BOM FIM DE SEMANA
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sexta-feira, 26 de setembro de 2008
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Palpiteiros irresponsáveis
Debochar da quebra de instituições como o Lheman Brothers ou o Merril Lynch é algo a que o metalúrgico Lula pode se dar o luxo, mas o chefe de Estado Lula deveria estudar melhor as falas. Zoar com o risco de derrocada do sistema financeiro internacional é tão inadequado quanto comemorar a derrubada das Torres Gêmeas por considerá-la uma justa vingança dos povos oprimidos contra o grande satã e acreditar, ingenuamente, que a barbárie atingira somente os Estados Unidos.
De fato, bancos de investimentos como o Lheman e o Lynch se especializaram em – entre uma e outra operação nem sempre cristalina – dar palpites sobre o cofre alheio. Ancorados na suposta solidez da maior economia do mundo, julgaram-se à vontade para determinar, por exemplo, se e quando nações emergentes como o Brasil deveriam merecer a confiança da comunidade internacional. Oráculos das finanças globais, descuidaram do próprio caixa, como um prestigiado gerente de banco que não consegue administrar as contas pessoais.
A queda das bolsas de valores em todo o mundo ainda carrega reflexos dos atos perpetrados pelo bando de Osama Bin Laden naquele 11 de setembro. A solidez econômica americana começou a ruir junto com as torres. Com a fuga dos investidores estrangeiros e a natural retração do mercado – em tempos de medo o consumo é substituído pela poupança – o governo de George W. Bush viu a economia estagnar. Para evitar que a recessão se ampliasse, injetou dinheiro grosso no mercado, concedendo uma espécie de bolsa-consumo a praticamente todos os cidadãos economicamente ativos, ao mesmo tempo em que afrouxava as regras do crédito imobiliário.
Animados pelo ingresso de novos consumidores neste mercado milionário, os bancos venderam imóveis para quem não tinha capacidade de pagar. Pensaram no curto prazo, no aquecimento imediato dos negócios, confiando nas próprias tradições. Além disso, promoveram a securitização da dívida, que, em bom português, significa transformar créditos imobiliários em títulos e repassá-los para o mercado, inclusive internacional. Quando os recém-chegados ao clube da casa própria não conseguiram mais honrar as hipotecas, iniciou-se o efeito-dominó.
Os Lhemans e Lynchs da vida foram irresponsáveis e naufragaram na própria soberba, nisso o presidente Lula tem razão. Talvez Bush, além de fazer vistas grossas enquanto a situação se agravava, tenha mesmo demorado a entrar em ação – o que não é nenhuma novidade, no caso dele – e quem sabe até, em outras circunstâncias, se pudesse dizer bem feito para eles. Mas, numa economia globalizada, ao se assistir com certo prazer à agonia alheia pode se estar desdenhando do próprio risco de morte. No mundo de hoje doenças financeiras são sempre epidêmicas.
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Debochar da quebra de instituições como o Lheman Brothers ou o Merril Lynch é algo a que o metalúrgico Lula pode se dar o luxo, mas o chefe de Estado Lula deveria estudar melhor as falas. Zoar com o risco de derrocada do sistema financeiro internacional é tão inadequado quanto comemorar a derrubada das Torres Gêmeas por considerá-la uma justa vingança dos povos oprimidos contra o grande satã e acreditar, ingenuamente, que a barbárie atingira somente os Estados Unidos.
De fato, bancos de investimentos como o Lheman e o Lynch se especializaram em – entre uma e outra operação nem sempre cristalina – dar palpites sobre o cofre alheio. Ancorados na suposta solidez da maior economia do mundo, julgaram-se à vontade para determinar, por exemplo, se e quando nações emergentes como o Brasil deveriam merecer a confiança da comunidade internacional. Oráculos das finanças globais, descuidaram do próprio caixa, como um prestigiado gerente de banco que não consegue administrar as contas pessoais.
A queda das bolsas de valores em todo o mundo ainda carrega reflexos dos atos perpetrados pelo bando de Osama Bin Laden naquele 11 de setembro. A solidez econômica americana começou a ruir junto com as torres. Com a fuga dos investidores estrangeiros e a natural retração do mercado – em tempos de medo o consumo é substituído pela poupança – o governo de George W. Bush viu a economia estagnar. Para evitar que a recessão se ampliasse, injetou dinheiro grosso no mercado, concedendo uma espécie de bolsa-consumo a praticamente todos os cidadãos economicamente ativos, ao mesmo tempo em que afrouxava as regras do crédito imobiliário.
Animados pelo ingresso de novos consumidores neste mercado milionário, os bancos venderam imóveis para quem não tinha capacidade de pagar. Pensaram no curto prazo, no aquecimento imediato dos negócios, confiando nas próprias tradições. Além disso, promoveram a securitização da dívida, que, em bom português, significa transformar créditos imobiliários em títulos e repassá-los para o mercado, inclusive internacional. Quando os recém-chegados ao clube da casa própria não conseguiram mais honrar as hipotecas, iniciou-se o efeito-dominó.
Os Lhemans e Lynchs da vida foram irresponsáveis e naufragaram na própria soberba, nisso o presidente Lula tem razão. Talvez Bush, além de fazer vistas grossas enquanto a situação se agravava, tenha mesmo demorado a entrar em ação – o que não é nenhuma novidade, no caso dele – e quem sabe até, em outras circunstâncias, se pudesse dizer bem feito para eles. Mas, numa economia globalizada, ao se assistir com certo prazer à agonia alheia pode se estar desdenhando do próprio risco de morte. No mundo de hoje doenças financeiras são sempre epidêmicas.
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TOCO Y ME VOY
Quebre o sigilo primeiro, ministro
Augusto Nunes
Em outubro de 2003, o país foi confrontado com a anatomia de um crime que, praticado 15 anos antes pelo deputado constituinte Nelson Jobim, assumiu dimensões bem mais perturbadoras ao ser revelada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. Com a naturalidade de quem está explicando por que prefere chimarrão a café, o parlamentar gaúcho confessou ter infiltrado na Constituição de 1988, cujo texto definitivo lhe competia redigir, dois artigos que não haviam sido votados, nem mesmo discutidos pelo plenário.
Se o país tivesse juízo, a reação indignada obrigaria Jobim a devolver a toga, identificar os textos contrabandeados (para que fossem prontamente expurgados), pedir perdão ao povo em geral e a seu eleitorado em particular, voltar aos pampas e ali esperar a mão da Justiça. Como pôde ter sido ministro da Justiça quem faz uma coisa dessas? – berrariam milhões de suecos. Como pode alguém assim ser vice-presidente do tribunal que decide o que é ou não constitucional? – urrariam incontáveis finlandeses. Mas o Brasil não faz sentido. E fez de conta que o cinqüentão Jobim continuava tão brincalhão quanto o estudante de Direito que furtou o sino da faculdade.
Uma nação com hímen complacente não grita nem mesmo quando a Constituição é estuprada, confirmaram os franzinos balidos do rebanho. Três dias depois da revelação desconcertante, o réu confesso voltou espontaneamente ao tema para explicar que não agira sozinho. As infiltrações ilegais, esclareceu, haviam sido encomendadas pelo deputado Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte morto no começo dos anos 90.
Ulysses não viveu para comentar a versão que o reduziu a mandante do crime de falsificação de documento público. E Jobim seguiu subindo na vida. Meses depois, instalou-se na presidência do STF. Cuidou com muito zelo do escândalo do mensalão, que inspirou a criação de uma Pastoral Parlamentar concebida para socorrer bandidos amigos com liminares e habeas corpus. Virou amigo de Lula e hoje é ministro da Defesa.
Jobim jamais coube em si mesmo. Não caberia num ministério só. Ao longo de um ano, acumulou sucessivamente as funções de general da selva na Amazônia, almirante e timoneiro de submarino nuclear na França e na Rússia, brigadeiro vitorioso no combate ao apagão aéreo e bombeiro especialista em incêndios ensaiados por militares de pijama. Fora o resto.
É muita coisa, ficaram admirados até os napoleões de hospício. Nem tanto, decidiu o espaçoso gaúcho. Na semana passada, assumiu sem pedir licença o posto de controlador-geral da imprensa brasileira. Fazia tempo que o ministro ultrapolivalente andava aborrecido com a divulgação de informações que colocam em risco a segurança nacional e a boa imagem do governo. Mas descobriu só agora que esses vazamentos antipatrióticos são produzidos pela ação conjunta de jornalistas, promotores públicos, juízes de Direito, sherloques da Polícia Federal e arapongas da Abin.
A solução é acabar com o sigilo da fonte, prescreveu Jobim. (O ministro da Justiça, Tarso Genro, gostou da idéia e resolveu patrocinar um projeto que enquadra os inimigos da nação). A notícia é ruim para a pátria? Cobre-se de quem pecou a origem do pecado. Talvez por falta de espaço da agenda, o ministro da Defesa ainda não se manifestou sobre o segredo do confessionário nem sobre o sigilo profissional – tantas vezes invocado pelo criminalista Jobim para ocultar o que ouvia da clientela bandida. Por enquanto, só o sigilo da fonte está na mira do homem que guardava segredos por 15 anos.
Jobim pareceria mais convincente se, primeiro, quebrasse o próprio sigilo. E revelasse, além dos nomes dos colegas que participaram do roubo do sino, quais são os artigos com os quais estuprou a Constituição.
Publicado originalmente na Gazeta Mercantil.
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Quebre o sigilo primeiro, ministro
Augusto Nunes
Em outubro de 2003, o país foi confrontado com a anatomia de um crime que, praticado 15 anos antes pelo deputado constituinte Nelson Jobim, assumiu dimensões bem mais perturbadoras ao ser revelada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. Com a naturalidade de quem está explicando por que prefere chimarrão a café, o parlamentar gaúcho confessou ter infiltrado na Constituição de 1988, cujo texto definitivo lhe competia redigir, dois artigos que não haviam sido votados, nem mesmo discutidos pelo plenário.
Se o país tivesse juízo, a reação indignada obrigaria Jobim a devolver a toga, identificar os textos contrabandeados (para que fossem prontamente expurgados), pedir perdão ao povo em geral e a seu eleitorado em particular, voltar aos pampas e ali esperar a mão da Justiça. Como pôde ter sido ministro da Justiça quem faz uma coisa dessas? – berrariam milhões de suecos. Como pode alguém assim ser vice-presidente do tribunal que decide o que é ou não constitucional? – urrariam incontáveis finlandeses. Mas o Brasil não faz sentido. E fez de conta que o cinqüentão Jobim continuava tão brincalhão quanto o estudante de Direito que furtou o sino da faculdade.
Uma nação com hímen complacente não grita nem mesmo quando a Constituição é estuprada, confirmaram os franzinos balidos do rebanho. Três dias depois da revelação desconcertante, o réu confesso voltou espontaneamente ao tema para explicar que não agira sozinho. As infiltrações ilegais, esclareceu, haviam sido encomendadas pelo deputado Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte morto no começo dos anos 90.
Ulysses não viveu para comentar a versão que o reduziu a mandante do crime de falsificação de documento público. E Jobim seguiu subindo na vida. Meses depois, instalou-se na presidência do STF. Cuidou com muito zelo do escândalo do mensalão, que inspirou a criação de uma Pastoral Parlamentar concebida para socorrer bandidos amigos com liminares e habeas corpus. Virou amigo de Lula e hoje é ministro da Defesa.
Jobim jamais coube em si mesmo. Não caberia num ministério só. Ao longo de um ano, acumulou sucessivamente as funções de general da selva na Amazônia, almirante e timoneiro de submarino nuclear na França e na Rússia, brigadeiro vitorioso no combate ao apagão aéreo e bombeiro especialista em incêndios ensaiados por militares de pijama. Fora o resto.
É muita coisa, ficaram admirados até os napoleões de hospício. Nem tanto, decidiu o espaçoso gaúcho. Na semana passada, assumiu sem pedir licença o posto de controlador-geral da imprensa brasileira. Fazia tempo que o ministro ultrapolivalente andava aborrecido com a divulgação de informações que colocam em risco a segurança nacional e a boa imagem do governo. Mas descobriu só agora que esses vazamentos antipatrióticos são produzidos pela ação conjunta de jornalistas, promotores públicos, juízes de Direito, sherloques da Polícia Federal e arapongas da Abin.
A solução é acabar com o sigilo da fonte, prescreveu Jobim. (O ministro da Justiça, Tarso Genro, gostou da idéia e resolveu patrocinar um projeto que enquadra os inimigos da nação). A notícia é ruim para a pátria? Cobre-se de quem pecou a origem do pecado. Talvez por falta de espaço da agenda, o ministro da Defesa ainda não se manifestou sobre o segredo do confessionário nem sobre o sigilo profissional – tantas vezes invocado pelo criminalista Jobim para ocultar o que ouvia da clientela bandida. Por enquanto, só o sigilo da fonte está na mira do homem que guardava segredos por 15 anos.
Jobim pareceria mais convincente se, primeiro, quebrasse o próprio sigilo. E revelasse, além dos nomes dos colegas que participaram do roubo do sino, quais são os artigos com os quais estuprou a Constituição.
Publicado originalmente na Gazeta Mercantil.
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