Eliziário de onde?
Chego para uma reunião e me apresento à secretária. Ela pega o telefone e, antes de me anunciar, pergunta: “De onde?” Apenas repito: “Meu nome é Eliziário”. Ela insiste: “Sim, mas, de onde?” Neste meio tempo a chefia já ouvira o diálogo e dissera para ela me deixar entrar. Cenas assim são cada vez mais frequentes em nossa sociedade, e eu confesso que sempre me irritam. No caso de um encontro agendado, basta anunciar o nome. A pessoa solicitada decidirá se quer me ver ou não. Se eu disse apenas o nome, é sinal de que ela me conhece, ou seja, não sou, por exemplo, um vendedor que por acaso bateu àquela porta.
Mas não adianta, a pergunta é insistente: “De onde?” Como não vale a pena me incomodar por isso, às vezes respondo “do Escritório da Informação”, meu “nome jurídico”. Desconfio que poderia dizer “da Astron Plus”, da “Empreendimentos Bevilacqua” ou da “Rocha & Rocha Consultores” e daria no mesmo. Só querem uma pessoa jurídica, algo que prove que eu mereço ser recebido, pois pessoas físicas, sabemos, não merecem a menor confiança.
Poderia dar respostas como “de Porto Alegre”, “de mamãe e papai”, “da grande nação tricolor”, mas a mais simples eu aprendi com o amigo jornalista Jorge Olavo de Carvalho Leite. Há mais de 20 anos, ele já respondia: “De mim mesmo”. Identifiquei na frase uma certa rebeldia contra o mundo dominado pela pessoa jurídica. Eu sou eu, e isso deveria bastar.
Já nem estranharei se, um dia, ao pedir uma pizza por telefone e me identificar, perguntarem:
– Eliziário de onde?
– Como assim, de onde?
– Assim mesmo: Eliziário de onde?
– Mas eu só quero uma pizza.
– Lamento, mas o senhor precisa informar de onde.
– Por que, vocês só entregam para empresas?
– Não senhor, mas só entregamos para quem é de algum lugar.
– Claro, se não, como achariam o local da entrega, não é mesmo?
– Como, senhor?
– Nada, esquece. Mas por que esta regra?
– Veja bem, nós somos uma empresa séria, com dez anos de mercado, só produzimos pizzas de alta qualidade, e não podemos entregá-las a quem não seja de algum lugar.
– Mas eu sou de algum lugar. Já lhe dei meu nome, endereço, telefone fixo, celular, RG, CPF, nome dos pais e dos avós...
– Mas não disse de onde.
– Ok, ok. Está bem, eu digo. Sou do... deixa ver, Birô Atuarial Azevedo.
– Lamento, mas não consta em nossos registros.
– Desculpe, eu estava brincando. Sou do Escritório da Informação.
– CNPJ por favor.
– Como assim, de onde?
– Assim mesmo: Eliziário de onde?
– Mas eu só quero uma pizza.
– Lamento, mas o senhor precisa informar de onde.
– Por que, vocês só entregam para empresas?
– Não senhor, mas só entregamos para quem é de algum lugar.
– Claro, se não, como achariam o local da entrega, não é mesmo?
– Como, senhor?
– Nada, esquece. Mas por que esta regra?
– Veja bem, nós somos uma empresa séria, com dez anos de mercado, só produzimos pizzas de alta qualidade, e não podemos entregá-las a quem não seja de algum lugar.
– Mas eu sou de algum lugar. Já lhe dei meu nome, endereço, telefone fixo, celular, RG, CPF, nome dos pais e dos avós...
– Mas não disse de onde.
– Ok, ok. Está bem, eu digo. Sou do... deixa ver, Birô Atuarial Azevedo.
– Lamento, mas não consta em nossos registros.
– Desculpe, eu estava brincando. Sou do Escritório da Informação.
– CNPJ por favor.
Dou o número. Ela volta em segundos:
– Ok, senhor, seu pedido está liberado. Vamos estar lhe entregando em trinta a quarenta minutos.
– Ótimo, já estava quase perdendo a fome. A propósito, vou querer cervejas também.
– Bem, neste caso, qual a natureza de sua empresa? Quantos funcionários tem? Quanto o senhor pagou de impostos no ano passado?
– Ok, senhor, seu pedido está liberado. Vamos estar lhe entregando em trinta a quarenta minutos.
– Ótimo, já estava quase perdendo a fome. A propósito, vou querer cervejas também.
– Bem, neste caso, qual a natureza de sua empresa? Quantos funcionários tem? Quanto o senhor pagou de impostos no ano passado?
Publicado originalmente no site Coletiva,net em 23 de agosto de 2005