LITERATURA
Auster dá um passo no escuro
A prosa simples e escorreita de Paul Auster lançou-o ao panteão dos grandes autores contemporâneos em língua inglesa, ao lado de nomes como Don DeLillo, John Updike, Phillip Roth, Ian MacEwan e J. M. Coetzee. Nascido em 1947 na cidade de Newark, em New Jersey, Auster conta histórias com a naturalidade dos escritores vocacionais, e seu estoque de sortilégios lingüísticos costuma ser tão básico – e eficaz – quanto o de um avô entretendo os netos.
Obras como A Invenção da Solidão, A Trilogia de Nova York ou Leviatã são credenciais indiscutíveis de um tremendo escritor. Em seu mais recente romance, Homem no Escuro (Cia. Das Letras), Auster dá, literalmente, um passo no escuro, ao retomar fórmulas desgastadas – ainda que possam funcionar lindamente –, com as quais ele próprio já enfrentou dificuldades em lidar em ocasiões anteriores. O resultado é um livro sem foco, destinado mais a expor as idéias de vida e as opiniões políticas do autor do que a contar uma bela história.
O narrador, Augusto Brill, é um homem passado dos setenta anos, viúvo recente, inválido também recente devido a um acidente de carro, que vai morar com a filha, abandonada pelo marido, e com a neta, cujo ex-namorado morreu em circunstâncias trágicas. Para lidar com seus próprios fantasmas e os fantasmas das que o rodeiam, Brill tenta driblar a insônia inventando histórias fantásticas.
Mais uma vez, o personagem tem um ofício semelhante ao do autor. Brill é um resenhista respeitado, ganhador do Pullitzer, a filha está escrevendo um livro e a neta quer ser cineasta. Tudo em casa. Numa casa sombria, repleta de lembranças insuportáveis.
O livro se divide entre a história desta família pouco afortunada e um universo paralelo no qual o 11 de Setembro nunca aconteceu, mas a fraudulenta eleição americana de 2000, que elegeu George W. Bush pela primeira vez, levou a uma nova Guerra Civil. Em vez de matar em terra alheia, os americanos resolvem matarem-se uns aos outros. Vale como crítica social, embora prejudicada pelo maniqueísmo. O personagem central desta subtrama tem de matar o criador, no caso, Brill. Trata-se de Pirandello sem a humanidade alcançada pelo dramaturgo italiano.
Uma das passagens mais brilhantes do livro ocorre quando o autor fala sobre a presença de objetos inanimados a expressar as emoções dos personagens em filmes clássicos como Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica. Mas logo retoma seu muro das lamentações particular, depois de a história paralela se encerrar sem dizer a que veio.
O velho e bom Auster da metalinguagem, do subtexto, das histórias dentro de histórias, da obsessão por Kafka, Proust e Beckett, desta vez se perdeu em seu próprio labirinto. Mesmo trabalhos menos expressivos de Auster, no entanto, exibem algum vigor formal, uma prosa deliciosa e momentos pungentes. O problema é que ele já nos deu muito mais. E, depois que se experimenta o melhor...
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3 comentários:
To lendo Travessuras da menina má, do Mário Vargas Llosa, conhece?
Fiquei com vontade de ler esse...
Bjk
Ainda não li nada de Auster, mas já ouvi falar muito bem.
Este livro me parece ser interessante. Talvez não para o começo da leitura de seus livros, mas vale, com certeza, conhecer! Gostei do enredo da história que apesar de ter me passado uma atmosfera meio obscura traz também uma crítica social. Acho que é bem válido! Gostei.
Obrigada Eliziário, por mais esta dica! Rsss ;)
Grande Beijo
Oi, Eliziário!
COm certo atraso... Ótima resenha. Obrigado pelo alerta.
Vou arriscar A Invenção da Solidão.
Um abraço
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