
A velha casa de madeira com seus rangeres noturnos, móveis desgastados e pátio mal cuidado hospedaria uma alvissareira novidade tecnológica naquele ano de 1970. Num final de semana frio, suavizado pelo fogareiro a carvão, meu pai levara serviço para casa e, com ele, uma reluzente IBM elétrica de esfera, dos primeiros modelos, ainda com bordas arredondadas. Aos olhos de um menino de dez anos sem muito contato com as novidades do mundo, a Ferrari das máquinas de escrever, com seu largo e sólido corpo de ferro, sua batida ágil, silenciosa e veloz como nenhuma outra jamais conseguira ser, assemelhava-se a um instrumento dos deuses. Além disso, meu pai devia ser importante na firma, para poder colocá-la embaixo do baixo e se mandar para casa ao final do expediente.
Tão magnífico equipamento era acompanhado de caixinhas com uma fina base de plástico e uma tampa de acrílico em forma de redoma que permitia vislumbrar o instigante conteúdo: em seu interior jaziam, brilhando de novas, uma meia-dúzia de esferas sobressalentes. Ao contrário das outras máquinas de escrever, meros invólucros de plástico recheados de gravetos vacilantes, barulhentos e desencaixantes, com fitas sujas, frágeis e desenroscantes, aquela maravilha permitia a troca da esfera que ia e vinha, vinha e ia sem que nem bem lhe pudéssemos registrar os movimentos.
Pela primeira vez, e muito antes de o computador doméstico entrar em cena, podia-se variar a tipologia de um texto sem recorrer a uma gráfica. Era possível datilografar em itálico, negrito, letra cursiva, corpo maior que o usual, sublinhar, bater de novo por cima para reforçar, traçar fios, cercaduras e, com alguma imaginação, até alguns desenhos primitivos, e tudo de maneira limpa, sem borrões, sem dedos sujos, pois mesmo a fita, encaixotada como uma VHS, era de natureza superior.