscar Freire, no coração dos Jardins. Nas 16 horas seguintes, estará ou à espera de algum passageiro, ou circulando pelos labirintos da metrópole, ou testando a paciência em ruas congestionadas.

Dorme perto de meia-noite. Folga aos domingos se juntou o suficiente durante a semana. Não tira férias há mais de 10 anos. "Com o que ganho, não dá para ter luxos, mas não devo nada a ninguém", diz. "Vivo uma vida de pobre". Ganha por mês cerca de R$ 1.800, que se somam aos R$ 400 que a mulher consegue como diarista. A renda familiar ultrapassa amplamente a fronteira, redefinida em 6 de agosto pela Fundação Getúlio Vargas, que separa a pobreza da classe média. "Você chegou aos R$ 1.064", deveria prevenir alguma placa. Por falta de aviso, Alves só soube na quinta-feira que subira na vida sem mudar de vida. Continuava pobre, mas na classe média.

"Como é que posso ser da classe média se não tenho como fazer o que faz a classe média?", intriga-se. Pergunto-lhe o que acha que faz a turma da divisão a que foi promovido. A classe média vai ao cinema ou ao teatro uma vez por semana, exemplifica. "E sai para comer num restaurante melhorzinho". Alves não vai ao cinema há 15 anos e nunca foi ao teatro. "Vontade eu tenho, o que não tenho é dinheiro", desculpa-se. Mas de vez em quando vai com a família a uma churrascaria, ressalva. Foi pela última vez faz três anos.

Ele por acaso notou que a pobreza está diminuindo, e em alta velocidade, como garante a pesquisa? "Só se os pobres dos bairros que esses caras pesquisaram mudaram todos para o meu", acha graça. Aponta um punhado de deficientes físicos e mulheres em andrajos com crianças de colo e emenda: "É assim em qualquer esquina". No fim da corrida, ele avisa que resolveu conferir a promoção: "Se entrei na classe média, vou usar o elevador social", sorri. "Até hoje só pude usar o elevador de serviço".


O indigente e a ararinha azul


Os alquimistas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas não fariam feio se disputassem com os curandeiros da Fundação Getúlio Vargas a final do campeonato brasileiro de levantamento de pobre. Só anda faltando à direção do time mais esperteza marqueteira. Foi um erro, por exemplo, divulgar o levantamento do IPEA, também circunscrito às seis maiores metrópoles do País, junto com estudo da FGV intitulado A nova classe média. Ao transplantar um pedaço da pobreza para o organismo debilitado da classe média, a FGV mandou um petardo no ângulo que acabou ofuscando os dribles e passes de trivela dos craques do IPEA.

Um dos lances mais vistosos resultou na expulsão de milhões de brasileiros do campo da pobreza, restrito a famílias com renda mensal abaixo de R$ 207. De 2003 a 2008, segundo o IPEA, o índice baixou de 35% para 21,1%. Eram 14.352.753 no primeiro dia da Era Lula. Cinco anos depois, 4 milhões saíram do atoleiro. Os efeitos da pesquisa foram ainda mais agudos entre os miseráveis, rebatizados como "indigentes": os que sobrevivem com menos de R$ 103,75 caíram de 13,7% para 6,6%. Indigente agora virou uma espécie em extinção. Em 2010, será mais fácil enxergar uma ararinha azul que um genuíno miserabilis brasilis.


Publicado originalmente na Gazeta Mercantil.
Crédito da foto: Divulgação SEMAR/PI

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Recado de gênio

Eduardo Bueno, o célebre Peninha, amigo, compadre e parceiro de longa data, enviou-me o seguinte e-mail a propósito da crônica postada hoje:

"Só esqueceste de creditar o GENIAL criador das três supracitadas seções, sessões, secções..."

Está feito o genial registro.
BOM FIM DE SEMANA

Fiquem com o maravilhoso mundo de Louis Armstrong.


FUNDO DO BAÚ

No início dos anos 90, o jornal Zero Hora publicava em sua revista dominical três seções com textos bem humorados: “Um Lugar”, “Espécies em Extinção” e “História Universal da Infâmia”. Escrevi vários deles, entre os quais o “Um Lugar” que reproduzo a seguir.


A Casa da Mãe Joana

A Casa da Mãe Joana – que me perdoem os filhos de Joanas – é uma zona. A qualquer hora do dia ou da noite registra um constante e insondável trânsito de indivíduos, a maioria dos quais nem a dona da Casa, a Joana em pessoa, seria capaz de identificar. Como uma genuína área conflagrada, exibe muito barulho, sujeira e um toque de surrealismo. Nela, misturam-se espécimes das mais exóticas tribos. Trata-se de um dos poucos lugares do mundo em que é impossível se sentir solitário.

Encontrar um objeto perdido na Casa, nem pensar. Ele tanto poderá estar dentro da tuba do tio-avô Eraldo (filho, dizem, da primeira Joana de que se tem notícia) quanto no baú de mágico daquele sujeito que afirma pertencer à família, tem o melhor quarto da Casa e ocupa a cabeceira às refeições, mas que ninguém sabe de onde veio. As refeições, por sinal, provocam cenas dantescas. Melhor esquecê-las. Não seria elegante falarmos aqui de temas como canibalismo.

A Casa da Mãe Joana é um terreno no qual confraternizam pervertidos, corruptos, vigaristas, aproveitadores em geral e mesmo algumas estirpes politicamente corretas. A Mãe Joana tudo permite, nada vê. Seus domínios há muito se expandiram. Tomaram conta do bairro, da cidade, da região e, finalmente, do País. Um dia a gandaia se generalizou. O Brasil transformou-se numa imensa Casa, e lá estava Mãe Joana, pronta para tomar conta do pedaço.

Ao longo dos anos, ocasionalmente apareceu alguém disposto a botar ordem na Casa. Perda de tempo. Em seguida, como toda mãe que se preza, ela desautorizava qualquer repreensão e passava a mão na cabeça dos filhos errantes. A Mãe Joana sobreviveu a vários golpes, a muitos dígitos de inflação, a uma roubalheira desmedida, sempre com a mesma fleuma. Há quem diga que, não fosse a Mãe Joana, o País entraria nos eixos. Mas Mãe Joana é imperecível.

A Casa da Mãe Joana é como sabonete de quartel: todos põem a mão. Tentar entender o mecanismo que move o cotidiano da Casa da Mãe Joana converte-se em esforço inútil. Quando algo se revela previsível, lógico, Joana se encarrega de desfazer o mal-entendido. “Tá pensando que isso aqui é o quê? A Casa da Sogra?” – esbraveja. Ela não admite comparações. A Casa da Sogra é noutro lugar, a despeito de eventuais semelhanças. Algumas sogras se chamam Joana, é verdade, e tentam imitar a original, mas nenhuma tem o seu talento para o inverossímil e para a contemplação do absurdo. A Sogra também é pródiga em abrigar confusão, mas ainda é possível entender o funcionamento de sua Casa e identificar os protagonistas.

Consta do imaginário do Rio (aquela parte do Rio que ainda se dá ao luxo de ter imaginário) uma Casa da Mãe Joana real, refúgio de boêmios, deserdados e sonhadores. Consta ainda que um dia a Casa migrou para Brasília, onde Joana acabou por se sentir incomodada com a vizinhança. Mas, claro, o imaginário é por vezes apenas um punhado de lendas com arrogância de realidade.

Nos últimos anos pouco se tem ouvido falar na Mãe Joana. Dizem que se desiludiu com a vulgarização de suas teses, especialmente no Planalto. “Hoje todos se acham no direito de esculhambar a Casa”. Isso a derrotou. A Mãe Joana foi vista pela última vez num boteco da Avenida Atlântica, em Copacabana. Vestia-se como vedete de teatro de revista em versão punk, bebia sem parar e gritava com orgulho: “Eu fui a primeira!”. Os habitués do local não pareciam compreendê-la.


Publicado originalmente no jornal Zero Hora em 2 de janeiro de 1994.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

JORNALISMO

O português da última página

Lá pelo final dos anos 70, início dos 80, uma revista hoje extinta brilhava sozinha no mercado brasileiro das masculinas da era pré-Playboy. O diretor de redação era Wagner Carelli. A última página da publicação costumava ser ocupada por textos de colaboradores variados. Um dia, Wagner, que ainda não completara 30 anos de idade, mas já revelara seu imenso talento, cruzou nos corredores da editora com o chefe, mais experiente, famoso, e seu amigo de longa data. “Quem diabos é aquele português que você colocou na última página?” ­­­­– perguntou o amigo. Tratava-se de um completo desconhecido. Aparentemente, não fazia sentido dedicar espaço tão nobre a alguém sem projeção. Carelli não vacilou: “Ele escreve bem pra caramba”, respondeu, mas não foi levado muito a sério.

Alguns meses depois, o tal português voltou a freqüentar as páginas e o diretor de redação foi novamente questionado pelo colega. “Por que você insiste com este português do qual ninguém nunca ouviu falar?” Carelli limitou-se a repetir: “Ele escreve bem pra caramba.” Com pequenas variações, a cena se repetiu várias vezes nos meses seguintes. Tornara-se um ritual. Saía um texto do português, Carelli era interpelado pelo amigo, respondia do mesmo jeito. Aos poucos, acrescentou mais ousadia às suas palavras: “Ele escreve bem pra caramba. Na verdade, é um dos autores que melhor escreve em língua portuguesa hoje em dia.” O colega balançava a cabeça em sinal de desaprovação. Às vezes retrucava: “Não vejo nada de mais no texto deste cara.”

O tema tornou-se tedioso, mas agora era um jogo do qual nenhum dos dois conseguia sair. A cada investida, aumentavam os adjetivos de ambos os lados. “O que você viu neste porra de português?” “Ele escreve bem pra caramba, e vou te dizer mais, ele ainda vai ganhar o Nobel”. O limite havia sido ultrapassado. A engolir o português o colega já se acostumara, mas ouvir tal disparate já era demais. O resultado foi uma grande gargalhada. Daí em diante, a história do Nobel tornou-se a chave do amistoso bate-boca.

Uma das últimas vezes em tocaram no assunto foi quando o português esteve no Brasil e visitou a editora. Ele estava muito grato pela confiança nele depositada. Já havia publicado dois livros em seu país, que podiam ser adquiridos no Brasil, mas em edições caras e limitadas: Levantando do Chão e Memorial do Convento. Preparava o lançamento de Jangada de Pedra. Ainda não podia se dar ao luxo de viver só dos livros, precisava dos frees para sobreviver. Chamava-se José Saramago, nome que, para a maioria, era apenas o do português da última página.

Como sabemos, o tal português virou best-seller, escreveu obras-primas e ganhou o Nobel. Essa história é pouco conhecida. Por timidez ou alguma outra razão, Carelli a manteve restrita aos amigos e jamais publicou qualquer linha a respeito. Mas ilustra bem o quanto é importante em atividades tão subjetivas quanto o jornalismo ou a literatura ser dotado de uma espécie de radar para talentos e potencialidades. Este faro, por certo, vale muito mais do que simplesmente examinar a ficha repassada pelo RH e concluir que a fluência em idioma estrangeiro ou um certificado de MBA implicam necessariamente uma grande capacidade prática de exercer seu ofício.

Ainda bem que no jornalismo tais requisitos ainda são menos valorizados do que em outras profissões. Até porque corremos o risco de formar gerações que transitam com desenvoltura pelo mundo virtual, mas não revelam o mesmo desembaraço na vida real. Que sabem tudo da língua inglesa, mas não dominam o idioma pátrio. Basta ler os textos de algumas publicações. Editores têm de ficar atentos. Ocasionalmente, surge um português na última página.


Publicado originalmente no site coletiva.net

domingo, 10 de agosto de 2008

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

BOM FIM DE SEMANA


TOCO Y ME VOY

A convidada especial de hoje é Luciana Pinsky, de quem tive o prazer de ser colega na revista Época. Escritora, jornalista e editora, Luciana terá seu primeiro romance, Sujeito Oculto e Novas Graças do Amor, lançado em outubro pela editora Record. Quem quiser conhecer mais seus textos ficcionais pode entrar em sua comunidade do Orkut.

http://www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=6471973
PARA BAIXO

Luciana Pinsky

Você me desafiou para uma descida. Ninguém me desafia para uma descida. Não há pessoa louca suficiente para acompanhar-me em uma descida. Você passa, magnética. Eu vou. Não freio. Pego mais e mais impulso. As rodas fervem. Vivo velocidade. Não quero morrer ainda, tenho tantos países a percorrer, tanto caminho para descobrir, tanta cerveja para beber, tanta vida me espera, mas se for para morrer que seja assim, descendo a tantos mil por hora. Se for para morrer, que seja como macho. E você me instiga. “Vamos, vamos”.

Você e esses olhos azuis angelicais que de anjo nada tem. Fui. E você grita. Cada vez mais alto. AAAAAAAAA. Eu grito junto, sua voz colando na minha, como se houvéssemos ensaiado. AAAAAAAAA.

Dois patinadores, descendo uma ladeira de forma alucinada, barulhentos como hooligans prestes a se enfrentar. Era assustador.

O desejo mais primitivo expresso sobre aquelas tantas rodas por um casal em bodas. Era a comunhão completa.

Só que não éramos um casal, não tínhamos relação alguma e aquilo resumia-se a uma descida muito rápida de patins pelo asfalto de Perdizes. Mas isso só depois. Na hora era a união. Descendo com você aquela ladeira, eu era tão eu como era possível ser.

Lá embaixo ela me esperava. Minha companheira real, aquela que sabe o nome da minha irmã, o dia em que nasci, compartilha meu dia-a-dia, ainda que tema patins – “é perigoso”, diz sempre. Claro que é. Se não fosse, eu continuaria em casa navegando na internet.

– Que alívio vê-lo bem. Ouvi tanta gritaria que fiquei assustada.

– Obrigado, estou inteiro.

Ela ensaiou um cafuné e eu queria desafio. Seu toque era amigável, lembrei-me da minha mãe me pondo para dormir há um milhão de anos, com um tranqüilo aroma de alfazema. Ela era alfazema. Eu sonhava alcatrão. Ela me olhava com doçura, eu buscava brilho. Ela ofereceu-me chá, eu queria chope. Ela, sabonete. Eu, suor conquistado.

Você agradeceu a disputa. “Quem ganhou”? Eu ainda não sabia. Limpou o suor do rosto com a camiseta. Tal gesto deixou seu umbigo à mostra por alguns poucos segundos. A barriga tão lisa, quase podia senti-la nos meus dedos molhados. A barriga, tão fina, tão frágil, ali. Quem diria, você frágil. Você foi. Ela me deu a mão seca de alfazema.


Publicado originalmente no Blog do Noblat