terça-feira, 26 de agosto de 2008

TOCO Y ME VOY


HERÓIS NACIONAIS, APESAR DO BRASIL


Augusto Nunes


"É a maior delegação brasileira de todos os tempos", orgulhou-se pouco depois da chegada a Pequim o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman. "Isso prova que o Rio está pronto para sediar a Olimpíada de 2016". O que tinha uma coisa a ver com a outra?, perguntou a cara de espanto dos jornalistas. "Temos 277 atletas", sorriu Nuzman. "A Espanha, 16 anos depois dos jogos de Barcelona, tem 290. É quase a mesma coisa". Pena que o tamanho de delegação não se inclua entre os critérios que orientam a escolha da cidade-sede.

Pena, sobretudo, que não seja um esporte olímpico. Se fosse, o Brasil logo teria fortíssimas chances de superar em número de medalhas de ouro a Espanha (seis em Pequim) e, em seguida, qualquer potência olímpica. Porque o país tropical estaria para a modalidade como os Estados Unidos para o basquete, como a Jamaica para os 100 metros rasos. Fizemos bonito na China: além dos 277 competidores festejados por Nuzman, desembarcaram 192 não-atletas, o que faz a conta subir para 469 cabeças.

A lista inclui João Havelange, 92 anos, o mais idoso (e talvez o mais conhecido) cartola do planeta. O COB não informou se nela entraram também o presidente Lula, (que ficou por lá dois ou três dias) e o ministro Orlando Silva (que só se animou a voltar ao local de trabalho depois da festa de encerramento). Nenhum dos dois sabe como se escreve taekwondo (o Brasil buscou um bronze na modalidade), nem se as provas são disputadas num gramado ou num trampolim. Mas ambos endossaram com a voz firme de especialista o estranho raciocínio desenvolvido por Nuzman. O Rio merece a Olimpíada de 2016.

E o Brasil só precisa disso para entrar de vez no clube das potências pluriesportivas. Falta pouco, repetem cartolas e governantes desde 1920, quando o país estreou nos Jogos Olímpicos da era moderna e a equipe de tiro trouxe de Antuérpia uma medalha de ouro e uma de bronze. Falta tudo, discorda a interminável procissão de fiascos que os patriotas, os cretinos e os muito espertos fingem não enxergar.

Em 88 anos, incluídas as que premiaram os desempenhos soberbos de Maurren Maggi, de César Cielo e da seleção feminina de vôlei, o país conquistou 20 medalhas de ouro. Seis a mais que as obtidas pelo nadador Michael Phelps em duas Olimpíadas. O novo imperador das piscinas é um vencedor também por ter nascido nos EUA. Maurren, Cielo e as heroínas das quadras triunfaram apesar do país onde nasceram. Eles fazem parte do 1,1% da população economicamente ativa que pratica ou praticou algum esporte.

Um americano que nunca tenha corrido numa pista, saltado numa quadra, mergulhado numa piscina ou feito coisa parecida corre o risco de ser apontado nas ruas como um extravagante vocacional. Quase todos são ou foram, de alguma forma, esportistas. Lá, os campeões nascem no curso primário, crescem no colegial, aprendem na adolescência que vale a pena representar a escola em qualquer competição, aperfeiçoam-se nas equipes da universidade que lhes ofereceram bolsas e, quase sempre, enriquecem como atletas profissionais.

No País do Futebol, um jovem que passa a tarde inteira numa piscina em Santa Bárbara D´Oeste, como fazia César Cielo, ou uma garota bonita que gasta o tempo voando baixo numa pista de terra em São Carlos, caso de Maurren, parecem tão lógicos como um napoleão de hospício. A rainha do salto em distância deve a medalha a ela mesma. O nadador mais veloz do mundo não teria chorado ao som do Hino Nacional se não tivesse tido o patrocínio do pai e passado muitos meses em piscinas americanas, orientado pelo técnico australiano que só chegou a Pequim porque Cielo venceu também a ciumeira da cartolagem.

"Meu Deus, o que fiz de errado?", perguntava a grande Marta, olhando para o céu, depois da derrota na final do futebol feminino. Nada, deveriam ter berrado em coro todos os santos. Não se pode culpar a melhor jogadora do mundo por ter nascido aqui. Marta só teve a má sorte de chegar ao mundo pela mesma rota de Bárbara, a goleira da seleção, que entrou em campo pouco depois de saber que, com a dissolução do time brasileiro onde sobrevivia, perdera o emprego. Bárbara saiu do estádio com uma medalha de prata. Continua à procura de trabalho.


Publicado originalmente na Gazeta Mercantil.


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