Guardiães
do sonho
Em 1999, às vésperas dos 500 anos do Brasil, a revista Época produziu uma série de reportagens sobre os imigrantes. Coube a mim contar a história dos italianos e dos alemães que vieram para a região Sul. Publico a seguir o texto principal sobre os italianos, que saiu em duas edições (trabalho no qual tive a parceria da fotógrafa Luludi). Deixo de fora alguns "boxes" sobre economia, cultura e etc. Como se trata de texto histórico, segue atual. Não conferi agora o destino dos personagens aqui abordados, reproduzo como publicado em 1999.
Centenas de italianos de Mântua (Mantova) foram compelidos a revogar
desconfianças ancestrais no final de 1881. Aqueles homens e mulheres haviam
resolvido deixar a cidade natal para reconstruir a vida na América – e tinham
de acreditar que do outro lado do oceano estava a Terra Prometida. Cansados dos
caprichos do clima, exauridos pela escassa fertilidade de um solo castigado por
guerras e rebeliões, agredidos pelos impostos absurdos cobrados por senhores de
terras que jamais lhes pertenceriam, os integrantes do grupo já tinham vendido
os poucos bens que possuíam para empreender a viagem sem retorno. Só lhes
restava crer na existência do eldorado americano.
Seduzidos pela abundância de terras,
pelos rios de mel, pelo vinho jorrando sem parar e pelos salames que davam em
árvores, segundo rezavam as lendas, estavam determinados a encontrar o paraíso
na Terra, situado do outro lado do oceano. Entre esses homens de olhar
melancólico e rosto precocemente vincado, atirados aos braços do inevitável
exílio, estava André Bacchi. Aos 32 anos, acompanhado da mulher, Maria
Mazzocchi Bacchi, 30, e dos filhos Carlo, 4, e Antônio, 1 ano recém-feito,
André não se deixaria intimidar pelos perigos da travessia.