BOM FIM DE SEMANA
Ronaldo Resedá (com Heloísa Millet) e a Kitch Zona Sul.
Obrigado pela audiência. Até segunda.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
Etelvino, o literal
Ninguém que o conhecesse estranharia, caso tivesse a oportunidade de assistir à insólita cena de Etelvino Peixoto entregando o chapéu aos cuidados do noviço Adamastor, retirando o sobretudo preto de lã, inverossímil na canícula latina, e se acomodando no sofá cor de vinho com listras douradas do arcebispado de Recife e Olinda. Os três dias em lombo de burro desde Pontal dos Errantes não lhe subtraíra o otimismo. Tampouco dava sinais de desânimo. Se era isto que tinha de fazer para ser ouvido, era isto que faria. Sua determinação era notória, tanto quanto a incapacidade de discernir tons de voz ou intenções ocultas, por isso as 4.499 almas do lugarejo que já fora um importante entreposto comercial e nos últimos anos virara paragem de última chance entre a civilização e a impossível caatinga consideraram natural tal empreendimento.
Etelvino, o Literal, como era conhecido, já dera incontáveis provas de uma simpática demência, e todos a ela se acostumaram com invulgar despudor. Antes de ser visto como um morador estranho, Etelvino, à custa do perfil folclórico e o semblante de pai da noiva em casamento arranjado, orgulhoso da própria obra, por mais despropositada que fosse, conseguira granjear amigos com uma facilidade da qual ele próprio desconfiava eventualmente, mas que o fazia sentir-se como o mais normal dos habitantes. Não o era, mas como a louco não se contraria, davam-lhe o crédito possível, embora muitos alertassem para os perigos de se dizer qualquer coisa sem total precisão a alguém tão literal.
Numa certa manhã, indignara-se com o suposto aumento dos tomates, que no entanto tinham o mesmo preço havia vários anos, apesar da seca implacável, talvez porque a depauperada população de Errantes carecesse de recursos para arcar com qualquer elevação. O quitandeiro Rudolfo Alamedas, agastado com os dezoito minutos de duração da refrega, aconselhou-o a se queixar ao bispo. Etelvino viu sentido na sugestão, posto que via sentido em tudo, já que nada lhe fazia sentido. Acomodou sobre o animal esqueletizado pela estiagem, em surradíssimos alforjes cor de abacate, uns poucos pertences, entre os quais um escapulário dos tempos de primeira comunhão, e se precipitou por trilhas inóspitas, cujos traçados eram evocados apenas em literatura de cordel, e ainda assim como cenário das tragédias nada épicas da miséria.
Mesmo Rudolfo Alamedas, homem conhecido por lhe faltar em paciência o que lhe sobrava em massa física, teria se poupado da culpa de condenar um pobre diabo a mormaços intermináveis caso acreditasse mesmo nas razões do adjetivo incorporado ao nome de Etelvino. Qualquer um que tivesse sido criado num raio de milhares de quilômetros acreditaria, mas Rudolfo era recém-chegado, pouco familiarizado com as lendas do lugar, e podia se dispensar de levá-las a sério. Naquela manhã diáfana, recomendara, para se livrar do chato, apenas por isso, que se queixasse ao bispo do preço dos tomates. A expressão popular era por demais conhecida para ser levada ao pé-da-letra mesmo por um lunático, pensara.
E foi assim que Etelvino, o Literal, viu-se na antessala do arcebispo Manfredo Perez de Lima e Silva, numa tarde de quarta-feira outonal, se bem que as estações do ano não passam de miragem naquela região onde o calor não amaina em tempo algum e poucas são as folhas disponíveis para cair em qualquer tempo. O arcebispo, homem ocupado e famoso pelo temperamento irascível, característica pouco cristã, mas muito útil para manter à distância os indesejáveis, só foi recebê-lo ao cabo de outros três dias, quando o persistente interlocutor emitia preocupantes sinais de fadiga e anemia, apesar das rosquinhas de polvilho com chá de maçã religiosamente servidos pelo noviço Adamastor.
A espera revelar-se-ia inútil. Arcebispo Manfredo, fustigado pelo calor da batina de pano duplo e pelos calores da idade, ouviu-o com uma paciência tirada de onde nem ele sabia, paciência destinada apenas a peregrinos de terras distantes e a insanos de quaisquer terras, mas nem com inspiração divina seria capaz de lhe dar uma resposta satisfatória. Etelvino enfrentou a jornada de volta com o mesmo estoicismo e nenhuma desesperança, disposto a procurar Rudolfo Alamedas e lhe relatar que a queixa ao arcebispo de nada adiantara, e que portanto era necessário rediscutir o preço dos tomates.
Não era a primeira vez que episódio semelhante ocorria. A primeira fora aos 14 anos quando, acometido pela inevitável paixão de adolescente, declarara-se a Fátima Gatoeiro, a linda filha de um comerciante português, uma morena de olhos profundos como as águas do Tejo, que sem saber como se livrar de tão aloprado galanteador lhe perguntara se ele não tinha espelho em casa. Etelvino, desprovido das bênçãos da natureza, e ainda por cima infestado pelas acnes da juventude, entendeu a frase como uma promessa de favores da inatingível donzela, e permaneceu por dias e noites em frente ao espelho incrustado na cristaleira que acompanhava a família havia três gerações, de um tempo em que cupim algum era capaz de destruir a madeira entalhada pela história, na esperança de que este gesto colaborativo o deixasse em alta conta com o objeto de seus sonhos. Apresentou-se a Fátima Gatoeiro mais apaixonado do que nunca, só para atrair a ira de seu pai, que por pouco não revogou a proverbial complacência de Errantes para com seu filho descerebrado e não lhe enfiou barriga adentro o facão de pura prata além-mar.
O mesmo ocorreu quando um vizinho de quarteirão proferiu a famosa frase “vá ver se estou na esquina”, o que o deixou durante horas plantado entre as acácias adornadoras da confluência entre as ruas General Almeida de Mesquita e Florentino Alvarenga, como se à espera de uma nau fantasma que jamais cumpriria tal trajeto.
A ensandecida peregrinação ao arcebispado talvez se tivesse convertido em ensinamento permanente, não fosse tão curta e desprovida de conseqüência a memória popular. Com as forças revigoradas pela conversa com o arcebispo Manfredo, Etelvino, o Literal, comprou muitas brigas nos tempos seguintes. Numa contenda de especial fragor, levou o adversário a tal grau de irritação, que a este nada restou senão tentar encerrar o diálogo com uma vociferação célebre. “Vá para o raio que o parta”, grasnou o truculento Chico Malffati, depois de horas de bate-boca.
O dia amanheceu com semblante assustador. As nuvens negras não condiziam com as folhas do calendário. A primavera se avizinhava, o clima deveria se revelar menos implacável, mas estava tão escuro quanto nas mais escuras noites. Os trovões eram ouvidos a muitas léguas, e os raios entrecortavam o céu como flechas atravessadas nos corações dos amantes. Etelvino, o Literal, indiferente à fúria dos elementos, vestiu a roupa domingueira, pois para tipos como ele qualquer dia é domingo, e domingo é qualquer dia, e acelerou o passo para tomar café na pousada de Maria Narrimar, que ficava do outro lado da praça, onde iria saborear o queijo forte com melado que era seu prato predileto. Deu poucos passos, e mais passos não pôde dar, porque ao se colocar bem no meio do enorme – para os padrões locais – losango que formava a praça, foi colhido por um raio, e nunca mais foi visto, nem por ali nem em lugar algum. No dia seguinte, os enfastiados moradores de Pontal dos Errantes limitaram-se a comentar: “Quem diria que ele era capaz!”. Desta vez, Etelvino, o Literal, levara-se a sério demais.
Publicado originalmente no site coletiva.net
Ninguém que o conhecesse estranharia, caso tivesse a oportunidade de assistir à insólita cena de Etelvino Peixoto entregando o chapéu aos cuidados do noviço Adamastor, retirando o sobretudo preto de lã, inverossímil na canícula latina, e se acomodando no sofá cor de vinho com listras douradas do arcebispado de Recife e Olinda. Os três dias em lombo de burro desde Pontal dos Errantes não lhe subtraíra o otimismo. Tampouco dava sinais de desânimo. Se era isto que tinha de fazer para ser ouvido, era isto que faria. Sua determinação era notória, tanto quanto a incapacidade de discernir tons de voz ou intenções ocultas, por isso as 4.499 almas do lugarejo que já fora um importante entreposto comercial e nos últimos anos virara paragem de última chance entre a civilização e a impossível caatinga consideraram natural tal empreendimento.
Etelvino, o Literal, como era conhecido, já dera incontáveis provas de uma simpática demência, e todos a ela se acostumaram com invulgar despudor. Antes de ser visto como um morador estranho, Etelvino, à custa do perfil folclórico e o semblante de pai da noiva em casamento arranjado, orgulhoso da própria obra, por mais despropositada que fosse, conseguira granjear amigos com uma facilidade da qual ele próprio desconfiava eventualmente, mas que o fazia sentir-se como o mais normal dos habitantes. Não o era, mas como a louco não se contraria, davam-lhe o crédito possível, embora muitos alertassem para os perigos de se dizer qualquer coisa sem total precisão a alguém tão literal.
Numa certa manhã, indignara-se com o suposto aumento dos tomates, que no entanto tinham o mesmo preço havia vários anos, apesar da seca implacável, talvez porque a depauperada população de Errantes carecesse de recursos para arcar com qualquer elevação. O quitandeiro Rudolfo Alamedas, agastado com os dezoito minutos de duração da refrega, aconselhou-o a se queixar ao bispo. Etelvino viu sentido na sugestão, posto que via sentido em tudo, já que nada lhe fazia sentido. Acomodou sobre o animal esqueletizado pela estiagem, em surradíssimos alforjes cor de abacate, uns poucos pertences, entre os quais um escapulário dos tempos de primeira comunhão, e se precipitou por trilhas inóspitas, cujos traçados eram evocados apenas em literatura de cordel, e ainda assim como cenário das tragédias nada épicas da miséria.
Mesmo Rudolfo Alamedas, homem conhecido por lhe faltar em paciência o que lhe sobrava em massa física, teria se poupado da culpa de condenar um pobre diabo a mormaços intermináveis caso acreditasse mesmo nas razões do adjetivo incorporado ao nome de Etelvino. Qualquer um que tivesse sido criado num raio de milhares de quilômetros acreditaria, mas Rudolfo era recém-chegado, pouco familiarizado com as lendas do lugar, e podia se dispensar de levá-las a sério. Naquela manhã diáfana, recomendara, para se livrar do chato, apenas por isso, que se queixasse ao bispo do preço dos tomates. A expressão popular era por demais conhecida para ser levada ao pé-da-letra mesmo por um lunático, pensara.
E foi assim que Etelvino, o Literal, viu-se na antessala do arcebispo Manfredo Perez de Lima e Silva, numa tarde de quarta-feira outonal, se bem que as estações do ano não passam de miragem naquela região onde o calor não amaina em tempo algum e poucas são as folhas disponíveis para cair em qualquer tempo. O arcebispo, homem ocupado e famoso pelo temperamento irascível, característica pouco cristã, mas muito útil para manter à distância os indesejáveis, só foi recebê-lo ao cabo de outros três dias, quando o persistente interlocutor emitia preocupantes sinais de fadiga e anemia, apesar das rosquinhas de polvilho com chá de maçã religiosamente servidos pelo noviço Adamastor.
A espera revelar-se-ia inútil. Arcebispo Manfredo, fustigado pelo calor da batina de pano duplo e pelos calores da idade, ouviu-o com uma paciência tirada de onde nem ele sabia, paciência destinada apenas a peregrinos de terras distantes e a insanos de quaisquer terras, mas nem com inspiração divina seria capaz de lhe dar uma resposta satisfatória. Etelvino enfrentou a jornada de volta com o mesmo estoicismo e nenhuma desesperança, disposto a procurar Rudolfo Alamedas e lhe relatar que a queixa ao arcebispo de nada adiantara, e que portanto era necessário rediscutir o preço dos tomates.
Não era a primeira vez que episódio semelhante ocorria. A primeira fora aos 14 anos quando, acometido pela inevitável paixão de adolescente, declarara-se a Fátima Gatoeiro, a linda filha de um comerciante português, uma morena de olhos profundos como as águas do Tejo, que sem saber como se livrar de tão aloprado galanteador lhe perguntara se ele não tinha espelho em casa. Etelvino, desprovido das bênçãos da natureza, e ainda por cima infestado pelas acnes da juventude, entendeu a frase como uma promessa de favores da inatingível donzela, e permaneceu por dias e noites em frente ao espelho incrustado na cristaleira que acompanhava a família havia três gerações, de um tempo em que cupim algum era capaz de destruir a madeira entalhada pela história, na esperança de que este gesto colaborativo o deixasse em alta conta com o objeto de seus sonhos. Apresentou-se a Fátima Gatoeiro mais apaixonado do que nunca, só para atrair a ira de seu pai, que por pouco não revogou a proverbial complacência de Errantes para com seu filho descerebrado e não lhe enfiou barriga adentro o facão de pura prata além-mar.
O mesmo ocorreu quando um vizinho de quarteirão proferiu a famosa frase “vá ver se estou na esquina”, o que o deixou durante horas plantado entre as acácias adornadoras da confluência entre as ruas General Almeida de Mesquita e Florentino Alvarenga, como se à espera de uma nau fantasma que jamais cumpriria tal trajeto.
A ensandecida peregrinação ao arcebispado talvez se tivesse convertido em ensinamento permanente, não fosse tão curta e desprovida de conseqüência a memória popular. Com as forças revigoradas pela conversa com o arcebispo Manfredo, Etelvino, o Literal, comprou muitas brigas nos tempos seguintes. Numa contenda de especial fragor, levou o adversário a tal grau de irritação, que a este nada restou senão tentar encerrar o diálogo com uma vociferação célebre. “Vá para o raio que o parta”, grasnou o truculento Chico Malffati, depois de horas de bate-boca.
O dia amanheceu com semblante assustador. As nuvens negras não condiziam com as folhas do calendário. A primavera se avizinhava, o clima deveria se revelar menos implacável, mas estava tão escuro quanto nas mais escuras noites. Os trovões eram ouvidos a muitas léguas, e os raios entrecortavam o céu como flechas atravessadas nos corações dos amantes. Etelvino, o Literal, indiferente à fúria dos elementos, vestiu a roupa domingueira, pois para tipos como ele qualquer dia é domingo, e domingo é qualquer dia, e acelerou o passo para tomar café na pousada de Maria Narrimar, que ficava do outro lado da praça, onde iria saborear o queijo forte com melado que era seu prato predileto. Deu poucos passos, e mais passos não pôde dar, porque ao se colocar bem no meio do enorme – para os padrões locais – losango que formava a praça, foi colhido por um raio, e nunca mais foi visto, nem por ali nem em lugar algum. No dia seguinte, os enfastiados moradores de Pontal dos Errantes limitaram-se a comentar: “Quem diria que ele era capaz!”. Desta vez, Etelvino, o Literal, levara-se a sério demais.
Publicado originalmente no site coletiva.net
quinta-feira, 17 de julho de 2008
Um milhão de adesões
Comunicamos que o Projeto Amazônia para Sempre alcançou em maio último o seu primeiro objetivo, um milhão de adesões ao seu manifesto, e gostaríamos de agradecer e comemorar com você este sucesso.
Como primeira ação efetiva, estamos finalizando o documento para encaminhar estas assinaturas ao Presidente da Repúbica exigindo providências no sentido de que se cumpra a Constituição. Para o futuro, uniremos esforços com instituições ambientais para que novas ações sejam promovidas em benefício da região.
Algo importante acontece nesta quinta
Estimado Eliziário:
Em um discurso em Washington, DC, o Prêmio Nobel e ex-vice-presidente Al Gore fará um grande desafio ao propor que pressionemos o botão 'Reiniciar' sobre a forma como pensamos acerca da energia e das condições climáticas, e sobre como podemos criar prosperidade na América.
Seu discurso vai gerar uma grande dose de atenção. Queríamos que você, como membro da campanha We, soubesse isso com antecedência. Avisaremos quando tivermos postado o vídeo, informações sobre os próximos passos e outros recursos.
Atenciosamente,
Cathy Zoi
CEO
http://www.wecansolveit.org/
Seu discurso vai gerar uma grande dose de atenção. Queríamos que você, como membro da campanha We, soubesse isso com antecedência. Avisaremos quando tivermos postado o vídeo, informações sobre os próximos passos e outros recursos.
Atenciosamente,
Cathy Zoi
CEO
http://www.wecansolveit.org/
quarta-feira, 16 de julho de 2008
TOCO Y ME VOY
Salvatore Cacciolla retorna na madrugada desta quinta-feira ao Brasil na condição de extraditado. Condenado em primeira instância pelos crimes de corrupção passiva, peculato e gestão fraudulenta que levou à quebra do banco Marka, Cacciola fugira para a Itália oito anos atrás depois de ser beneficiado por um habeas-corpus do Supremo.
Com Daniel Dantas à solta o filme pode se repetir?
No Toco y Me Voy de hoje, Augusto Nunes comenta a postura do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, diante das tentativas da Polícia Federal de manter Dantas na prisão.
Salvatore Cacciolla retorna na madrugada desta quinta-feira ao Brasil na condição de extraditado. Condenado em primeira instância pelos crimes de corrupção passiva, peculato e gestão fraudulenta que levou à quebra do banco Marka, Cacciola fugira para a Itália oito anos atrás depois de ser beneficiado por um habeas-corpus do Supremo.
Com Daniel Dantas à solta o filme pode se repetir?
No Toco y Me Voy de hoje, Augusto Nunes comenta a postura do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, diante das tentativas da Polícia Federal de manter Dantas na prisão.
O ESPETÁCULO DA IMPUNIDADE SELETIVA
Augusto Nunes
Surpreendido pelo desfecho da Operação Satiagraha, que desbaratou a maior e mais atrevida quadrilha da história do sistema financeiro nacional, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, dispensou-se de comentários sobre as espantosas descobertas da Polícia Federal. Nenhuma frase sobre o desfile de delinqüências bilionárias. Nenhuma palavra sobre o prontuário dos integrantes da comissão de frente. Nenhuma perplexidade com a propina oferecida a um delegado por comparsas de Daniel Dantas, entre uma e outra alusão insultuosa ao STF. O ministro não estava preocupado com o conteúdo das revelações, mas com a forma da captura. E esqueceu os bandidos para condenar os xerifes.
“A espetacularização das prisões é evidente e dificilmente compatível com o Estado de Direito”, irritou-se. Sim, a PF voltou a escorregar em exageros reprováveis e exibicionismos circenses. Nada justifica, por exemplo, a idéia de prender a jornalista Andréa Michael, da Folha de S. Paulo, por ter cometido um furo de reportagem. Nada justifica a incorporação de uma equipe da TV Globo ao grupo de policiais encarregados de cumprir os mandados judiciais. Feita a ressalva, o Brasil decente comunica ao presidente do STF que o espetáculo da impunidade seletiva, protagonizado pelo Poder Judiciário, é tão evidente quanto a espetacularização das prisões – e mais gritantemente incompatível com o Estado de Direito.
Duram pouco esses intervalos preenchidos por imagens que mostram um Daniel Dantas saindo da parte traseira do camburão com as algemas camufladas pelo paletó, um Naji Nahas aparvalhado com a iminência da primeira noite no catre, ou um Celso Pitta de pijama abrindo a porta do apartamento para ouvir, estremunhado, a voz de prisão. Artistas dessa categoria nunca ficam em cena por muito tempo. Logo são devolvidos às coxias pelo reinício do interminável espetáculo da impunidade. Não seria diferente desta vez.
Horas depois de solidarizar-se com os delinqüentes submetidos a humilhações por policiais desalmados, o presidente do STF determinou a soltura de Dantas e 11 comparsas. A Polícia Federal prendeu-o de novo. O presidente do STF tornou a tirá-lo da cadeia. O certo é que, em poucos dias, a turma inteira estará liberada para oferecer propinas a policiais, monitorar as ações da bancada suprapartidária infiltrada no Congresso, trocar idéias com advogados espertalhões ou estafetas do PT fantasiados de bacharel, pensar na melhor maneira de seduzir juízes, desembargadores ou ministros togados.
Os brasileiros comuns também recriminariam o comportamento dos captores se não os angustiassem a sensação de que respeitar a lei é coisa de otário e, sobretudo, a certeza de que as cadeias do país não aceitam hospedar quadrilheiros ricaços, com dinheiro de sobra para contratar advogados eficientes e amigos influentes ao alcance do celular. O castigo jamais vai além das prisões espetacularizadas. É um consolo para os cidadãos honestos. É um abuso intolerável para Gilmar Mendes.
Intolerável, para os incumbidos de fazer Justiça, deveria ser a obscena indulgência que contempla figuras como Daniel Dantas, Naji Nahas ou Celso Pitta. A Operação Satiagraha não fez mais que acrescentar alguns metros à pilha de provas acumuladas contra os integrantes do bando desde o fim do século passado. Sobram razões e evidências para prendê-los. O que falta é vontade de punir, sobretudo nas camadas superiores do Judiciário. Gilmar Mendes quer saber por que os policiais federais algemaram os capturados e permitiram que fossem filmados. O país que pensa quer saber o que espera a Justiça para trancafiá-los em celas providas de câmeras de vigilância.
“Só tenho medo da Polícia Federal”, disse Dantas em entrevista à revista Piauí, disfarçando com um sorriso esse temor genuíno. “A gente só se preocupa com a primeira instância, porque no STF ele resolve”, explicaram os emissários do banqueiro ao delegado que tentavam subornar. Presos por ordem de um juiz federal, os quadrilheiros foram soltos pelo presidente do Supremo. A imagem do Judiciário não ficou melhor. Ficará consideravelmente prejudicada se algum criminoso transformar o habeas corpus num salvo-conduto para a primeira etapa da viagem para fora do Brasil – e para longe da cadeia. Como fez Salvatore Cacciolla.
Resgatar Cacciolla do cárcere foi um erro bisonho do STF. Qualquer reprise do caso será mais que outro equívoco lastimável. Será uma reincidência criminosa.
Ampliação de texto publicado originalmente no Jornal do Brasil
Augusto Nunes
Surpreendido pelo desfecho da Operação Satiagraha, que desbaratou a maior e mais atrevida quadrilha da história do sistema financeiro nacional, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, dispensou-se de comentários sobre as espantosas descobertas da Polícia Federal. Nenhuma frase sobre o desfile de delinqüências bilionárias. Nenhuma palavra sobre o prontuário dos integrantes da comissão de frente. Nenhuma perplexidade com a propina oferecida a um delegado por comparsas de Daniel Dantas, entre uma e outra alusão insultuosa ao STF. O ministro não estava preocupado com o conteúdo das revelações, mas com a forma da captura. E esqueceu os bandidos para condenar os xerifes.
“A espetacularização das prisões é evidente e dificilmente compatível com o Estado de Direito”, irritou-se. Sim, a PF voltou a escorregar em exageros reprováveis e exibicionismos circenses. Nada justifica, por exemplo, a idéia de prender a jornalista Andréa Michael, da Folha de S. Paulo, por ter cometido um furo de reportagem. Nada justifica a incorporação de uma equipe da TV Globo ao grupo de policiais encarregados de cumprir os mandados judiciais. Feita a ressalva, o Brasil decente comunica ao presidente do STF que o espetáculo da impunidade seletiva, protagonizado pelo Poder Judiciário, é tão evidente quanto a espetacularização das prisões – e mais gritantemente incompatível com o Estado de Direito.
Duram pouco esses intervalos preenchidos por imagens que mostram um Daniel Dantas saindo da parte traseira do camburão com as algemas camufladas pelo paletó, um Naji Nahas aparvalhado com a iminência da primeira noite no catre, ou um Celso Pitta de pijama abrindo a porta do apartamento para ouvir, estremunhado, a voz de prisão. Artistas dessa categoria nunca ficam em cena por muito tempo. Logo são devolvidos às coxias pelo reinício do interminável espetáculo da impunidade. Não seria diferente desta vez.
Horas depois de solidarizar-se com os delinqüentes submetidos a humilhações por policiais desalmados, o presidente do STF determinou a soltura de Dantas e 11 comparsas. A Polícia Federal prendeu-o de novo. O presidente do STF tornou a tirá-lo da cadeia. O certo é que, em poucos dias, a turma inteira estará liberada para oferecer propinas a policiais, monitorar as ações da bancada suprapartidária infiltrada no Congresso, trocar idéias com advogados espertalhões ou estafetas do PT fantasiados de bacharel, pensar na melhor maneira de seduzir juízes, desembargadores ou ministros togados.
Os brasileiros comuns também recriminariam o comportamento dos captores se não os angustiassem a sensação de que respeitar a lei é coisa de otário e, sobretudo, a certeza de que as cadeias do país não aceitam hospedar quadrilheiros ricaços, com dinheiro de sobra para contratar advogados eficientes e amigos influentes ao alcance do celular. O castigo jamais vai além das prisões espetacularizadas. É um consolo para os cidadãos honestos. É um abuso intolerável para Gilmar Mendes.
Intolerável, para os incumbidos de fazer Justiça, deveria ser a obscena indulgência que contempla figuras como Daniel Dantas, Naji Nahas ou Celso Pitta. A Operação Satiagraha não fez mais que acrescentar alguns metros à pilha de provas acumuladas contra os integrantes do bando desde o fim do século passado. Sobram razões e evidências para prendê-los. O que falta é vontade de punir, sobretudo nas camadas superiores do Judiciário. Gilmar Mendes quer saber por que os policiais federais algemaram os capturados e permitiram que fossem filmados. O país que pensa quer saber o que espera a Justiça para trancafiá-los em celas providas de câmeras de vigilância.
“Só tenho medo da Polícia Federal”, disse Dantas em entrevista à revista Piauí, disfarçando com um sorriso esse temor genuíno. “A gente só se preocupa com a primeira instância, porque no STF ele resolve”, explicaram os emissários do banqueiro ao delegado que tentavam subornar. Presos por ordem de um juiz federal, os quadrilheiros foram soltos pelo presidente do Supremo. A imagem do Judiciário não ficou melhor. Ficará consideravelmente prejudicada se algum criminoso transformar o habeas corpus num salvo-conduto para a primeira etapa da viagem para fora do Brasil – e para longe da cadeia. Como fez Salvatore Cacciolla.
Resgatar Cacciolla do cárcere foi um erro bisonho do STF. Qualquer reprise do caso será mais que outro equívoco lastimável. Será uma reincidência criminosa.
Ampliação de texto publicado originalmente no Jornal do Brasil
terça-feira, 15 de julho de 2008
FÁBULA
Texto enviado aos amigos pelo jornalista Madruga Duarte, do Consultório de Idéias.
Um caminhante se perdeu num deserto.
Quando está próximo de morrer, por falta de água, chega até ele um cavaleiro que lhe oferece um cantil de água, em troca de uma enorme soma de dinheiro, que equivale a todo o seu patrimônio. O caminhante aceita. Porem o cavaleiro quer, então, uma segunda condição: que o caminhante aceite também ser seu escravo. O caminhante se nega.
Depois de afastar-se dele e de permitir uma morte eminente, o cavaleiro parece não entender o caminhante. Se estava disposto a perder o seu patrimônio para salvar sua vida, por que preferiu depois perdê-la?
O que o cavaleiro, que era mercador, não havia compreendido era que a segunda condição havia mudado a natureza de seu encontro com o caminhante. Porque era traduzida em dinheiro, a primeira condição refletia um interesse e os interesses são negociáveis. De fato, desde o ponto de vista de seus interesses, nesse momento, o cantil de água valia mais que todo o patrimônio do caminhante. Porém, este não aceitou a segunda condição depois de haver aceitado a primeira, porque ela já não estava focada numa questão de valores, sim numa questão de princípios e, ao contrário dos valores, os princípios são inegociáveis.
Traduzido do espanhol por Md. Autor desconhecido.
Texto enviado aos amigos pelo jornalista Madruga Duarte, do Consultório de Idéias.
Um caminhante se perdeu num deserto.
Quando está próximo de morrer, por falta de água, chega até ele um cavaleiro que lhe oferece um cantil de água, em troca de uma enorme soma de dinheiro, que equivale a todo o seu patrimônio. O caminhante aceita. Porem o cavaleiro quer, então, uma segunda condição: que o caminhante aceite também ser seu escravo. O caminhante se nega.
Depois de afastar-se dele e de permitir uma morte eminente, o cavaleiro parece não entender o caminhante. Se estava disposto a perder o seu patrimônio para salvar sua vida, por que preferiu depois perdê-la?
O que o cavaleiro, que era mercador, não havia compreendido era que a segunda condição havia mudado a natureza de seu encontro com o caminhante. Porque era traduzida em dinheiro, a primeira condição refletia um interesse e os interesses são negociáveis. De fato, desde o ponto de vista de seus interesses, nesse momento, o cantil de água valia mais que todo o patrimônio do caminhante. Porém, este não aceitou a segunda condição depois de haver aceitado a primeira, porque ela já não estava focada numa questão de valores, sim numa questão de princípios e, ao contrário dos valores, os princípios são inegociáveis.
Traduzido do espanhol por Md. Autor desconhecido.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
BRASIL
Fala, Dantas!
No final da semana eu pensava sobre o artigo que escreveria hoje e decidi que o título óbvio seria “Fala, Dantas!” Como era óbvio, foi a manchete da Veja. Não faz mal. Proponho que todos que abordem o assunto o utilizem. “Fala, Dantas!”, apelo constante, em coro, uma ladainha sem fim. “Fala, Dantas!” Uma campanha nacional, o povo nas ruas. "Fala, Dantas!"
O fato de o delegado da PF ter atropelado seu comandante e até o ministro Tarso Genro – ambos só souberam da investigação quando ela já estava bem adiantada –, a inegável espetacularização das prisões, ou ainda o embate entre o juiz paulista que manda prender e o presidente do Supremo que manda soltar são questões acessórias.
Que Daniel Dantas está envolvido em uma série de ilegalidades é fato concreto, e provar isso é só uma questão de tempo.
Portanto, vamos ao que interessa: “Fala, Dantas!”.
Daniel Dantas é um arquivo ambulante de valiosas informações sobre corrupção e desvio de dinheiro público. Talvez como nunca na história desse País, tantos temeram tanto a eventual confissão de um único homem. Para a bandidagem graúda ele vale mais solto do que preso. Solto, podo continuar subornando à vontade, de seu escritório no Rio ou de um quiosque à beira-mar num paraíso fiscal. Preso, fecha o propinoduto e ainda pode levar muita gente junto para a carceragem.
Fala, Dantas!
Fala, Dantas!
No final da semana eu pensava sobre o artigo que escreveria hoje e decidi que o título óbvio seria “Fala, Dantas!” Como era óbvio, foi a manchete da Veja. Não faz mal. Proponho que todos que abordem o assunto o utilizem. “Fala, Dantas!”, apelo constante, em coro, uma ladainha sem fim. “Fala, Dantas!” Uma campanha nacional, o povo nas ruas. "Fala, Dantas!"
O fato de o delegado da PF ter atropelado seu comandante e até o ministro Tarso Genro – ambos só souberam da investigação quando ela já estava bem adiantada –, a inegável espetacularização das prisões, ou ainda o embate entre o juiz paulista que manda prender e o presidente do Supremo que manda soltar são questões acessórias.
Que Daniel Dantas está envolvido em uma série de ilegalidades é fato concreto, e provar isso é só uma questão de tempo.
Portanto, vamos ao que interessa: “Fala, Dantas!”.
Daniel Dantas é um arquivo ambulante de valiosas informações sobre corrupção e desvio de dinheiro público. Talvez como nunca na história desse País, tantos temeram tanto a eventual confissão de um único homem. Para a bandidagem graúda ele vale mais solto do que preso. Solto, podo continuar subornando à vontade, de seu escritório no Rio ou de um quiosque à beira-mar num paraíso fiscal. Preso, fecha o propinoduto e ainda pode levar muita gente junto para a carceragem.
Fala, Dantas!
Fernandinha e Ingra
No inverno de 1987, eu assistia a um filme de Indiana Jones em vídeo com o então meu chefe, e até hoje amigo, Jorge Olavo de Carvalho Leite. Era um domingo à tarde, fazia muito frio, a lareira estava acesa e bebíamos algo quando, vinda de um dos quartos da casa antiga e bela no bairro Floresta, em Porto Alegre, entrou na sala uma menina de cabelos claros cacheados, rosto de anjo e corpo adolescente envolto por uma camisola semitransparente, curta e com babados.
Era uma visão do paraíso. O pai, preocupado com meu eventual olhar malicioso, pediu de imediato que ela fosse se vestir direito, pois aquilo não eram trajes para aparecer diante de marmanjos. Ele fez bem, é sempre melhor não arriscar, mas não havia grande perigo. Além do respeito pelo amigo leal e pelo local que me acolhera, ela tinha 13 anos e eu 26. Eu ainda era, portanto, muito jovem para sonhar com anjos.
A menina cresceu, ampliou a beleza, mostrou talento e hoje é uma grande e consagrada atriz. O pai, jornalista famoso nas redações de Porto Alegre, por certo não se importou quando ela deixou de ser a filha do Jorge Olavo para ele se tornar o pai da Fernanda.
A Fernandinha, querida amiga, faz tremendo sucesso atualmente com a peça Inimigas Íntimas, na companhia da também talentosa e bela Ingra Liberato, que conheci um pouco depois, na tela da TV, aos 23 anos, exalando sensualidade e talento em Pantanal. Inimigas Íntimas tem texto de Artur Pinto e direção de Néstor Monastério. A próxima temporada vai desta quinta, 17 de julho, até 10 de agosto no Teatro da Amrigs, em Porto Alegre. Mas o convite elas mesmas fazem no vídeo abaixo.
No inverno de 1987, eu assistia a um filme de Indiana Jones em vídeo com o então meu chefe, e até hoje amigo, Jorge Olavo de Carvalho Leite. Era um domingo à tarde, fazia muito frio, a lareira estava acesa e bebíamos algo quando, vinda de um dos quartos da casa antiga e bela no bairro Floresta, em Porto Alegre, entrou na sala uma menina de cabelos claros cacheados, rosto de anjo e corpo adolescente envolto por uma camisola semitransparente, curta e com babados.
Era uma visão do paraíso. O pai, preocupado com meu eventual olhar malicioso, pediu de imediato que ela fosse se vestir direito, pois aquilo não eram trajes para aparecer diante de marmanjos. Ele fez bem, é sempre melhor não arriscar, mas não havia grande perigo. Além do respeito pelo amigo leal e pelo local que me acolhera, ela tinha 13 anos e eu 26. Eu ainda era, portanto, muito jovem para sonhar com anjos.
A menina cresceu, ampliou a beleza, mostrou talento e hoje é uma grande e consagrada atriz. O pai, jornalista famoso nas redações de Porto Alegre, por certo não se importou quando ela deixou de ser a filha do Jorge Olavo para ele se tornar o pai da Fernanda.
A Fernandinha, querida amiga, faz tremendo sucesso atualmente com a peça Inimigas Íntimas, na companhia da também talentosa e bela Ingra Liberato, que conheci um pouco depois, na tela da TV, aos 23 anos, exalando sensualidade e talento em Pantanal. Inimigas Íntimas tem texto de Artur Pinto e direção de Néstor Monastério. A próxima temporada vai desta quinta, 17 de julho, até 10 de agosto no Teatro da Amrigs, em Porto Alegre. Mas o convite elas mesmas fazem no vídeo abaixo.
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