sexta-feira, 20 de junho de 2008

Bom fim de semana

Obrigado pela companhia em mais uma semana. Fiquem com Fergie e Big Girls Don't Cry.

Quando as noites não eram tão escuras

Um tempo houve em que as noites, mesmo as mais frias e mais longas do rigoroso inverno do sul não pareciam tão frias ou tão longas, ou ao menos era possível atravessá-las com razoável dose de sonho e esperança.


Recém passa das seis da tarde, eu acabo de chegar da escola, mal tive tempo de fazer os temas, comer um pedaço de pão com patê de fígado ou schimia de abóbora com cravo acompanhado de um Guaraná Frisante Polar e saí à rua para um jogo de taco, ou de bola, ou de bolinhas de gude, e já está minha avó a gritar meu nome. Emília, a quem eu chamo de mãe, cuida de mim enquanto minha mãe, Terezinha, a quem todos chamamos de Santa, trabalha para pagar a escola particular do único filho.

O brado de Emília significa que é hora de se recolher, sair do frio e do escuro, hora em que, ela diz, só os meninos sem eira nem beira, de pais relapsos e irresponsáveis circulam pelas ruas do bairro de periferia. A violência urbana ainda não é o monstro que temem que se torne um dia, tampouco esta periferia é assim tão periférica, mas crimes e brutalidades de todo tipo espreitam na calada da noite por detrás de muros de esquina, árvores frondosas e cercas carcomidas de terrenos baldios.

Enquanto eu assisto a Daniel Boone na precária TV em preto e branco, com Bom Bril na antena, e cujo seletor de canais precisa de um calço para não trocar a imagem por um amontoado de chuviscos, minha avó está no pátio, enfrentando a temperatura gélida, a preparar um fogareiro a carvão. Depois de colocar querosene e atear fogo, ela espera a queima inicial, a saída de toda aquela fumaça tóxica, para só então, com as brasas em seu laranja vivo, levá-lo para dentro da casa de madeira, onde será instalado em meio à sala de jantar, que será também sala de estar no final da noite. Ali, depois de uma sopa na qual predominam as batatas, ficaremos reunidos a conversar, contar histórias, brincar com os gatos ou simplesmente aproveitar o calorzinho.

Não penso no perigo dos gases do carvão ou do fogareiro aceso sobre um piso de madeira velha, separados apenas pelo latão da tampa de um galão de tinta. Penso em como estou aquecido, talvez coma uma colher de Toddy quando ninguém estiver olhando, isso caso não tenhamos pinhões nesta noite. Depois, um gibi ou dois, quem sabe o segundo à luz de vela ou então de uma lanterna embaixo do cobertor. Amanhã, se continuar assim tão frio, pode ser que eu me finja de doente para não ir à aula, apesar de estudar à tarde, o que diminui o meu problema.

Antes de dormir fico animado ao me lembrar que no dia seguinte teremos o Cinema do Sesi, quando eles param um furgão bem no meio da minha rua, que se chama Vera Cruz, como se estivéssemos na aurora do Brasil, e então estendem uma tela que interrompe o trânsito, mas não faz mal, porque os moradores já chegaram mesmo, e quase nenhum tem carro, e ninguém mais passaria por ali. Temos sorte, a tela fica perto de nossa casa, e então eu mal preciso sair pelo portão e me encostar no nosso muro para ver um filme do Tarzan, ou do Mazzaropi, ou alguma chanchada da Atlântida. Em seguida minha mãe trará pipocas e guaraná, e tudo parecerá perfeito, a japona, o gorro e a manta a mitigar a friagem.

Será uma noite feliz, como felizes, decerto, são quase todas as noites. Até nas de temporal, quando o vento castiga a casa insegura, balança ameaçadoramente o velho poste de madeira, um dia ainda vamos trocá-lo por um de concreto, e quase sempre algum fio se rompe em algum lugar ali perto, e aí a ventania fica ainda mais sinistra, em meio à escuridão, a vela a tremeluzir gerando sombras fantasmagóricas enquanto minha avó segura um rosário e evoca incessantemente “Santa Bárbara, São Jerônimo”, e ouvimos no rádio a pilha notícias sobre a devastação provocada pela fúria dos ventos, isso enquanto a própria emissora não sai do ar.

Em compensação, às vezes meu pai volta de viagem, e ele está sempre viajando, e sempre volta, embora às vezes demore muito, e se ele voltar vai trazer bugigangas, gibis, artigos de toucador subtraídos ao hotel barato, e tudo isso será novidade num mundo de tão poucas novidades, solitário, onde o tempo demora a passar, onde às vezes venta muito, faz muito frio, mas sempre tem o fogareiro a carvão, e o cinema do Sesi, e a proteção de Santa Bárbara, e meu pai sempre acaba voltando.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

MURAL
Pequenas opiniões (ou nano opiniões, para ficar na moda) sobre assuntos variados.


Boa notícia

Sábado ocorre o solstício do Inverno (que começa oficialmente às 20h59 de amanhã), o dia mais curto do ano. Quem odeia anoitecer precoce (é o meu caso) pode comemorar dias cada vez mais longos. Alguns minutos, enfim, mas aos poucos o sol avançará noite adentro, rumo a tempos menos sombrios. Tudo meio metafórico, mas muito climático.


A hierarquia do abuso

A morte dos três rapazes nos morros do Rio foi um fato isolado, claro, cometido por bandidos fardados, e não pelo Exército como instituição. As questões são outras:
1) O que o Exército fazia (e ainda faz) lá?
2) Por que o governo misturou verbas do Ministério da Defesa e do Ministério das Cidades para conseguir votos para o senador Marcelo Crivella, cujo maior "mérito" foi o de ter sido "bispo" da Universal?
3) Por que ainda não foram atrás dos executores, se sabem exatamente quem são?


Enquanto isso...

Os militares gays continuam presos.
Como se gays fossem raridade nas Forças Armadas.


Hei, Dunga...

Faço minhas as palavras dos torcedores presentes ao Mineirão.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Programação do Blog

Tenho dedicado as segundas-feiras à abordagem de temas do cotidiano do Brasil e do mundo. A partir de hoje, terça será o dia de postar textos sobre Jornalismo (opiniões, histórias de bastidores, reflexões e etc). Leia abaixo o primeiro texto da série. Este item foi um dos mais votados na enquete inicial do Blog, por isso merece um espaço regular. Quarta é o dia do Toco y Me Voy, no qual publico textos de jornalistas amigos ou grandes jornalistas, quando possível, ambas as coisas, caso de Augusto Nunes, que ocupou o espaço na semana passada. Aos poucos vai se definindo uma "grade de programação", usando a expressão consagrada pelo Boni na Globo.

Além disso, todos os dias, de segunda a sexta, notas diversas sobre temas variados.

Sugiram, critiquem e irei adaptando o Blog ao perfil dos leitores.
Obrigado.
Abraço. Eliziário.
JORNALISMO

O Homem Providencial

Quase todas as grandes redações já assistiram à chegada do Homem Providencial. Não importa de onde venha, qual o tamanho do currículo ou do salário, ele desembarca com todas as respostas. Ele sabe o que funciona e o que não funciona em jornalismo, o que exatamente o leitor quer, quais os melhores enfoques para todas as melhores reportagens que serão feitas a partir daquele momento, baseadas nas melhores pautas que ele também tem, reforçadas por informações das melhores fontes, que são as dele. Basta seguir o que ele fala e tudo dará certo. O Homem Providencial só não faz o jornal (ou revista, ou programa etc.) sozinho porque o tempo é curto, e o dele mais ainda, uma vez que só ele sabe as respostas e, portanto, tem de ser consultado sobre tudo.

O Homem Providencial não precisa vir de longe, tampouco receber salários milionários. Muitas vezes ele já estava na redação, à espera da promoção a um cargo que o permitisse mostrar seus conhecimentos sobre jornalismo que, é claro, são todos os conhecimentos possíveis. Quando se diz que a nova função “subiu à cabeça” de alguém, muitas vezes pode se estar cometendo a heresia de não identificar de imediato a assunção do Homem Providencial. Mas nas nem sempre é fácil reconhecê-lo.

Há, basicamente, cinco tipos de chefe:
* O que toma e anuncia as decisões sem consultar a equipe.
* O que toma as decisões e, antes de anunciá-la, consulta a equipe, mas não tem qualquer intenção de modificar o que já decidira.
* O que consulta a equipe antes de tomar as decisões, mas acaba por não levar em conta nada do que lhe foi dito e segue os próprios critérios.
* O que consulta a equipe antes de tomar as decisões e leva em conta as sugestões.
* O que orienta a equipe para que ela tome as próprias decisões.

O Homem Providencial poderá adotar qualquer uma das três primeiras alternativas, mas a primeira é a mais provável, porque uma das principais características do Homem Providencial é deixar claro, desde o primeiro discurso, que o interlocutor está diante do Homem Providencial, fato do qual é melhor não discordar. Em qualquer ofício ele é nocivo, mas, em redações, é especialmente destrutivo.

Quando se lida com produtos bem definidos como um par de sapatos ou uma lata de sardinhas em conserva, o Homem Providencial pode reprimir idéias que contribuiriam para a melhoria da qualidade ou o aumento do lucro, mas os sapatos continuarão sendo sapatos e as sardinhas continuarão sendo sardinhas. Quando a mercadoria é a informação, ele pode causar estragos bem maiores. A premissa de ouvir todos os lados de uma questão começa dentro de casa. Se os profissionais não discutem as pautas antes de realizá-las, certamente o leitor será no prejuízo. Mas é melhor nunca dizer isso ao Homem Providencial. Até porque ele já sabe tudo que é importante saber.


Publicado originalmente no site coletiva.net

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Delírios

“Está acontecendo uma coisa extraordinária. Nós criamos mais do que Bolívar quando bradou a criação da Grande Colômbia, criamos a grande nação sul-americana."

A frase acima é o mais recente delírio do presidente Lula. Nada surpreendente vindo de quem já se comparou a Jesus Cristo. Para quem não se recorda: “Se nem Jesus Cristo sabia que seria traído, como eu poderia saber?” Além da presunção, a gafe. Ao contrário de Lula, que nunca sabe de nada, Jesus sabia que seria traído, informa a Bíblia.

Lula já se comparou também a Tiradentes, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Como vive dizendo que “nunca na história desse país”, presume-se que as comparações sejam humildes concessões a tais personagens.

Quando se considera mais importante do que o Libertador da América – o problema será convencer disso o delirante Hugo Chávez, que se vê como a reencarnação de Simon Bolívar –, Lula aproveita para fazer um up grade no bordão, que agora deverá ser “como nunca na história deste continente”.

Ao dizer “nem Jesus Cristo”, a despeito do tropeço no beabá da história cristã, pelo menos o “nem” indica que ainda levará algum tempo até o presidente proferir a frase ideal: “Como nunca na história deste mundo”.
Lágrimas na chuva

Um leitor me perguntou qual a origem da frase no alto da página. Imaginei que todos conhecessem, mas, se um não sabe, outros podem desconhecer também. Na dúvida, segue o vídeo da célebre seqüência de Blade Runner.