quinta-feira, 26 de junho de 2014

Sobre mordidas e outros atos no futebol


Uma mordida, quando dada por um humano adulto é, sem dúvida, um ato irracional, merecedor de punição, não há discussão quanto a isso. As reações a tal ato, contudo, também estão sendo um tanto irracionais. Se você estiver andando na rua, passeando num shopping, participando de alguma atividade social e, de repente, levar uma mordida, ok, é caso de chamar não só a polícia, mas o hospício, quem sabe a carrocinha. No entanto, seria igualmente grave e estranho se, em vez disso, você levasse um pontapé na canela, uma cusparada no olho, uma cotovelada no nariz, um soco no estômago, um safanão nas costas, uma “tesoura” nas pernas, e tudo isso é comum no futebol. E, por vezes, com uma violência capaz de tirar o adversário da disputa, impedi-lo de exercer seu ofício por meses devido a uma lesão grave ou, em situações mais extremas, incapacitá-lo para sempre.

Sim, pode até ser novidade para quem não assiste a futebol durante quatro anos e vira torcedor apaixonado e especialista em época de Copa, mas tudo isso é corriqueiro no futebol. Deveria ser? Não, não deveria, mas é, inclusive na Copa. Mesmo quem mal sabe o formato da bola tem o direito de comentar a Copa, mas poderia ir mais devagar em suas conclusões e emitir opiniões um pouco menos contundentes sobre tudo que cerca aquilo que afinal de contas, surpresa!, é um torneio de futebol!

Aplicar a Suárez pena sumária de nove partidas de suspensão, eliminá-lo desta Copa, provavelmente da próxima Copa América e o afastar do futebol por quatro meses, não é uma “medida exemplar” como comemoram de forma efusiva os que, encerrada a Copa, esquecerão que o futebol existe. Trata-se de um exagero, de um abuso da FIFA. Ansiosa por agradar ao público, já revoltado com seus desmandos, lucros exorbitantes e suspeitas de corrupção por todo lado - e, ainda por cima, insuflado por imagens manipuladas para tornar o fato mais chocante, de brincadeira ou não -, a entidade fez de Luisito o bode expiatório. Em linguagem de futebol, a FIFA jogou para a torcida.

Quem é mesmo do ramo sabe que estão – a FIFA e os torcedores bissextos – fazendo estardalhaço demais em torno de algo que sim, é incomum, condenável, doentio, patético e etc, mas que está longe de ser excepcional no futebol. Quebrar o nariz do adversário com uma cotovelada é menos grave? Entrar com tudo na canela alheia sabendo que pode quebrá-la e tirar do colega de profissão seu instrumento de trabalho é menos grave? Cusparada na cara é menos grave? Soco, a mais explícita das agressões, é menos grave? Pontapé no peito é menos grave? (na foto, o holandês Nigel de Jong agride o espanhol Xabi Alonso, que precisou de atendimento médico, na Copa de 2010). Tratamento psicológico para todos?

Talvez, além do papel dos especialistas ocasionais e do abuso de poder que sempre caracterizou a FIFA, que agora precisava fazer jogo de cena, a explicação para tamanha indignação seja de cunho psicológico. De fato, chutar, socar, empurrar, cuspir, tudo isso é mais aceito socialmente do que morder, pois morder remete o homem a seu estado mais primal. O medo irracional do humano de se sentir menos civilizado, mais próximo de seu “eu” primitivo, leva-o a reagir de forma desproporcional. As fantasias em torno do vampirismo talvez contribuam de alguma forma para mexer com os mecanismos da mente nestas horas. Psicólogos podem analisar isso com mais propriedade.

A maioria da população mundial alimenta-se de animais, portanto, não apenas morde carne, mas a mastiga e engole. Ah, mas não é humana! Sim, claro, é só um aspecto a mais a se considerar. Se bem que, às vezes, morde-se carne humana também, levemente, e por uma boa causa, mas aí o papo fica profundo demais. Seja como for, o barulho em torno do assunto é demasiado, as indignações são, na maioria, teatrais e, a punição, excessiva. Hipócritas se locupletam, socialites de arenas fazem um brinde e o Uruguai perde suas eventuais chances nesta Copa. Abuso padrão FIFA.

domingo, 22 de junho de 2014