Suicídios exemplares
Se o pensamento é o único território realmente livre de que dispomos, uma vez que os sonhos abarcam doses de desejos, temores e outras sensações obscuras despejadas pelo inconsciente – embora bem possa ser o contrário –, o suicídio é a última fronteira da capacidade humana de se rebelar contra as circunstâncias de vida, considere isso destino ou mera sequência aleatória de acontecimentos. A criatura, num ato de extrema rebeldia, desafia o poder de vida e morte do criador, ou simplesmente abre mão da própria vida na tentativa vã de provar algo a si mesmo ou, invariavelmente, a alguém, mesmo sabendo que, ainda que a mensagem chegue ao destinatário, o sacrifício já não lhe servirá de nada.
Muitas vezes, a abordagem é menos romântica, transformando o ato em simples e rápida forma de se livrar de dificuldades cotidianas, sejam elas dívidas, excesso de responsabilidades ou prosaicos problemas de baixa auto-estima. Na interpretação de Albert Camus – a despeito de eventuais rancores ideológicos, figura de proa na literatura e na filosofia do século 20 –, o suicídio é a questão filosófica primordial. Trata-se de decidir se a vida vale ou não a pena ser vivida, sendo o resto consequência de tal reflexão. Segundo Sêneca, nas Epístolas Morais a Lucílio, “nada melhor a lei interna fez do que nos dar uma entrada para a vida e muitas saídas”.