terça-feira, 2 de setembro de 2008

TOCO Y ME VOY


Com essa turma, é um
recorde atrás do outro

Augusto Nunes

Se os miseráveis caminham para a completa extinção, se os pobres não param de subir na vida, se o PAC vai deixando o Brasil com cara de Califórnia, se até um Paraguai se sentiria autorizado a gastar por conta caso dispusesse do colosso de petrodólares guardado no pré-sal, não faz sentido tisnar a imagem do país no Exterior com a mancha da sovinice. Agiu bem o presidente Lula, assim, ao declarar em Pequim que "fazer no Rio a Olimpíada de 2016 não tem preço".

"Se você escolher qualquer assunto, qualquer tema, o Brasil estará entre as dez maiores economias do mundo", ofegou Lula ainda convalescendo da performance na festa de abertura. "Temos, portanto, o direito de reivindicar o que quisermos". A Copa de 2014, para começo de conversa, já é nossa. E vai sair praticamente de graça para os contribuintes, esclareceu Ricardo Teixeira, presidente da CBF e, por extensão, do País do Futebol.

A construção de um punhado de estádios, a reforma de alguns e outras obras menores – o trem-bala unindo São Paulo ao Rio, por exemplo – custarão pouco mais de R$ 10 bilhões, certo. "Mas essa Copa pode ser feita pela iniciativa privada", acalmou Teixeira, confiante na enxurrada de contratos com empresários nativos e gringos. Ainda não apareceu uma única gota, mas a nação não perde por esperar. O cartola da CBF é um bicampeão do mundo. Parcerias de trivela, acordos de bicicleta, tabelinhas com multinacionais, jogadas de tal porte são com ele mesmo.

Se algo falhar, sobrará para o governo, claro. E o governo espetará a conta no bolso dos que pagam impostos, claro. Mas também Lula não está para miudezas. É homem que pensa grande, enxerga longe. Tanto enxerga que já pode descrever as emoções reservadas pelos Jogos de 2016 aos pobres que restarem no país e aos que, pelo visto, seguirão abundando na América do Sul.

"Temos fronteira seca com vários países", ensinou geografia ao repórter da rádio BBC. "Os pobres que não têm chance de ver uma Olimpíada poderão ir ao Brasil ver uma". Na China, por exemplo, a representação da Bolívia limitou-se aos seis atletas. Se eles sobreviverem até a festa de 2016, terão o apoio de muitos milhares de compatriotas desvalidos. Muitos terão chegado ao Rio a pé, mas com energia suficiente para aplaudirem meia dúzia de derrotas.

Lula contempla os US$ 40 bilhões (cerca de R$ 64 bilhões) desembolsados pelo governo chinês com a displicência de quem acabou de ouvir o preço de uma tapioca. "Não se deve olhar apenas quanto custa uma Olimpíada", advertiu. "Temos de ver também os benefícios esportivos que isso traz e os investimentos em infra-estrutura". Qualquer semelhança com a discurseira que precedeu, acompanhou e hoje tenta justificar certos mistérios do Pan-2007 nada tem de coincidência.

É reincidência mesmo. De novo, Lula está endossando, sem conferi-los, cálculos malandramente irreais. O Pan-2007 deveria custar R$ 414 milhões. Engoliu R$ 4 bilhões. O Engenhão, por exemplo, não passaria de R$ 60 milhões e seria depois entregue à população carioca. Custou R$ 400 milhões e foi alugado a preço de ocasião ao Botafogo.

O projeto original incluía o Veículo Leve Sobre Trilhos Barra-Galeão, a Linha 4 do Metrô Barra-Botafogo, a ligação hidroviária Barra-Centro, a despoluição de todas as lagoas e outros sonhos. Pois o presidente do COB, Carlos Nuzman, enfeitou o projeto olímpico com as mesmas miragens e promete cumprir as promessas pela módica quantia de R$ 6 bilhões. Apenas R$ 2 bilhões acima do custo do Pan.

Em junho, o comitê eleitoral recebeu do governo R$ 85 milhões para trabalhar com mais animação pela escolha do Rio como sede dos Jogos de 2016. Desse primeiro adjutório, já foram enterrados na montagem da Casa Brasil em Pequim exatos R$ 3.598.103,92. A conta não esqueceu sequer os tostões. Escancara a precisão de quem economiza centavos para fingir que não está pensando todo o tempo em porcentagens.



Publicado originalmente na Gazeta Mercantil



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