TOCO Y ME VOY
Os vincos no rosto e as rugas na alma
Augusto Nunes
Um é novo, outro é velho, decreta a primeira linha de uma reportagemque confronta os perfis dos candidatos Eduardo Paes, 38 anos, eFernando Gabeira, 67. Se a frase estivesse incorporada ao editorial queformaliza a escolha feita por um jornal, nada a objetar. Se incluída em algumtexto assinado por colunistas ou colaboradores, formalmente liberados paraemitir opiniões, tudo bem. Se abre uma reportagem destinada a tratar as coisascomo as coisas são, a isenção é assassinada no início do filme – e oscapítulos restantes são condenados à morte por parcialidade. Não há esperança desalvação para matérias jornalísticas que, amparadas em duas certidões denascimento, decretam em seis palavras quem é o novo e quem é o velho.
Se a diferença de idade é o quesito mais relevante no desfile decomparações, a sensatez e a ética recomendam enunciados que rimem comneutralidade. Por exemplo: um tem 29 anos menos que outro. Ou, então, um tem29 anos mais que o outro. Ou, ainda, um é mais novo que o outro. A escolha deuma quarta opção fez de Paes a encarnação da novidade, da inovação, damudança – e comunicou aos cariocas que o candidato do PV é apenas velho.
Quase 34 anos distante de Oscar Niemeyer, dez atrás de FernandoHenrique Cardoso, quatro à frente de Lula, apenas um à frente deJosé Serra, Gabeira só se encaixaria nessa simplificação se fosseportador de senilidade precoce (e aguda). Como o candidato sessentãochegou ao ponto final da reportagem com boa saúde, deduz-se que odecreto se apoiou exclusivamente no calendário gregoriano.
Juventude é uma expressão associada a entusiasmo, energia,dinamismo, vitalidade. No Brasil, pode ser o outro nome do perigo. Os maisvelhos sabem disso desde o começo da década de 60. Os ainda novos ficaramsabendo na década de 90. Jânio Quadros tinha 44 anos ao tornar-se presidenteem 1961. Renunciou depois de sete meses, sem explicar por quê. O vice JoãoGoulart tinha 43 quando herdou a vaga. Perdeu-a 36 meses mais tarde, depostopelo golpe militar de 1964.
Como a era dos generais revogou a eleição direta, o últimopresidente escolhido nas urnas seria também o mais jovem da históriarepublicana até 1989. Foi superado por Fernando Collor, eleito com 40 anos. Orecordista em idade se tornaria também o único a escapar do impeachment peloatalho da renúncia. Os presidentes quarentões não deixaram saudade.
No começo da campanha, Eduardo Paes parecia moço demais para cuidardo Rio. A poucos dias da decisão, está claro que o corpo de menor de40 tem uma cabeça perturbadoramente envelhecida por excesso de pressa ecarência de princípios. Gabeira foi desde sempre um contemporâneo do mundo aoredor. Paes é a versão remoçada dos políticos do século passado. Um seorienta por idéias. Outro é conduzido por interesses, circunstâncias econveniências. Embarca no trem que lhe parece mais veloz, abandona o vagão quandoa velocidade diminui. Começou no PV, fez uma demorada escala no cordão dosagregados de Cesar Maia, elegeu-se deputado federal pelo PFL, filiou-se aoPSDB, caprichou no papel de inquisidor enquanto durou a CPI dos Correios,foi promovido a secretário nacional do partido, candidatou-se a governadorpara garantir a tribuna indispensável para desancar o padrinho Cesar Maia e oadversário Sérgio Cabral, rendeu-se ao PMDB de olho em alguma vaga nosecretariado estadual. Para quem viveu tão pouco, não é pouca coisa.
Decidido a alojar-se no gabinete do prefeito, topa qualquernegócio, faz tudo o que for preciso. Insulta o tutor Cesar Maia,rasteja diante de Lula, presta vassalagem à primeira-dama, ordenaagressões a cabos eleitorais adversários, mobiliza entidadesfantasmas em passeatas instruídas para gritar que Gabeira odeiasuburbanos, renega os companheiros de combate na CPI, acariciamensaleiros juramentados, absolve de todos os pecados a bandidagemdos partidos que o apóiam. Cesar Maia? Só esse não pode. Babu, overeador de estimação dos moradores dos presídios, esse pode.Delúbio Soares? Pode.
Os vincos no rosto de Fernando Gabeira reafirmam a idade que tem.As rugas na alma de Eduardo Paes informam que a idade mental é muito maiorque a oficial.
Um é antigo. Outro é moderno.
Publicado originalmente no Jornal do Brasil e republicado aqui com a anuência do autor.
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Um comentário:
Augusto, diretor de redação de Zero Hora, me chamou na sala dele (eu era coordenador de produção do jornal) para me apresentar Fernando Gabeira e anunciar que o havia contratado para fazer reportagens, no Rio de janeiro e outros lugares onde houvesse algo interessante. Eu seria o interlocutor de Gabeira - decidiria com ele o que fazer, onde, com que espaços e prazos. "Que fria",pensei. "Não vai ser fácil trabalhar com uma estrela, cheia das manias".
Pois foi exatamente o contrário. Gabeira se revelou competente, criativo e responsável e uma pessoa simples, bem-humorada. Tivemos uma relação pessoal e profissional das mais gratificantes.
Boa sorte, Gabeira.
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