GRANDES NOMES
Truman Capote, a prima-dona genial
Primeiro, leiam o início de A Sangue Frio.
“A aldeia de Holcomb fica situada no
meio dos planaltos de trigo, no Oeste do Kansas, numa área isolada que os
demais habitantes do estado chamam ‘lá para diante’. Perto de setenta milhas a
leste da fronteira do Colorado, com um céu azul intenso e um ar transparente,
de deserto, possui uma atmosfera que lembra mais o Extremo Oeste do que o Médio
Oeste. A pronúncia local tem um sotaque da planície, um nasalado próprio dos
rancheiros, e os homens, na sua maioria, vestem calças justas de fronteiriços,
chapéus de feltro de aba larga, botas de tacão alto com biqueiras aguçadas. A
terra é plana e os horizontes são incrivelmente vastos; os cavalos, as manadas
de gado e o branco aglomerado dos silos a erguerem-se graciosamente no céu como
outros tantos templos gregos se avistam muito antes de o viajante chegar perto
deles.
“Também
a aldeia de Holcomb se divisa a grande distância. Não que ela tenha muito que
ver. É constituída apenas por um simples e despretensioso agrupamento de
edifícios, cortado ao meio pela linha do caminho-de-ferro de Santa Fé, uma
terreola limitada ao sul pelo curso negro do rio Arkansas (que se diz como se
escreve), a norte pela autoestrada n. 50, e a leste e a oeste por terras planas
e campos de trigo. Depois das chuvas ou quando se derrete a neve, as suas ruas
de terra batida, sem nome, sem árvores a ensombrá-las, mal pavimentadas,
transformam-se em nojentos
canais de lama. (...)”
O trecho inicial de A Sangue Frio, publicado em 1965,
representa uma amostra emblemática do new
journalism, ou jornalismo literário, do qual o autor, Truman Capote, é um
dos maiores ícones. Embora não se trate da obra inaugural do gênero – apesar
das controvérsias –, honraria atribuída a Hiroshima,
de John Hersey, lançado em 1946, A
Sangue Frio logrou obter um êxito mais amplo e permanente talvez porque, ao
contrário da obra-prima de Hersey, tenha se centrado em poucos e contundentes
personagens e versado sobre assassinato, tema mais presente no imaginário
póstumo do que as sequelas das vítimas da bomba atômica.
Um fazendeiro, sua esposa e os dois
filhos adolescentes foram mortos em 15 de novembro de 1959 a tiros de
espingarda, tendo sido antes amarrados e amordaçados. Depois de ler uma nota sobre
o Caso Clutter no New York Times, Capote
aportou em Holcomb, lugarejo de escassas 270 almas, um mês após o crime.
Descreveu com saborosos – ou horrorosos – detalhes o caso, o lugar, os hábitos
dos moradores, entrevistou familiares e amigos das vítimas, seguiu de perto
cada passo da investigação policial. Meses depois, Richard Hickock e Perry
Smith foram presos. Condenados à morte, seriam enforcados em 14 de abril de
1965.
Capote acompanhou o processo até o
fim, tendo feito longas entrevistas com os acusados na prisão e até mesmo assistido
à execução. Envolveu-se de alma e corpo, literalmente, ao ter um caso com Perry
Smith. Em 25 de setembro de 1965, a revista The
New Yorker publicou o último dos quatro capítulos da história do escrita
por Capote, com sucesso estrondoso que levou ao lançamento da obra em livro, em
1966. Quase quatro décadas depois, A
Sangue Frio chegou ao cinema em 2005, com foco na elaboração do livro e Capote
sendo magistralmente interpretado por Philip Seymour Hoffman. (Leia a continuação clicando no link abaixo).