quarta-feira, 18 de junho de 2014


GRANDES NOMES
Truman Capote, a 
prima-dona genial

Primeiro, leiam o início de A Sangue Frio.

“A aldeia de Holcomb fica situada no meio dos planaltos de trigo, no Oeste do Kansas, numa área isolada que os demais habitantes do estado chamam ‘lá para diante’. Perto de setenta milhas a leste da fronteira do Colorado, com um céu azul intenso e um ar transparente, de deserto, possui uma atmosfera que lembra mais o Extremo Oeste do que o Médio Oeste. A pronúncia local tem um sotaque da planície, um nasalado próprio dos rancheiros, e os homens, na sua maioria, vestem calças justas de fronteiriços, chapéus de feltro de aba larga, botas de tacão alto com biqueiras aguçadas. A terra é plana e os horizontes são incrivelmente vastos; os cavalos, as manadas de gado e o branco aglomerado dos silos a erguerem-se graciosamente no céu como outros tantos templos gregos se avistam muito antes de o viajante chegar perto deles.
            “Também a aldeia de Holcomb se divisa a grande distância. Não que ela tenha muito que ver. É constituída apenas por um simples e despretensioso agrupamento de edifícios, cortado ao meio pela linha do caminho-de-ferro de Santa Fé, uma terreola limitada ao sul pelo curso negro do rio Arkansas (que se diz como se escreve), a norte pela autoestrada n. 50, e a leste e a oeste por terras planas e campos de trigo. Depois das chuvas ou quando se derrete a neve, as suas ruas de terra batida, sem nome, sem árvores a ensombrá-las, mal pavimentadas, transformam-se em nojentos
canais de lama. (...)”
           
            O trecho inicial de A Sangue Frio, publicado em 1965, representa uma amostra emblemática do new journalism, ou jornalismo literário, do qual o autor, Truman Capote, é um dos maiores ícones. Embora não se trate da obra inaugural do gênero – apesar das controvérsias –, honraria atribuída a Hiroshima, de John Hersey, lançado em 1946, A Sangue Frio logrou obter um êxito mais amplo e permanente talvez porque, ao contrário da obra-prima de Hersey, tenha se centrado em poucos e contundentes personagens e versado sobre assassinato, tema mais presente no imaginário póstumo do que as sequelas das vítimas da bomba atômica.
            Um fazendeiro, sua esposa e os dois filhos adolescentes foram mortos em 15 de novembro de 1959 a tiros de espingarda, tendo sido antes amarrados e amordaçados. Depois de ler uma nota sobre o Caso Clutter no New York Times, Capote aportou em Holcomb, lugarejo de escassas 270 almas, um mês após o crime. Descreveu com saborosos – ou horrorosos – detalhes o caso, o lugar, os hábitos dos moradores, entrevistou familiares e amigos das vítimas, seguiu de perto cada passo da investigação policial. Meses depois, Richard Hickock e Perry Smith foram presos. Condenados à morte, seriam enforcados em 14 de abril de 1965.
            Capote acompanhou o processo até o fim, tendo feito longas entrevistas com os acusados na prisão e até mesmo assistido à execução. Envolveu-se de alma e corpo, literalmente, ao ter um caso com Perry Smith. Em 25 de setembro de 1965, a revista The New Yorker publicou o último dos quatro capítulos da história do escrita por Capote, com sucesso estrondoso que levou ao lançamento da obra em livro, em 1966. Quase quatro décadas depois, A Sangue Frio chegou ao cinema em 2005, com foco na elaboração do livro e Capote sendo magistralmente interpretado por Philip Seymour Hoffman. (Leia a continuação clicando no link abaixo).