(Meu texto na coluna de Augusto Nunes em 16 de agosto de 2018)
UM AMIGO EM BRASÍLIA
O pai de Juninho encomendara os melhores charutos dominicanos, porque os cubanos eram coisa dos tais pobres que se acham e os melhores champagnes. Lins e Silva, o comendador, como o chamavam os incontáveis bajuladores, estampou um sorriso tão largo quanto a cintura quando o médico abriu a porta da sala de parto para dar a notícia: Juninho nascera às 11h18 medindo 51 centímetros e pesando 3,450 Kg. “Sim, podem ficar tranquilos, a saúde do garoto é perfeita...”. O êxtase estava prestes a irromper pela sala quando perceberam que a frase não tinha ponto final. O médico não a terminara, faltava um fatídico...
– Mas...
– Mas? – gritaram em uníssono.
– Há um pequeno... digamos... inconveniente.
O médico poderia ter prosseguido sem reticências, mais reticências, novo parágrafo, travessão, no entanto, optou pela pausa dramática, após a qual soltou a bomba, e ainda assim em doses alopáticas.
– Ele nasceu sem... sem...
– Sem o que, pelamodedeus? – gritou o pai, temendo que a tal carência comprometesse a continuação da linhagem.
– Lamento ter de informar isso, mas seu filho nasceu sem caráter!
– O quê? – perguntou o pai, mal conseguindo disfarçar um suspiro de alívio.
– Que chique, nosso próprio Macunaíma! – exultou o primo gay e inteligente. Até onde se sabia, o único gay da família, e também o único inteligente.
Todos se voltaram para ele.
– Meu Deus, a quem poderia ter puxado? – indagou o pai.
Todos se voltaram para ele.
– Isso nunca aconteceu em nossa família e não vai acontecer agora! – afirmou a avó de Juninho.
Todos se voltaram para ela.
– Mas? – gritaram em uníssono.
– Há um pequeno... digamos... inconveniente.
O médico poderia ter prosseguido sem reticências, mais reticências, novo parágrafo, travessão, no entanto, optou pela pausa dramática, após a qual soltou a bomba, e ainda assim em doses alopáticas.
– Ele nasceu sem... sem...
– Sem o que, pelamodedeus? – gritou o pai, temendo que a tal carência comprometesse a continuação da linhagem.
– Lamento ter de informar isso, mas seu filho nasceu sem caráter!
– O quê? – perguntou o pai, mal conseguindo disfarçar um suspiro de alívio.
– Que chique, nosso próprio Macunaíma! – exultou o primo gay e inteligente. Até onde se sabia, o único gay da família, e também o único inteligente.
Todos se voltaram para ele.
– Meu Deus, a quem poderia ter puxado? – indagou o pai.
Todos se voltaram para ele.
– Isso nunca aconteceu em nossa família e não vai acontecer agora! – afirmou a avó de Juninho.
Todos se voltaram para ela.
Mesmo o mais cínico ali tinha de reconhecer que se tratava de uma mentira deslavada.
– Não sei por que estão me olhando assim! – injuriou-se a velhota.
– E o primo João Carlos?
– Ah, mas aquilo se resolveu fácil!
O semblante pesado do pai aliviou-se subitamente. Sua mãe tinha razão, não havia motivo para se preocupar. Era só fazerem de novo o que havia sido feito naquela vez.
– Doutor, tudo bem, a gente compra um caráter para ele!
– Caráter não se compra, meu senhor! – respondeu o médico, sem esconder a estupefação.
– Se eu conseguir comprar um o senhor faz o transplante?
– Meu senhor, isso obviamente não existe e creio que o senhor já zombou demais da minha cara! Agora, com licença, tenho mais o que fazer!
O médico afastou-se balançado a cabeça. Não sabia se estava mais chocado pelo fato de o bebê ter nascido assim ou pela ideia absurda do pai. Fosse como fosse, ele de fato tinha coisas mais práticas com que se ocupar. A família, que não as tinha, seguiu discorrendo sobre o tema.
– Não sei por que estão me olhando assim! – injuriou-se a velhota.
– E o primo João Carlos?
– Ah, mas aquilo se resolveu fácil!
O semblante pesado do pai aliviou-se subitamente. Sua mãe tinha razão, não havia motivo para se preocupar. Era só fazerem de novo o que havia sido feito naquela vez.
– Doutor, tudo bem, a gente compra um caráter para ele!
– Caráter não se compra, meu senhor! – respondeu o médico, sem esconder a estupefação.
– Se eu conseguir comprar um o senhor faz o transplante?
– Meu senhor, isso obviamente não existe e creio que o senhor já zombou demais da minha cara! Agora, com licença, tenho mais o que fazer!
O médico afastou-se balançado a cabeça. Não sabia se estava mais chocado pelo fato de o bebê ter nascido assim ou pela ideia absurda do pai. Fosse como fosse, ele de fato tinha coisas mais práticas com que se ocupar. A família, que não as tinha, seguiu discorrendo sobre o tema.
– E no caso do primo? – perguntou o outro primo.
– Ele vive até hoje tranquilo, se bem que nunca se adaptou totalmente... O caráter que conseguimos era bom e o cérebro dele rejeitou! Foram anos e anos de terapias e medicação pesada! – lembrou a velha.
– E o tio Astolfo? – insistiu o primo.
– Neste caso, o caráter que arranjamos para ele era ruim e não houve rejeição! – observou a senhora, sem disfarçar certo orgulho.
– Viram? Não se preocupem, tudo se resolve! – animou-se o pai. – E, qualquer coisa, eu tenho um amigo em Brasília...
– Ele vive até hoje tranquilo, se bem que nunca se adaptou totalmente... O caráter que conseguimos era bom e o cérebro dele rejeitou! Foram anos e anos de terapias e medicação pesada! – lembrou a velha.
– E o tio Astolfo? – insistiu o primo.
– Neste caso, o caráter que arranjamos para ele era ruim e não houve rejeição! – observou a senhora, sem disfarçar certo orgulho.
– Viram? Não se preocupem, tudo se resolve! – animou-se o pai. – E, qualquer coisa, eu tenho um amigo em Brasília...
Foto de Leonardo Pinotti/Divulgação
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