sexta-feira, 8 de agosto de 2008

BOM FIM DE SEMANA


TOCO Y ME VOY

A convidada especial de hoje é Luciana Pinsky, de quem tive o prazer de ser colega na revista Época. Escritora, jornalista e editora, Luciana terá seu primeiro romance, Sujeito Oculto e Novas Graças do Amor, lançado em outubro pela editora Record. Quem quiser conhecer mais seus textos ficcionais pode entrar em sua comunidade do Orkut.

http://www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=6471973
PARA BAIXO

Luciana Pinsky

Você me desafiou para uma descida. Ninguém me desafia para uma descida. Não há pessoa louca suficiente para acompanhar-me em uma descida. Você passa, magnética. Eu vou. Não freio. Pego mais e mais impulso. As rodas fervem. Vivo velocidade. Não quero morrer ainda, tenho tantos países a percorrer, tanto caminho para descobrir, tanta cerveja para beber, tanta vida me espera, mas se for para morrer que seja assim, descendo a tantos mil por hora. Se for para morrer, que seja como macho. E você me instiga. “Vamos, vamos”.

Você e esses olhos azuis angelicais que de anjo nada tem. Fui. E você grita. Cada vez mais alto. AAAAAAAAA. Eu grito junto, sua voz colando na minha, como se houvéssemos ensaiado. AAAAAAAAA.

Dois patinadores, descendo uma ladeira de forma alucinada, barulhentos como hooligans prestes a se enfrentar. Era assustador.

O desejo mais primitivo expresso sobre aquelas tantas rodas por um casal em bodas. Era a comunhão completa.

Só que não éramos um casal, não tínhamos relação alguma e aquilo resumia-se a uma descida muito rápida de patins pelo asfalto de Perdizes. Mas isso só depois. Na hora era a união. Descendo com você aquela ladeira, eu era tão eu como era possível ser.

Lá embaixo ela me esperava. Minha companheira real, aquela que sabe o nome da minha irmã, o dia em que nasci, compartilha meu dia-a-dia, ainda que tema patins – “é perigoso”, diz sempre. Claro que é. Se não fosse, eu continuaria em casa navegando na internet.

– Que alívio vê-lo bem. Ouvi tanta gritaria que fiquei assustada.

– Obrigado, estou inteiro.

Ela ensaiou um cafuné e eu queria desafio. Seu toque era amigável, lembrei-me da minha mãe me pondo para dormir há um milhão de anos, com um tranqüilo aroma de alfazema. Ela era alfazema. Eu sonhava alcatrão. Ela me olhava com doçura, eu buscava brilho. Ela ofereceu-me chá, eu queria chope. Ela, sabonete. Eu, suor conquistado.

Você agradeceu a disputa. “Quem ganhou”? Eu ainda não sabia. Limpou o suor do rosto com a camiseta. Tal gesto deixou seu umbigo à mostra por alguns poucos segundos. A barriga tão lisa, quase podia senti-la nos meus dedos molhados. A barriga, tão fina, tão frágil, ali. Quem diria, você frágil. Você foi. Ela me deu a mão seca de alfazema.


Publicado originalmente no Blog do Noblat


quarta-feira, 6 de agosto de 2008

PLANETA TERRA

O leopardo e o macaquinho

Belas imagens de um relacionamento improvável.


terça-feira, 5 de agosto de 2008

JORNALISMO

Stop the machines: inventaram o “assalto-surpresa”

Chamada de capa do Correio do Povo, de Porto Alegre, nesta terça-feira:

ASSALTO-SURPRESA
Encapuzados levam malotes


Estou até agora tentando entender. Vai ver é cafeína demais. Assalto-surpresa? E não são todos assim? De modo geral os assaltantes avisam quando e onde vão atacar? Como seria esta nova modalidade? Os bandidos olham para a vítima, abrem um sorriso e os braços e gritam: Surpresa!?

Anos atrás eu lia o Correio depois de longo tempo afastado de suas páginas – até por razões geográficas – quando me deparei com tantos textos confusos que acabei desistindo. Vejam o que encontrei:

Título do Correio do Povo, na edição dominical (29/9/2003): “Schumacher corre pelo hepta.”
O texto esclarecia: “O alemão Michael Schumacher poderá conquistar neste domingo, em Indianápolis, o inédito título de pentacampeão...”
Schumacher, na verdade, corre pelo hexa.

Duas páginas antes, matéria sobre a Bienal do Mercosul começava com esta frase:
“A maior exposição de artes visuais do Sul do Brasil tem data para começar: 4 de outubro”.
Ainda bem, uma exposição sem data para começar receberia poucos visitantes, isso se começasse.

No texto de apoio ficava-se sabendo que “O curador-geral da 4ª Bienal do mercosul, Nelson Aguilar, é o grande maestro da megaexposição.”
Esclarecedor saber que o curador-geral é quem coordena.
E que é o grande da mega. Pelo menos é superlativo.

Ainda mais duas páginas de trás para frente, sob o título “Grupo combate trabalho escravo” se encontrava a informação de que “Prevenir e repreender o trabalho escravo no Brasil será a função do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado”.
Incomum, portanto, necessário esclarecer.
Sem falar na repetição em relação ao título.
E reprimir era mais adequado do que repreender, mas o editor é contra repetições.

Eu não procurava erros, apenas folheava o jornal. Achei melhor parar.

Resgato o texto pela curiosidade, pois tais deslizes, infelizmente ocorrem em qualquer jornal. Às vezes a confusão mental dos redatores rende boas risadas, embora seja um perigoso sintoma de imperícia das redações. A seguir, algumas mancadas clássicas de jornais do sul do País que integram o livro Jornal da Imprença – A Notícia Levada Açério, do ótimo Moacir Japiassu, o maior colecionador de gafes da imprensa no Brasil.

Luzes da Ciência
Da Zero Hora, de Porto Alegre, em “pirulito” semiclandestino num canto de página: Assassinado pelo rival em Canoas. Abaixo, o textinho esclarecia: “(...) Ele se encontra internado no Hospital Nossa Senhora das Graças, em estado grave”. Segundo Janistraquis, este é um raríssimo caso de assassinado em estado grave, à espera das luzes da ciência (novembro de 1992).

Texto enrolado
Nosso mais novo correspondente gaúcho, Marcelo Soares da Silva, de Porto Alegre, envia nota do Correio do Povo, pela qual é possível avaliar a escolaridade dos cartolas do futebol, empresários e (por que não dizer logo??) jornalistas. Ei-la: Gomes, caso complicado é o título; texto-charada: “O Cruzeiro quer Luís Fernando Gomes, diz que está tudo certo com o Internacional, mas que o empresário português Manuel Barbosa está complicando tudo. O Inter afirma que vende o jogador por 600 mil dólares, dos quais 400 mil ficam com o clube e 200 mil com o empresário. Manuel Barbosa, por sua vez, garante que é o contrário: ele fica com 200 mil e o Inter, com 400. Um caso muito complicado”.
Leiam, releiam e concluam: textinho enrolado esse do Correio, não? (junho de 1995)

Poste vs. Aids
Título, digamos, priápico, do jornal gaúcho Zero Hora: Camisinhas em postes previnem contra a Aids. Perplexo, o leito Paulo Hebmuller escreveu a esta coluna: “Sempre pensei que a camisinha tinha que ser colocada em outro lugar”. Num país tão despreparado, Paulo, é sempre difícil saber o que fazer com uma camisinha. Um jornalista amigo de Janistraquis, por exemplo, engoliu duas. (março de 1994)

Confundindo
Legenda de foto do Diário Catarinense: Casanova retrata a vida do maior amante do século 18. Acima, ao redor do piano de Dooley Wilson, encontravam-se Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Quer dizer: o redator, que não se pode chamar de cinéfilo, confundiu Casanova com Casablanca. Janistraquis comentou: “Isso, considerado, apesar do piano de cauda e do jaquetão do Bogart, que, sem a menor dúvida, inexistiam no tempo do Casanova...” A jóia pertence à coleção do leitor Arden Zylbersztajn. (março de 1995)


Este texto inclui trechos de artigos publicados originalmente no site coletiva.net

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

TOCO Y ME VOY

O DUPLO TRIUNFO DA IMPUNIDADE

Augusto Nunes

"Ele estava feliz como pinto no lixo", teria o cantor Jamelão repetido a perfeita síntese da passagem de Bill Clinton pela Mangueira se pudesse ver o homem empoleirado no palanque em Goiânia. Ao lado do prefeito Iris Rezende, em marcha acelerada para a conquista do segundo mandato, lá estava Delúbio Soares – ele mesmo, o ladrão que rebatizou de "recursos não-contabilizados" o produto do roubo, o chefe da quadrilha do mensalão, o ex-tesoureiro nacional que reduziu a farrapos a bandeira da ética na política desfraldada pelo PT no dia do nascimento. Delúbio estava de volta. E tão risonho quanto Clinton na visita à Mangueira.

Ambos festejaram a sensação de liberdade. No Rio, o presidente americano estava distante da trabalheira na Casa Branca, longe de Hillary e no meio de um batalhão de mulatas. No comício de quinta-feira, o gatuno goiano estava longe da polícia, distante dos tribunais, no alto do palanque do favorito e no meio de possíveis patrocinadores, patrocinados e parceiros. É disso que Delúbio gosta. É isso o que Delúbio quer. Como nos bons tempos, recebera um convite da estrela do elenco. Iris avisou que ficaria honrado com a presença do aliado que costurou a aliança entre o PMDB do prefeito e a seção goiana do PT – o mesmo partido que expulsou Delúbio em 2005.

Como as vacinas e as leis, no Brasil também punições partidárias às vezes não pegam. "Essa coisa de mensalão vai acabar virando piada de salão", avisou Delúbio um ano depois de desbaratado o esquema que produziu o mais medonho episódio da história político-policial brasileira. Não pensava em vacinas no momento da profecia. Pensava na expulsão de araque, forjada para que fossem esquecidos dezenas de comparsas. Pensava na Justiça, que jamais castiga quem pode comprar roupas de grife e alugar advogados espertos. E pensava na memória curta do país. Estava certo, constatou no comício em Goiânia.

Dois anos depois de divulgado o relatório em que o procurador-geral da República radiografou a "organização criminosa sofisticada", um ano depois de formalizado pelo STF o início do processo contra os mensaleiros, Delúbio exibia, entre um sorriso e outro, a inconfundível placidez dos condenados à impunidade. Durante o curto degredo na fazenda da família, é provável que tenha despertado no meio da madrugada com medo do carcereiro ou dando cabeçadas numa grade. Para exorcizar pesadelos, certamente amparou-se no caso exemplar de Paulo Maluf.

Na mesma noite de quinta-feira, enquanto Delúbio comemorava em Goiânia quase 10 anos de trapaças impunes (ele debutou em 1996, tungando entidades sindicais), Maluf reapareceu em São Paulo cavalgando o cartel admirável. Aos 76 anos, há 37 na vida pública, enfrentou quase 150 processos. Só dormiu na cadeia 40 noites. Durante o debate entre os candidatos à prefeitura paulistana, ninguém mencionou as sete ações judiciais que, em repouso no STF e em instâncias inferiores, envolvem Maluf em delinqüências que vão da improbidade administrativa à formação de quadrilha ou bando, de crimes contra o sistema financeiro e à paz pública à ocultação de bens ou valores.

Por que os parceiros de debate optaram pela amnésia? Talvez tenham preferido não perder tempo com um concorrente condenado a perder a eleição. Talvez se tenham curvado à evidência de que o ícone dos fora-da-lei da classe executiva jamais se sentará num banco dos réus. Ele trava duelos com tribunais há 40 anos. Ganhou todos. No mais recente, impôs à Justiça Eleitoral a oficialização do campeão brasileiro da ficha suja.

O sorriso no palanque em Goiânia faz sentido. Delúbio também acha que vai ser Paulo Maluf.


Publicado originalmente na Gazeta Mercantil