(26 de março de 2017)
SOB AS ARMAS DO FALIDO FELIZ
A tentativa de intimidação sofrida pelo repórter Bruno Abbud e pelo repórter fotográfico Ednilson Aguiar, de O LIVRE (foto), é, lamentavelmente, um episódio vivenciado com preocupante frequência por quem pratica jornalismo sério e independente. Homens que se julgam acima da lei, pelo poder político ou econômico, sempre que ameaçados costumam reagir com a arrogância e a truculência do fortão da aldeia. Análises mais profundas por certo apontariam causas freudianas, mas fiquemos na superfície.
Ao ler o
relato do Bruno (clique aqui para ver o relato),
com quem tive o privilégio de trabalhar durante a instalação de O LIVRE,
lembrei-me de um episódio ocorrido quando eu estava na revista Época, no início
do século. Eu era subeditor de economia, sob o comando de José Casado, e tendo
como diretor de redação Augusto Nunes, não por acaso diretor geral de O LIVRE.
Redações comandadas por Augusto sempre fazem o básico: jornalismo de verdade.
Os fatos: Ricardo Mansur,
depois de quebrar as redes de varejo Mappin e Mesbla, foi desfrutar em Londres
os louros da roubalheira – não há como se referir de outra forma aos atos de
quem realiza gestão fraudulenta, destrói empresas tradicionais e deixa os
ex-funcionários à míngua. Dinheiro não era problema para ele, que vivia como
aristocrata. Mantinha até um time de polo, “o esporte dos reis”, algo bem
emblemático, sob medida para escarnecer dos desvalidos ex-empregados, fornecedores
e credores em geral, e da justiça brasileira. Entre suas muitas propriedades
constava uma mansão no Morumbi, na região mais cara da capital paulista, cujo
pátio abrigava meia dúzia de carrões importados, e um palacete, de riqueza
ainda mais ostensiva, na localidade de Helvétia, em Indaiatuba, no interior
paulista.
Mansur, ainda hoje às voltas
com a justiça, foi flagrado jantando no Spago Beverly Hills, o restaurante das
estrelas de Hollywood. Diante da cara de pau do meliante, Augusto cunhou o
apelido de Falido Feliz, que passou a servir de cartola – ou chapéu, dependendo
da região – às reportagens sobre ele. Eu acabei me tornando uma espécie de
“setorista do Falido Feliz”. Foi nesta condição que viajei a Indaiatuba,
acompanhado de um fotógrafo, para mostrar como ele vivia quando se encontrava
na cidade. Mansur era um todo-poderoso do pedaço, dono de uma propriedade que
rivalizava com a Casa Branca – mesmo –, instalada em frente ao clube de polo
local, onde reinava seu filho, Ricardinho Mansur, notório por colecionar
namoradas famosas e esbanjar a fortuna de origem obscura do pai.
Encaminhada boa parte da
reportagem, o fotógrafo que me acompanhava, magro como poucas pessoas que
conheci, tentou se esgueirar por entre as barras do imenso portão de ferro da
propriedade a fim de fotografar a “Casa Branca” e o que mais pudesse. Mal
tentou, voltou correndo assustado, jogou-me a bolsa, entramos no carro e fomos
embora à velocidade possível, pois a burocracia da empresa nos alugara um Ford
Ka. Na estrada vicinal de terra, fomos perseguidos, alcançados e interceptados
por homens a bordo um off road e portando armas pesadas, pistolas de grosso
calibre e talvez submetralhadoras – fica difícil identificar bem as armas
quando estão apontadas para o nosso rosto. Obrigaram-nos a descer,
revistaram-nos e exigiram os filmes – ainda não estávamos na era digital –
enquanto, aos gritos e empurrões, ameaçavam nos matar.
Ao voltarmos para São Paulo,
o fotógrafo me perguntou se deixaríamos por isso mesmo ou entraríamos com um processo,
mas tive de lembrá-lo que eles poderiam processá-lo por invasão de propriedade
privada, ainda que por segundos. Entendi que era melhor deixar por isso mesmo,
a chefia também achou.
A questão central é que
sempre, onde houver jornalismo de verdade, sério e independente, haverá ameaças
de gente que se considera superior a questões comezinhas como honestidade,
ética e transparência. E é por isso mesmo que insistiremos em tudo isso. Do
contrário, deixaríamos de ser jornalistas.
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