Tom Wolfe, radicalmente chique e afiado
Embora esteja longe de
ser a maior virtude de quem se dedica à literatura, ao jornalismo, à propaganda
ou às artes – ou mesmo à política –, um grande talento também se define pela
capacidade de cunhar ou consagrar expressões que ingressam definitivamente no
imaginário e no vocabulário cotidiano de milhões de pessoas. O escritor
americano Tom Wolfe, um dos ícones do new journalism, ou jornalismo literário, como alguns preferem, celebrizou ao menos duas
expressões: “fogueira das vaidades” e “radical chique”. De fato, o termo
“fogueira das vaidades” não é criação de Wolfe, tem origens que remontam ao
Carnaval de 1497 em Florença, na Itália, quando os fanáticos seguidores do
padre Girolamo Savonarola (retratado em A Regra de Quatro, de Ian Caldwell), queimaram milhares de
objetos como livros, obras de arte, mesas de jogos, espelhos, pelas de
vestuário e artigos de toucador, todos supostamente objetos de vaidade e,
portanto, pecaminosos. Até livros de Bocaccio e Ovídio e quadros de Boticelli
teriam ardido nas purificantes chamas.
Mas foi Tom Wolfe quem
resgatou o termo e ajustou como metáfora de uma sociedade de consumo permeada
de disputas de ego e de extremo apreço pelas aparências. A partir de seu
romance homônimo, publicado em 1987, e levado às telas três anos depois por
Brian de Palma com Tom Hanks e Bruce Willis – o que não livrou o diretor de pesadas
críticas na fogueira das vaidades de Hollywood –, a expressão ganhou o mundo e
vem sendo proferida milhares de vezes por dia até hoje.
Já “radical chique” foi
criado mesmo por Wolfe em ensaio publicado em 1970 para ironizar a pretensão, a
afetação, a hipocrisia e o modismo de celebridades e integrantes das altas
rodas que assumiam posturas pretensamente radicais. Atualmente, no Brasil,
usa-se também uma expressão similar, a “esquerda caviar”.
Thomas Kennerly Wolfe nasceu em 2 de março de 1931 em uma
família abastada de Richmond, no Estado americano da Virginia. Seu pai, também
chamado Thomas, embora fosse Ph.D em agronomia, professor universitário e
fazendeiro, atuou também como jornalista e escritor. A mãe, Helen, além de
incentivá-lo a ler desde cedo, matriculou-o em aulas de balé e sapateado. Desde
cedo, portanto, seu destino estava traçado. Começou a escrever ainda criança.
Foi editor de esportes do jornal da faculdade, quando fazia graduação na
Washington and Lee – recusara a prestigiada Princeton –, onde também ajudou a
fundar uma revista literária e jogava beisebol, tendo chegado a fazer testes como
arremessador no New York Giants, mas foi considerado lento e dispensado. Depois
de cumprir doutorado em Estudos Americanos na Universidade de Yale, poderia ter
seguido carreira acadêmica, mas, felizmente para os leitores, optou pelo
jornalismo. Começou no Springfield Union,
passou pelo Washington Post e depois
foi para o New York Herald Tribune.
O ponto de inflexão na carreira de Wolfe ocorreu em 1963.
Estando os jornais de Nova York em greve, ele aproveitou para sugerir à Esquire uma pauta sobre a moda dos
carros customizados então em voga na Califórnia. Byron Dobell, editor da
revista, propôs que ele enviasse suas anotações para que trabalhassem juntos na
produção de um artigo. Wolfe escreveu uma carta para Dobell falando tudo que
queria dizer a respeito, sem se preocupar em fazer um texto jornalístico. O
editor simplesmente cortou a saudação “Caro sr. Byron” e publicou o texto na
íntegra em 1964.