O que você fez de errado, Marta?
O olhar erguido para o céu, o semblante crispado pelo cansaço e pela revolta, e a indagação suprema: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?” Nada, Marta. Não é assim que funciona no futebol. Tampouco na vida. Tanto aí, neste espaço verde que flutua entre o sacro e o demoníaco, quanto aqui fora, no imenso vazio de justiça e paz.
Você, Marta, ao contrário de tantos integrantes do time olímpico brasileiro, em especial aqueles rapazes que são seus colegas de modalidade, ao menos tem o direito de perguntar. Eles não precisam, seja porque já sabem, seja porque vão dormir com a serenidade dos inconscientes.
Sabe, Marta, esporte é assim mesmo, ainda mais esporte coletivo, que depende de tanta gente acertar ao mesmo tempo e, quando isso acontece, nem sempre se traduz em vitória. A vida é assim, Marta.
Milhões de pessoas se perguntam todos os dias, ao acordar para mais uma jornada exaustiva de trabalho, de transporte coletivo abarrotado, de remuneração miserável, enquanto tantos enriquecem roubando, alguns roubando dinheiro público, produzido com o suor desta jornada exaustiva: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?”
São outros tantos, que sempre praticaram o bem, a solidariedade, a generosidade, e que acabam por se tornar vítimas da violência de nossos tempos, a se perguntar diante de tanta crueldade: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?”
O cidadão que nada fez de errado, e ainda assim sofre com atos prepotentes ou equivocados da Justiça, ao observá-la tão branda com criminosos notórios de ternos bem cortados, ou concedendo penas leves à bandidagem pesada, este por certo se pergunta: “Meu Deus, o que eu fiz de errado?”
Não vivemos numa meritocracia. Honestidade, esforço, dedicação, suor, competência, talento, lealdade, nada disso é sinônimo de recompensa.
No futebol é diferente, é verdade. Não adianta jogar melhor, não basta ter mais técnica ou se esforçar ao extremo. Você fez tudo isso, mas desta vez, você e suas colegas não conseguiram fazer o gol, e isso se sobrepõe a todo o resto. Pensando friamente, venceu quem marcou gol, que é o objetivo do futebol, e isso não pode ser classificado como injustiça.
Claro, Marta, você já está cansada de ser vice, duas vezes no Mundial, duas nas Olimpíadas, duas na Europa. É, deve cansar mesmo. Além do mais, o que para nós é apenas um jogo, para você é imensamente mais do que isso. Mas você foi eleita duas vezes a melhor do mundo e é ídolo de milhões.
De todo modo, seu desabafo repete o desabafo de muita gente, todos os dias. Sua identificação com o povo, que já era enorme, certamente aumentou.
O ouro seria uma maravilha, até para ficar marcado como o primeiro desta modalidade em que os rapazes não conseguem triunfar. Não seria o máximo, no machista país do futebol, o primeiro ouro ser das mulheres?
Mas você tentou, fez de tudo, a gente viu. A medalha é de prata, você é de ouro.
Beijos no coração, Marta.
Durma bem.
Um comentário:
Incrível mesmo, não só a Marta, mas todas as meninas do futebol. Lutaram, tentaram, não foi dessa vez...
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