quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Guardiães do sonho

Em 1999, às vésperas dos 500 anos do Brasil, a revista Época produziu uma série de reportagens sobre os imigrantes. Coube a mim contar a história dos italianos e dos alemães que vieram para a região Sul. Publico a seguir o texto principal sobre os italianos, que saiu em duas edições (trabalho no qual tive a parceria da fotógrafa Luludi). Deixo de fora alguns "boxes" sobre economia, cultura e etc. Como se trata de texto histórico, segue atual. Não conferi agora o destino dos personagens aqui abordados, reproduzo como publicado em 1999.


Centenas de italianos de Mântua (Mantova) foram compelidos a revogar desconfianças ancestrais no final de 1881. Aqueles homens e mulheres haviam resolvido deixar a cidade natal para reconstruir a vida na América – e tinham de acreditar que do outro lado do oceano estava a Terra Prometida. Cansados dos caprichos do clima, exauridos pela escassa fertilidade de um solo castigado por guerras e rebeliões, agredidos pelos impostos absurdos cobrados por senhores de terras que jamais lhes pertenceriam, os integrantes do grupo já tinham vendido os poucos bens que possuíam para empreender a viagem sem retorno. Só lhes restava crer na existência do eldorado americano.

Seduzidos pela abundância de terras, pelos rios de mel, pelo vinho jorrando sem parar e pelos salames que davam em árvores, segundo rezavam as lendas, estavam determinados a encontrar o paraíso na Terra, situado do outro lado do oceano. Entre esses homens de olhar melancólico e rosto precocemente vincado, atirados aos braços do inevitável exílio, estava André Bacchi. Aos 32 anos, acompanhado da mulher, Maria Mazzocchi Bacchi, 30, e dos filhos Carlo, 4, e Antônio, 1 ano recém-feito, André não se deixaria intimidar pelos perigos da travessia.

As viagens da Europa aos confins da América, naquela época, podiam durar umas poucas semanas ou vários meses. O mar bravio e as intensas tempestades capazes de fazer enjoar experimentados marinheiros colocavam muitos a nocaute. A escolta permanente de baleias, espantadas a tiros de canhão, contribuía para ampliar o nível de apreensão a bordo. Quando a embarcação era chicoteada por fortes ventos pela proa, podia ser arrastada de volta por dezenas de quilômetros, e o caminho, que já era longo, parecia intransponível.