quinta-feira, 6 de julho de 2017

PUBLICADO NO SITE OLIVRE.COM.BR
(26 de março de 2017)


SOB AS ARMAS DO FALIDO FELIZ

A tentativa de intimidação sofrida pelo repórter Bruno Abbud e pelo repórter fotográfico Ednilson Aguiar, de O LIVRE (foto), é, lamentavelmente, um episódio vivenciado com preocupante frequência por quem pratica jornalismo sério e independente. Homens que se julgam acima da lei, pelo poder político ou econômico, sempre que ameaçados costumam reagir com a arrogância e a truculência do fortão da aldeia. Análises mais profundas por certo apontariam causas freudianas, mas fiquemos na superfície.

Ao ler o relato do Bruno (clique aqui para ver o relato), com quem tive o privilégio de trabalhar durante a instalação de O LIVRE, lembrei-me de um episódio ocorrido quando eu estava na revista Época, no início do século. Eu era subeditor de economia, sob o comando de José Casado, e tendo como diretor de redação Augusto Nunes, não por acaso diretor geral de O LIVRE. Redações comandadas por Augusto sempre fazem o básico: jornalismo de verdade.
Os fatos: Ricardo Mansur, depois de quebrar as redes de varejo Mappin e Mesbla, foi desfrutar em Londres os louros da roubalheira – não há como se referir de outra forma aos atos de quem realiza gestão fraudulenta, destrói empresas tradicionais e deixa os ex-funcionários à míngua. Dinheiro não era problema para ele, que vivia como aristocrata. Mantinha até um time de polo, “o esporte dos reis”, algo bem emblemático, sob medida para escarnecer dos desvalidos ex-empregados, fornecedores e credores em geral, e da justiça brasileira. Entre suas muitas propriedades constava uma mansão no Morumbi, na região mais cara da capital paulista, cujo pátio abrigava meia dúzia de carrões importados, e um palacete, de riqueza ainda mais ostensiva, na localidade de Helvétia, em Indaiatuba, no interior paulista.
Mansur, ainda hoje às voltas com a justiça, foi flagrado jantando no Spago Beverly Hills, o restaurante das estrelas de Hollywood. Diante da cara de pau do meliante, Augusto cunhou o apelido de Falido Feliz, que passou a servir de cartola – ou chapéu, dependendo da região – às reportagens sobre ele. Eu acabei me tornando uma espécie de “setorista do Falido Feliz”. Foi nesta condição que viajei a Indaiatuba, acompanhado de um fotógrafo, para mostrar como ele vivia quando se encontrava na cidade. Mansur era um todo-poderoso do pedaço, dono de uma propriedade que rivalizava com a Casa Branca – mesmo –, instalada em frente ao clube de polo local, onde reinava seu filho, Ricardinho Mansur, notório por colecionar namoradas famosas e esbanjar a fortuna de origem obscura do pai.
Encaminhada boa parte da reportagem, o fotógrafo que me acompanhava, magro como poucas pessoas que conheci, tentou se esgueirar por entre as barras do imenso portão de ferro da propriedade a fim de fotografar a “Casa Branca” e o que mais pudesse. Mal tentou, voltou correndo assustado, jogou-me a bolsa, entramos no carro e fomos embora à velocidade possível, pois a burocracia da empresa nos alugara um Ford Ka. Na estrada vicinal de terra, fomos perseguidos, alcançados e interceptados por homens a bordo um off road e portando armas pesadas, pistolas de grosso calibre e talvez submetralhadoras – fica difícil identificar bem as armas quando estão apontadas para o nosso rosto. Obrigaram-nos a descer, revistaram-nos e exigiram os filmes – ainda não estávamos na era digital – enquanto, aos gritos e empurrões, ameaçavam nos matar.
Ao voltarmos para São Paulo, o fotógrafo me perguntou se deixaríamos por isso mesmo ou entraríamos com um processo, mas tive de lembrá-lo que eles poderiam processá-lo por invasão de propriedade privada, ainda que por segundos. Entendi que era melhor deixar por isso mesmo, a chefia também achou.
A questão central é que sempre, onde houver jornalismo de verdade, sério e independente, haverá ameaças de gente que se considera superior a questões comezinhas como honestidade, ética e transparência. E é por isso mesmo que insistiremos em tudo isso. Do contrário, deixaríamos de ser jornalistas.

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