John Hersey, o patriarca do new journalism
Primeiro, leiam o início de Hiroshima:
“No dia 6 de agosto de 1945,
precisamente às oito e quinze da manhã, hora do Japão, quando a bomba atômica
explodiu sobre Hiroshima, a srta. Toshiko Sasaki, funcionária da Fundição de
Estanho do Leste da Ásia, acabava de sentar-se a sua mesa, no departamento de
pessoal da fábrica, e voltava a cabeça para falar com sua colega da
escrivaninha ao lado. Nesse exato momento o dr. Masakazu Fujii se acomodava
para ler o Asahi de Osaka no terraço de seu hospital particular, suspenso sobre
um dos sete rios deltaicos que cortam Hiroshima; a sra. Hatsuyo Nakamura, viúva
de um alfaiate, observava, da janela de sua cozinha, a demolição da casa
vizinha, situada num local que a defesa aérea reservara às faixas de contenção
de incêndios; o padre Wühelm Kleinsorge, jesuíta alemão, lia a Stimmen der
Zeit, revista da Companhia de Jesus, deitado num catre, no terceiro e último
andar da casa da missão de sua ordem; o dr. Terufumi Sasaki, jovem cirurgião,
caminhava por um dos corredores do grande e moderno hospital da Cruz Vermelha
local, levando uma amostra de sangue para realizar um teste de Wassermann e o
reverendo Kiyoshi Tanimoto, pastor da Igreja Metodista de Hiroshima, parava na
porta de um ricaço de Koi, bairro oeste da cidade, para descarregar um carinho
de mão cheio de coisas que resolvera transferir para ali por temer o maciço
ataque dos B-29, que a população aguardava. Uma centena de milhares de pessoas foi
morta pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda
se perguntam por que estão vivas, quando tantos morreram. Cada uma delas
atribui sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade – um passo
dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não
outro. Agora cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uma dúzia de
vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver. Na época não sabiam
nada disso.”
Um ano depois da hecatombe nuclear, a prestigiada
revista The New Yorker enviou um
repórter a Hiroshima. Embora ainda
jovem, John Richard Hersey era um veterano correspondente de guerra. Nascido em
Tienstin, na China, em 17 de julho de 1914, na alvorada da Primeira Guerra Mundial, filho dos missionários americanos Roscoe e Grace Baird Hersey, mudou-se com a família
para os Estados Unidos aos dez anos de idade. Frequentou a Universidade de Yale
e fez pós-graduação em Cambridge. Em 1937, aos 23, arranjou emprego na Time. Na Segunda Guerra Mundial esteve
no front na Europa e na Ásia – cobriu a célebre batalha de Guadalcanal –, de
onde mandava reportagens para a Time,
a Life e a New Yorker. Naquele Verão (no Hemisfério Norte) de 1945, quando
completava 32 anos, Hersey foi escalado para realizar um trabalho que
revolucionaria não apenas sua vida e a da publicação, mas a história do
jornalismo.
Hersey
reconstituiu o instante da tragédia e seus desdobramentos nos tempos seguintes a
partir dos depoimentos de seis sobreviventes. Ao examinar os originais, Harold
Ross, o fundador da revista, e William Shawn, o editor, viram-se diante de um
material esplendoroso. Hersey não apenas retratara com maestria o
holocausto nuclear de Hiroshima e contara o drama daquela gente com incrível
requinte de detalhes. Ele fora muito além.
Ao
contrário dos rebuscados textos jornalísticos de então, na maioria permeados de
adjetivação, floreios e rococós, o artigo de Hersey primava pela objetividade e
pela prosa escorreita, na qual os substantivos reinavam absolutos sobre
escassos adjetivos, e com pouca interferência do autor. Ele não tentou forçar a
barra para tornar a narrativa dramática, e sim deixou os personagens contarem a
história. Isso mais do que bastava para emocionar. Os editores não tiveram
dúvidas de que estavam diante de um trabalho jornalístico portentoso e
inovador, não só na linguagem, mas também na forma. Hersey aliara a
objetividade jornalística aos conceitos da narrativa literária como ninguém
jamais o fizera. (Leia a continuação clicando no link abaixo).