quinta-feira, 23 de outubro de 2014

GRANDES NOMES
Tom Wolfe, radicalmente chique e afiado


Embora esteja longe de ser a maior virtude de quem se dedica à literatura, ao jornalismo, à propaganda ou às artes – ou mesmo à política –, um grande talento também se define pela capacidade de cunhar ou consagrar expressões que ingressam definitivamente no imaginário e no vocabulário cotidiano de milhões de pessoas. O escritor americano Tom Wolfe, um dos ícones do new journalism, ou jornalismo literário, como alguns preferem, celebrizou ao menos duas expressões: “fogueira das vaidades” e “radical chique”. De fato, o termo “fogueira das vaidades” não é criação de Wolfe, tem origens que remontam ao Carnaval de 1497 em Florença, na Itália, quando os fanáticos seguidores do padre Girolamo Savonarola (retratado em A Regra de Quatro, de Ian Caldwell), queimaram milhares de objetos como livros, obras de arte, mesas de jogos, espelhos, pelas de vestuário e artigos de toucador, todos supostamente objetos de vaidade e, portanto, pecaminosos. Até livros de Bocaccio e Ovídio e quadros de Boticelli teriam ardido nas purificantes chamas.

Mas foi Tom Wolfe quem resgatou o termo e ajustou como metáfora de uma sociedade de consumo permeada de disputas de ego e de extremo apreço pelas aparências. A partir de seu romance homônimo, publicado em 1987, e levado às telas três anos depois por Brian de Palma com Tom Hanks e Bruce Willis – o que não livrou o diretor de pesadas críticas na fogueira das vaidades de Hollywood –, a expressão ganhou o mundo e vem sendo proferida milhares de vezes por dia até hoje.

Já “radical chique” foi criado mesmo por Wolfe em ensaio publicado em 1970 para ironizar a pretensão, a afetação, a hipocrisia e o modismo de celebridades e integrantes das altas rodas que assumiam posturas pretensamente radicais. Atualmente, no Brasil, usa-se também uma expressão similar, a “esquerda caviar”.

Thomas Kennerly Wolfe nasceu em 2 de março de 1931 em uma família abastada de Richmond, no Estado americano da Virginia. Seu pai, também chamado Thomas, embora fosse Ph.D em agronomia, professor universitário e fazendeiro, atuou também como jornalista e escritor. A mãe, Helen, além de incentivá-lo a ler desde cedo, matriculou-o em aulas de balé e sapateado. Desde cedo, portanto, seu destino estava traçado. Começou a escrever ainda criança. Foi editor de esportes do jornal da faculdade, quando fazia graduação na Washington and Lee – recusara a prestigiada Princeton –, onde também ajudou a fundar uma revista literária e jogava beisebol, tendo chegado a fazer testes como arremessador no New York Giants, mas foi considerado lento e dispensado. Depois de cumprir doutorado em Estudos Americanos na Universidade de Yale, poderia ter seguido carreira acadêmica, mas, felizmente para os leitores, optou pelo jornalismo. Começou no Springfield Union, passou pelo Washington Post e depois foi para o New York Herald Tribune.

O ponto de inflexão na carreira de Wolfe ocorreu em 1963. Estando os jornais de Nova York em greve, ele aproveitou para sugerir à Esquire uma pauta sobre a moda dos carros customizados então em voga na Califórnia. Byron Dobell, editor da revista, propôs que ele enviasse suas anotações para que trabalhassem juntos na produção de um artigo. Wolfe escreveu uma carta para Dobell falando tudo que queria dizer a respeito, sem se preocupar em fazer um texto jornalístico. O editor simplesmente cortou a saudação “Caro sr. Byron” e publicou o texto na íntegra em 1964.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Respeitemo-nos!

Só não é chocante o desrespeito a grassar nas ruas, botecos e timelines nesta campanha eleitoral porque o tempo nos ensina a não esperar muito das pessoas. Como diz aquela frase magistral, cuja autoria desconheço, mas que ouvi pela primeira vez da amiga Françoise Techio, o ser humano é o pior tipo de gente. Mas eu não quero falar de política aqui, não é o caso, tampouco a paciência permite no momento. Quero falar de coisas, digamos, comezinhas.

Quem me acompanha com alguma atenção nas redes sociais – sei lá por que alguém o faria – sabe o quanto, a despeito de ser rude ocasionalmente – às vezes é conveniente manter a fama de mau –, jamais posei de árbitro da moral alheia, mediador de gostos ou opiniões e, muito menos, julguei alguém por suas opções ou orientações. Sempre fui assim na vida, e redes sociais são que nem bebida alcoólica, somente dão vazão ao que no fundo sempre se quis dizer ou fazer, são supostas justificativas para palavras e atitudes que olho no olho, e sóbrios, jamais assumiríamos. Orgulho-me de poder afirmar que nunca fiz ou falei algo que tivesse de desdizer no dia seguinte usando o manjadíssimo pretexto do “eu havia bebido”. Não por não beber, mas por saber administrar. Sim, eu havia bebido, mas fi-lo porque qui-lo, como diria o tresloucado Jânio Quadros.

Custa-me, portanto, aceitar qualquer forma de bullying, declarado ou disfarçado de outra coisa socialmente mais aceitável. Por exemplo: há cerca de um ano e meio, talvez menos, tornei-me vegetariano, opção motivada por variadas razões. Apenas mudei meus hábitos alimentares, não tentei doutrinar ninguém, muito menos passei a dar discursos desagradáveis diante de apreciadores de picanha malpassada. Tenho opiniões firmes a respeito disso, como costumo ter a respeito de tudo, apenas não as saio declarando aos berros. Justo seria esperar que, ao menos, deixassem-me em paz com minha opção, certo? Errado. Há quem não possa perder uma mísera oportunidade. Seja pela necessidade patológica de tentar ser engraçado sempre – o que nem o psicopata Coringa, do Batman, consegue –, seja por arrogância mesmo.

Dizem que três coisas não se devem discutir: futebol, política e religião(Leia a continuação clicando no link abaixo).
O PERIGO DA HISTÓRIA ÚNICA

Esta palestra da escritora nigeriana Chimamanda Adichie foi realizada em 2009 em Oxford, no Reino Unido (publiquei aqui no blog em 2010), mas sempre vale a pena rever e refletir sobre os riscos de se relativizar - por ingenuidade ou cinismo - a história, as culturas e as gentes ao se enxergar o mundo a partir de uma única visão, de relatos de um único campo, por definição, parciais, por óbvio, humanamente contaminados, estereotipados e imprecisos. Serve para tudo, em qualquer tempo ou lugar.


NEURÓTICOS AO MAR

Eu trocara de carro havia cerca de um ano quando o emprestei para um colega de trabalho resolver algum problema rápido. Ele retornou em menos de meia hora, devolveu-me as chaves e os documentos e disse: "Você sabia que a buzina não está funcionando?" Eu o cumprimentei por descobrir tão rapidamente algo que eu não percebera em tanto tempo. Sempre lembro disso quando os motoristas começam a descarregar suas frustrações e neuroses na buzina, por certo esperançosos de que isso abra o mar de carros à sua frente tal qual Moisés diante do Mar Vermelho.