Relíquias em preto e branco
Meu pai gostava tanto de fotografar quanto de ser fotografado, numa época em que câmeras eram caras, muitas vezes precárias, e fotografar exigia certo esforço, sem contar a burocracia e os custos de revelação e cópias. Graças a este gosto, e aos cuidados de minha mãe na preservação do arquivo, tenho hoje a possibilidade de digitalizar (em alguns casos, com grande perda de qualidade, até por minhas condições amadoras) verdadeiras relíquias.
Além disso havia o capricho dele em anotar atrás das fotos o local, a situação, a data e o que mais considerasse relevante, em letra inteligível e bonita. Minha mãe sempre brincava que, ao contrário do que costumava acontecer, a letra bonita da casa era a do menino, e não a da menina.
Publiquei no FB algumas destas jóias, cujas legendas são, na maioria, as que ele mesmo anotou, por isso estão entre aspas.
Outro detalhe curioso. Meu pai deveria se chamar Eliziário Bueno, mas, ao fazer ele próprio seus primeiros documentos "de adulto", optou por utilizar o Rocha, sobrenome da mãe, e tirou o Bueno do pai. Segundo ele me explicou, não se tratava de qualquer problema em relação ao pai, ele simplesmente não gostava de Bueno, preferia Rocha, foi uma decisão puramente estética.
Percebe-se pelas anotações nas fotos que na juventude ele utilizava a forma reduzida Elizio. Depois passou a ser o Eliziario (eu uso com acento, ele usava sem) e finalmente adotou em definitivo Rocha como forma preferencial de tratamento. Por isso, por ele ser o Rocha, eu ao natural usei sempre o primeiro nome, até para não confundir, embora eu não seja Júnior, pois tenho o Goulart de minha mãe.
A foto que ilustra este texto (no escritório da Otaic S.A. São Paulo, em novembro de 1952) é a minha preferida deste "lote", pela composição do quadro e pela luz. Para olhar o álbum inteiro, faça-me uma visita no FB. O ícone na coluna à direita leva direto para minha página.
Reparto com vocês algumas curiosidades familiares nesta época de lembranças e balanços.
Um grande 2014 para todos.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
Lorem, uma leitora especial
Lorem Krsna tem 21 anos, nasceu
em Icaraí, Ceará, em 5 de novembro de 1992, migrou para Juazeiro do Norte para cursar
a faculdade de odontologia e, desde setembro deste ano, encontra-se na
Austrália, onde permanecerá como bolsista pelo período de um ano e meio. Gosta
de música e de livros, de escrever (loremkrsna.blogspot.com.br) e de trabalhar com pesquisas. Adora cães e,
principalmente, gatos, ama bolo de cenoura com calda de chocolate e é fanática
por chá e café.
Quando tinha 13 anos, Lorem leu
minha ficção infanto-juvenil Elyakan e a
Desordem dos Sete Mundos, lançada em 2002. Tempos depois, aos 18,
publicou um comentário em seu blog. Neste momento, em que ela passa por
sensações únicas, de experiências e ricas descobertas em Brisbane, no outro
lado mundo, ao mesmo tempo em que administra a dor de uma grande perda ocorrida
às vésperas do Natal, resolvi fazer um agradecimento público e lhe prestar esta
homenagem.
Lorem e eu nunca nos vimos no
mundo real, mas eu a convidei para me ajudar a escrever um eventual segundo
episódio de Elyakan que, caso eu
venha a produzir um dia, terá sido por insistência desta leitora muito
especial. Eis o texto dela:
“Há alguns anos li um livro que
encontrei por acaso em uma bienal em Fortaleza. Digo por acaso porque foi
mesmo. Caiu em cima do meu pé...
Mas, enfim, era um livro
intitulado Elyakan e a Desordem dos Sete Mundos, e isso chamou-me a atenção até
mais do que a maneira com que ele veio até mim. Acabei comprando e não me
arrependi.
domingo, 22 de dezembro de 2013
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
A noite de Natal
Em 2003, quando minhas filhas mais novas estavam com 5 e 3 anos, certa vez, tendo esgotado meu repertório de histórias de ninar, resolvi escrever um conto infantil de Natal exclusivo para elas. Agora o encontrei ao organizar arquivos antigos. Quem sabe possa ser útil a algum pai com repertório esgotado.
Em 2003, quando minhas filhas mais novas estavam com 5 e 3 anos, certa vez, tendo esgotado meu repertório de histórias de ninar, resolvi escrever um conto infantil de Natal exclusivo para elas. Agora o encontrei ao organizar arquivos antigos. Quem sabe possa ser útil a algum pai com repertório esgotado.
Na noite de Natal Papai
Noel sempre aparece, isso todo mundo sabe. O que ninguém sabia até agora é que
houve uma vez em que ele quase não apareceu. Ou será que não foi bem assim?
As crianças estavam prontas, haviam colocado roupa nova e
esperavam com ansiedade pela chegada do velhinho de barba branca que traz presentes
e gosta de dizer hou-hou-hou-hou. Ninguém sabe por que ele diz isso, mas não
importa. Enquanto mamãe preparava a comida, suas duas filhinhas, Lísia e Milla,
olhavam pela janela a todo instante. Elas mal podiam esperar. Logo Papai Noel
chegaria carregado de presentes. Elas suavam bastante. Fazia calor, mas o
motivo principal do suor era o nervosismo pela espera.
Hora após hora elas grudaram seus rostinhos delicados na vidraça, observaram o pisca-piscar dos arranjos de luz e o alvoroço das pessoas, muitas chegando às casas vizinhas para a ceia, muitas deixando as casas vizinhas para cear em outro lugar, o som estridente das buzinas e o estouro dos fogos de artifício a desenhar formas coloridas no céu. Tudo muito lindo, mas onde estava Papai Noel? Para entendermos direito esta história é necessário voltarmos no tempo. Na casa das meninas, era aquele mesmo dia. Em certo lugar, cuja passagem de tempo era diferente, uns dez dias antes.
Hora após hora elas grudaram seus rostinhos delicados na vidraça, observaram o pisca-piscar dos arranjos de luz e o alvoroço das pessoas, muitas chegando às casas vizinhas para a ceia, muitas deixando as casas vizinhas para cear em outro lugar, o som estridente das buzinas e o estouro dos fogos de artifício a desenhar formas coloridas no céu. Tudo muito lindo, mas onde estava Papai Noel? Para entendermos direito esta história é necessário voltarmos no tempo. Na casa das meninas, era aquele mesmo dia. Em certo lugar, cuja passagem de tempo era diferente, uns dez dias antes.
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
As 10 coisas que eu decididamente não farei neste Natal
10. Ficar 10 horas na BR-101 na ida para o "feriadão".
9. Ficar 10 horas na BR-101 na volta do "feriadão".
8. Emocionar-me com o comercial do Zaffari.
7. Ir ao shopping no dia 24, minutos antes de fechar.
6. Comer como se o mundo fosse acabar.
5. Cantarolar "jingle bell, acabou o papel...".
4. Perguntar a amigos que ganham kit da empresa se "já pegou o peru?"
3. Assistir ao show do Roberto Carlos na Globo.
2. Bancar o meigo com qualquer chato em nome do "espírito de Natal".
1. Ouvir a Simone cantar Então é Natal.
10. Ficar 10 horas na BR-101 na ida para o "feriadão".
9. Ficar 10 horas na BR-101 na volta do "feriadão".
8. Emocionar-me com o comercial do Zaffari.
7. Ir ao shopping no dia 24, minutos antes de fechar.
6. Comer como se o mundo fosse acabar.
5. Cantarolar "jingle bell, acabou o papel...".
4. Perguntar a amigos que ganham kit da empresa se "já pegou o peru?"
3. Assistir ao show do Roberto Carlos na Globo.
2. Bancar o meigo com qualquer chato em nome do "espírito de Natal".
1. Ouvir a Simone cantar Então é Natal.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Enter
Vivemos a era da super, ou über, ao estilo das tops, exposição. Lambanças ao vento. Nada é privado demais para se restringir a petit comité, no paroxismo, sequer a quatro paredes. Só privadas permanecem privadas. Still. O que se sofre e o que se goza é para manter em segredo, diria Paulo Francis esbravejando com as paredes da cripta.
Vivemos a era da super, ou über, ao estilo das tops, exposição. Lambanças ao vento. Nada é privado demais para se restringir a petit comité, no paroxismo, sequer a quatro paredes. Só privadas permanecem privadas. Still. O que se sofre e o que se goza é para manter em segredo, diria Paulo Francis esbravejando com as paredes da cripta.
Turista é um sujeito
que viaja milhares de quilômetros para tirar fotos ao lado de uma estátua, falava-se
com o exagero das tiradas pseudocômicas. Deixou de ser cômico. Deixou de
ser pseudo. Alguns poucos minutos esquecendo-se da rotina, curtindo o passeio e
aproveitando as delícias do lugar, apesar dos gerúndios, mas muitas horas
fazendo pose para o celular. Sinta o clima gostoso, a paisagem exuberante, o
cheiro das coisas e pessoas, o ar ancestral... Ah, depois, primeiro deixa eu
registrar para postar no face.
E que venham as críticas
dos chatiados assassinos do idioma, o face é seu, você posta o que quiser. Todo
mundo é ousadinho e valentão virtual, barraqueiros se locupletam. Não é preciso olhar nos olhos, barbada. O toque refinado acabou, o gesto delicado, a palavra não dita, mas deixada no ar, evaporaram-se. O meio exige tudo explícito, perdeu-se a sutileza, tão indispensável
à arte da sedução quando à da comunicação. O que é exposto demais não se permite ser
sutil, o que é consumo rápido, um instrumento que é a mais genuína expressão do
capitalismo global sendo utilizado às fartas para criticar o mais genuíno
capitalismo global.
O cutucão virtual é o fiu-fiu pós-moderno, para usar a
palavra predileta dos acólitos da chatérrima escola neo (ainda neo? Eternamente
neo?) filosófica francesa que já foi fin de siècle, mas está demorando a
desencarnar. Promessas fáceis que se desvanecerão como seu melhor jeans, ecoa a
velha canção. Por que pedir a lua e as estrelas? Você não leva nosso
relacionamento a sério. Claro que levo. Ah é? Então coloca aí que está em um relacionamento
sério comigo. Não se acrescenta, adiciona-se, sinônimos apenas no sentido
literal. Não se encara o tenso encontro de despedida, exclui-se. Não se rompe frente
ao semblante tristonho e decepcionado, bloqueia-se. Para que um encontro final difícil? Pressione uma tecla e o recado estará dado.
Não mais anotações nas
margens de livros e revistas, em guardanapos, versos de embalagens e no que se
tivesse à mão nas horas das reflexões não programadas, bêbadas ou sóbrias, de
todo modo embriagadas, despejadas como orações pagãs, miríades de vocábulos empolgados
e carinhosos, ou vitupérios ressentidos e chorosos, em cantinhos de papel, destinados
a serem vistos apenas por biógrafos, caso o autor fizesse por merecer,
dificilmente enviados ao maldito amado desgraçado querido destinatário.
Bico de pena à luz de velas, carta, papel de carta
(até perfumado!), lápis, borracha, caneta, rascunho, borrão, passar a limpo, copiar,
envelopar, selar, levar aos Correios, arrepender-se na última hora, rasgar ou
interceptar o carteiro na entrega, começar de novo, e aí máquina de escrever, rascunho,
fita enroscada, passar a limpo e o resto todo, máquina com corretivo, só
escrever e o resto todo, computador, pensamentos editados, o que pode ser bom,
mas pode ser ruim, e o correio eletrônico e as redes sociais, sem o resto
todo, e é tarde demais para se arrepender, enter clicado e flecha lançada são
coisas que não voltam. ENTER.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
Trancado no banheiro com Renato
Portaluppi
Quando o Grêmio voltou de Tóquio
com o título mundial, em dezembro de 1983, eu, repórter novato (leia mais no
texto anterior), fui novamente escalado para uma pauta de “ambiente”. A
delegação foi recebida por milhares de torcedores no aeroporto, deslocou-se em
carro de bombeiros até o Olímpico, com multidões a saudá-la em todo o trajeto e
outros milhares a sua espera no estádio. Era um dia muito quente e abafado. Eu,
que não estava em carro aberto e tampouco abastecido pela adrenalina que só os
campeões mundiais poderiam experimentar naquele momento, acompanhei o percurso
numa Kombi do jornal, uma espécie de sauna a se mover pelo calorão do início de
tarde.
Já no Olímpico, fui atrás de mais
informações ou entrevistas, para não ficar apenas no texto descritivo ou nos
depoimentos de torcedores, embora esse fosse mesmo o foco principal de minha
missão. Evidentemente, conversar com o Renato, herói do título, era o que todos
ali queriam, e os jornalistas ainda mais. Não sendo de TV ou rádio, e tendo nas
mãos uma pauta secundária, minhas chances seriam mínimas. Resolvi sair um pouco
do sufoco em meio à multidão e foi até um banheiro passar uma água no rosto
para me refrescar.
Poucos segundos depois, vejo
entrarem no vestiário Renato e sua mãe, seguidos por seguranças que em seguida fecharam
a porta e bloquearam o acesso. O cansaço da longa viagem e do desfile em carro
aberto sob um sol escaldante, somados ao calor de uma massa querendo demonstrar
sua gratidão de modo um tanto desmedido, como costuma ser com as massas,
fizeram com que o jovem herói do título se sentisse mal, por isso fora parar
ali a fim de respirar um pouco.
Não recordo bem, talvez tenham
entrado outras poucas pessoas, assessores e quem sabe repórteres. De todo modo,
para quem precisava descrever o ambiente da chegada dos campeões do mundo, com
os melhores detalhes e opiniões, ficar trancado no banheiro com o Renato veio
bem a calhar. Foi o meu lance de sorte naquele dia e uma justa recompensa por
ter passado horas torrando dentro de uma Kombi.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
A inesquecível noite de 11 de
dezembro de 1983
Depois de três anos na revisão do
jornal Zero Hora, dois dos quais numa precoce chefia, e tendo me formado em
jornalismo no final de 1982, em meados do ano seguinte recebi uma oportunidade
de passar para a redação. As portas foram-me abertas por Emanuel Mattos, grande
editor de uma grande (nos dois sentidos) equipe de esportes. Comecei no “Esporte
Amador”, como à época se rotulava tudo que não fosse futebol ou competições automobilísticas.
Em seguida tornei-me subeditor de “amador”, sob a liderança competente e gentil
do saudoso Evaldo Gonçalves, e logo virei responsável pela pré-cobertura dos
Jogos Olímpicos de Los Angeles, que seriam realizados no ano seguinte.
Era nessa condição que eu me
encontrava no final de 1983, quando o Grêmio foi para Tóquio decidir o título
mundial contra o Hamburgo. Mesmo não sendo “do futebol”, em ocasiões assim
especialíssimas toda a equipe era mobilizada. Como novato da equipe, fui
escalado para aquilo que chamávamos de pauta “ambiental”. Nada a ver com meio
ambiente, mas com descrever o ambiente, ou seja, o comportamento das pessoas
diante de um fato.
Saí da redação antes do início do
jogo, já próximo da meia-noite, na companhia do fotógrafo Arivaldo Chaves, com
a missão de percorrer os principais bares e casas noturnas de Porto Alegre e
registrar a emoção dos torcedores assistindo à partida em TVs e telões. Passamos
por muitos lugares e, em cada um deles, fomos “intimados” a beber ao menos um
copo, uma latinha, uma dose. Estávamos a trabalho, e eu era bem conservador,
mas, depois de alguma insistência, quando pareceria soberba não aceitar a
gentileza, bem, o que fazer, eu acabava aceitando.
Voltei para a redação um tantinho
bêbado, e a tempo de assistir à prorrogação e ao gol decisivo do Renato. A
equipe, na maioria gremista, deixou extravar a emoção. O grupo era, digamos,
pouco convencional, mas funcionava. Garantido o título, Grêmio campeão do
mundo, era hora de esquecer a tonteira e a empolgação, tínhamos um jornal para
fechar, lá pelas três de madrugada. Não apenas um jornal, mas uma edição
histórica. Por todas as razões, como jornalista e como torcedor do Grêmio, foi
uma noite inesquecível.
sábado, 7 de dezembro de 2013
O
batom na cueca e o preservativo clandestino
Segundo o velho dito popular, “tudo tem
explicação, menos batom na cueca”.
Sempre acreditei que, de fato, não havia justificativa possível para tal,
digamos, evidência, até que um dia...
Na época eu jogava (mal, mas jogava)
tênis regularmente, hábito que tento retomar. Certa vez, depois de
praticar um pouco pela manhã, cheguei e fui direto para o chuveiro. Quando já me vestia para almoçar e em seguida ir para o trabalho, minha mulher
entrou no quarto e, segundos depois, começou a gritar e me xingar, mas não
dizia por quê. Quando eu tentava perguntar o motivo da confusão, ela respondia
com o clássico “e ainda se faz de desentendido, seu cara de pau!” Deve ter dito
coisa pior, mas vamos manter a elegância do texto.
Como eu insistia em afirmar que não
sabia do que se tratava, ela enfim disse: “Este batom na tua cueca! Não
te faz de bobo, calhorda”, ou algo assim. Olhei para minha cueca, de fato havia
na barra algo ínfimo, mas que parecia mesmo uma marca de batom. “E tem a
coragem de mentir que estava jogando tênis.” A bronca persistiu por alguns
segundos. Como sempre acontece com quem se descontrola emocionalmente, ela
estava “cega” demais para perceber algo evidente e que eu tentava, em vão,
explicar: aquela cueca eu acabara de retirar da gaveta, a que eu usava antes
ficara no cesto de roupas do banheiro. Então, ainda que fosse uma marca de
batom, não seria daquele momento. E como ela costumava administrar a lavagem,
além de dobrar e guardar as minhas roupas, certamente teria visto antes, se
fosse o caso.
O mistério e a bronca persistiram até a
mãe dela chegar para o almoço. Ocorre que nossa máquina de lavar estava no
conserto. Como a mãe morava perto, ela levara as roupas para lavar lá. Depois,
minha então sogra fizera a gentileza de secar, passar e já trazer tudo pronto. Ao
verificar a roupa no varal, seguindo um hábito de gerações, encostava as peças
de roupa na bochecha para ver se estavam de fato secas. Muito vi minha avó
fazer isso quando eu era garoto. Num descuido, esbarrou no batom o suficiente
para deixar uma marca bem pequena, mas gigantesca aos olhos de uma esposa
enfurecida.
Passada a bronca, vieram as risadas e,
por fim, a constatação de que daquele dia em diante já não valia mais o dito
popular, pois tudo tem explicação, até batom na cueca.
Mas pode um preservativo surgir do nada
em uma sacola de compras? Pode.
Esta aconteceu há poucos dias. Eu havia
feito compras em um shopping e carregava uma sacola da loja quando entrei na
farmácia em busca de analgésicos. Comprei, paguei e, já na saída, resolvi me
pesar. Pendurei a sacola naquele gancho na lateral da balança, pesei-me e fui
embora. Depois de dar uns poucos passos olhei para a sacola para ver se
havia ajeitado de modo adequado o pequeno saco plástico da farmácia para que
ele não caísse no caminho. Foi quando vi, solta dentro da sacola, a embalagem
bastante chamativa de um preservativo com os seguintes “dizeres”:
Prudence Cores e Sabores
Morangão
58mm – XXG
Enorme e com sabor.
Meu primeiro pensamento foi de voltar à
farmácia e devolvê-lo. Em seguida, pensei no que iria dizer. “Olha, eu não sei
como este preservativo foi parar dentro de minha sacola...” Mas logo concluí que
eu provavelmente me incomodaria de alguma forma, achariam que roubei e me
arrependi, por exemplo. Imaginei dizer: “Pensem bem, é claro que eu não
roubaria isso, por que diabos eu iria querer tamanho XXG, sou um cara
realista...” Mesmo assim, concluí que daria trabalho explicar, e como não era
algo de muito valor, melhor deixar pra lá.
A dúvida, no entanto, persistia: como
aquilo fora parar dentro da sacola de compras? Dias depois encontrei um amigo,
contei o que havia ocorrido e ele decifrou o enigma. “Tem um totem de venda de preservativos
ao lado da balança, bem próximo mesmo, sempre esbarro nele quando vou me pesar,
você deve ter batido com a sacola e uma embalagem foi parar lá dentro.” Pelo
que o conheço, ele provavelmente costuma é esbarrar na balança quando vai
comprar preservativos, mas isso não é da minha conta. O importante é que o
pequeno mistério estava esclarecido. E a embalagem repousa em uma gaveta de
minha mesa de trabalho. Fechada, é claro, e assim permanecerá até que eu a
ponha no lixo, afinal, é “morangão XXG”.
terça-feira, 5 de novembro de 2013
A revolta dos sem-Ferrari
A indignação excessiva de alguns com as declarações do "rei do camarote" (que existe sim, e não entendo por que teria de ser fake) é um emblema da banalidade, da hipocrisia e da falta de noção de muitos usuários de redes sociais.
Para mim ele é apenas um idiota a mais num mundo repleto de idiotas. Se ele exibe em uma publicação nacional seu mundo de Ferrari, grifes de luxo, contas de R$ 70 mil e champagne a rodo (pagos com o dinheiro dele, seja lá como o ganhe) é só porque tem mais grana do que este pessoal que entope a própria linha do tempo todos os dias com postagens sobre:
- Viagens e mais viagens a lugares maravilhosos.
- Chek in em aeroportos de paragens charmosas.
- Hospedagem em hotéis e pousadas de luxo.
- Jantares em restaurantes exclusivos.
- Mesas postas com pratos caros e bebidas caras.
- Produtos caríssimos que acabaram de adquirir.
- A nova e deslumbrante decoração do apartamento.
- Uma dura rotina de academia, cabeleireiro, pub e balada.
E por aí vai. Não postam fotos com Ferrari porque não têm Ferrari.
De fato, redes sociais são, em grande parte, feitas pra dar vazão ao exibicionismo, fake ou não. Quem não tem muito dinheiro, exibe a forma física, a beleza, as habilidades atléticas ou artísticas, sua cultura "superior" e etc. No fundo dá tudo na mesma. Mas, ao menos os da lista acima deveriam ficar quietos nessa hora.
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Todas as notícias que merecem ser vividas
Tudo acerca do New York Times, historicamente o melhor jornal do mundo, reveste-se de ancestralidade. Seu lema, o norte da redação, “todas as
notícias que merecem ser publicadas”, tem inspirado gerações de jornalistas.
Difícil criar mote mais emblemático, e por certo é presunçoso tentar, mas um dia imaginei um jornal dotado de uma bússola precisa como a do Times,
embora com foco em outro modo de entender o que é importante no mundo. Isso foi bem antes da explosão da internet e da aparente sentença de morte dos
jornais impressos. E, convenhamos, certas coisas só emplacam no papel, ainda
que solte tinta, cheire mal e esteja destinado a embrulhar peixes no dia
seguinte.
Neste despretensioso exercício, como todo presunçoso, não fui
original, apenas pensei em adaptar o slogan do NYT a um modo de enxergar a vida do homem comum
por meio de lentes um tanto quanto hedonistas: “Todas as notícias que merecem
ser vividas”. Os jornais se ocupavam mais, e seguem se ocupando, dos assuntos
considerados importantes, e bem menos daqueles que poderíamos classificar como “interessantes”.
Todo jornalista que se preza sabe disso, bem como sabe que as chamadas
informações “macro” são inescapáveis. A morte do líder do Talibã, a previsível
quebradeira do castelo de cartas trucadas de Eike Batista ou um tiroteio no
aeroporto de LA são importantes porque, queiramos ou não, o mundo é um só, a economia
e a política, internas e externas, inevitavelmente se interligam, e mesmo informações
de face remota e árida poderão impactar nossa vida em algum tempo, e irão.
Meios de comunicação convencionais descobriram, há apenas uns 20 anos, por aí, e muito tardiamente, que a vida do “leitor
comum” passava ao largo de 90% do conteúdo que publicavam todos os dias. O
esforço para recuperar o tempo perdido tem, a partir de então, produzido prodígios
patéticos, incontáveis chavões e algumas simples tolices. Desde que as redações
descobriram a pólvora de que a morte de um jovem deveria ser abordada não pelo que
aconteceu, mas pelo que deixou de acontecer, a expressão “vida interrompida” é
utilizada à exaustão. É só um exemplo. O bafo na nuca emitido pela internet e,
concedamos, pelo “clamor das ruas”, acuaram os produtores de notícias. A
informação tornou-se propriedade de todos e, portanto, de nenhum. Conceitualmente, ótimo. Mas, é óbvio, a
qualidade, a profundidade e a seriedade dos noticiosos virtuais é, de modo
geral, lastimável, para dizer o mínimo, mas aí já se trata de outra e longa discussão.
Voltando à presunção, “todas as
notícias que merecem ser vividas” é muito mais do que ampliar os espaços de
cultura, lazer, gastronomia e etc. Isso qualquer um faz. Sintonizar-se aos tempos
atuais, ao “leitor comum” sem afetações ou excessos que beiram o infantil é um
desafio e tanto. Ninguém tem a fórmula, a julgar pelas publicações tolinhas que
pululam por aí sob uma fachada de seriedade e consistência que não se sustenta,
considerando-se seu declínio cada vez mais acelerado. É claro que eu não conheço o
ingrediente mágico, apenas tive um pensamento presunçoso.
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Uma
viagem memorável ao Vietnã
O texto a seguir foi publicado na edição de agosto da revista Hotelnews.
O Vietnã sempre me despertou grande interesse. Quando fui a Tóquio cobrir Grêmio x Ajax pelo Mundial de Clubes, em dezembro de 1995, aproveitei e, na sequência, rumei para aquele país na companhia do fotógrafo Ricardo Chaves. O Kadão, cujo apelido alude aos seus bem mais de cem quilos, mas poderia se referir ao talento e à elegância, foi um parceirão o tempo todo, e com ele vivi algumas experiências divertidas. Começamos pela capital Hanói, depois fincamos sede em Huế – antiga capital imperial e palco de uma das mais sangrentas batalhas do conflito, durante a célebre Ofensiva do Tet, em 1968 – e encerramos com uma temporada em Saigon, base americana na guerra e hoje oficialmente chamada de Ho Chi Minh City.
O Vietnã sempre me despertou grande interesse. Quando fui a Tóquio cobrir Grêmio x Ajax pelo Mundial de Clubes, em dezembro de 1995, aproveitei e, na sequência, rumei para aquele país na companhia do fotógrafo Ricardo Chaves. O Kadão, cujo apelido alude aos seus bem mais de cem quilos, mas poderia se referir ao talento e à elegância, foi um parceirão o tempo todo, e com ele vivi algumas experiências divertidas. Começamos pela capital Hanói, depois fincamos sede em Huế – antiga capital imperial e palco de uma das mais sangrentas batalhas do conflito, durante a célebre Ofensiva do Tet, em 1968 – e encerramos com uma temporada em Saigon, base americana na guerra e hoje oficialmente chamada de Ho Chi Minh City.
Em Hanói vivemos a experiência algo
perturbadora de atravessar cruzamentos de largas avenidas sem sinais de
trânsito ou qualquer regra, entre automóveis, caminhões, ônibus, motos,
lambretas, bicicletas, riquixás e muita gente, tudo junto e misturado, na base
do drible mesmo, tanto quanto experimentamos becos residenciais ou de intenso
comércio. Numa rua calma, quase sem movimento, alguns meninos jogavam futebol.
A bola foi chutada em minha direção, fiz algumas embaixadas e a devolvi, para
“delírio da galera”, até porque usávamos bonés com o logo da empresa e a
bandeira do Brasil. “Ronaldo, Romário” começaram a falar os meninos, enquanto o
Kadão – com bolsa de fotógrafo e tudo – e eu brincávamos com eles por alguns
minutos.
Senti-me no filme Bom Dia, Vietnã, e aí me lembrei de observar os rostos das mulheres.
Os homens vietnamitas são, quase todos, muito feios, na boa, mas há abundância
de mulheres lindas, constatação feita já a partir da tripulação do Boeing 737
estalando de novo da Vietnã Airlines no qual havíamos embarcado na escala em
Taiwan. Em Hanói fixei-me no rosto de uma e a segui mentalmente na multidão,
mas ela logo estava ali, e lá, e em várias outras, como no filme, todas com o
mesmo corte nos cabelos negros e as roupas típicas locais, que acho bem interessantes,
por sinal – as vestimentas e as mulheres. Uma beleza sedutora, mas com poucas
variações, digamos.
Ainda em Hanói, Kadão decidiu fazer uma foto do caótico movimento numa das principais avenidas. Não havia prédios altos por perto, e mesmo os mais baixos eram inacessíveis, pois não conseguíamos explicar aos temerosos ocupantes que se tratava de uma simples foto. Paranoias de país comunista. Kadão não teve dúvidas: escalou um trêmulo poste de madeira e fez a foto. Eu não resisti à tentação de dizer que espalharia história diferente: um homem daquele tamanho, balançando em cima de um poste, numa terra de gente miúda, não conseguira fazer a foto do trânsito porque o trânsito simplesmente parara diante de tal visão.
Obviamente, não faltaram momentos emocionantes e comoventes durante esta viagem, mas aqui, pelo foco da revista, convém que eu me atenha à parte mais light. Cumprimos o trajeto entre Hanói e Huế num turbohélice francês bem velhinho, pequeno e desconfortável. Depois de pedir para o Kadão parar brigar com um comissário que o obrigou a deixar o tripé com ele – e o devolveu quebrado –, briga inútil, um falando em inglês com sotaque brasileiro, o outro no incompreensível idioma vietnamita, eu tentava relaxar um pouco na precária poltrona quando o avião – de no máximo uns 20 lugares, muitos deles vazios – começou a sacudir. Demorei alguns segundos para perceber que não se tratava de turbulência, e sim do Kadão tentando matar a pontapés uma barata de boas proporções.
Já em Saigon, cidade mais moderna e cosmopolita, até em função da ocupação americana na guerra, hospedamo-nos num hotel barato qualquer, o primeiro decente que achamos, mas, depois de tantos dias comendo qualquer coisa em breves paradas ao longo das poeirentas estradas do interior do país, espanando as moscas da suspeita mistura de arroz empapado com algo que lembrava frango desfiado, decidimos jantar num belo restaurante com cardápio internacional. Tentamos a todo custo convencer nosso intérprete, Nguyễn Nghiễm Ngầm (pronuncia-se “Inhém Inhám”) a nos acompanhar, no entanto, como ele era funcionário público (mas nós pagamos pelo serviço), creio que não conseguimos, pois isso poderia ser considerado suborno, com graves consequências para ele. O restaurante era muito bom, a comida excelente, mas o que marcou mesmo foi o maître, absolutamente idêntico ao filipino de modos afetados e trajes escandalosos dono do bar em Bom Dia, Vietnã. Cheguei a pensar que se tratava de uma paródia, mas não, era sério.
Ainda em Hanói, Kadão decidiu fazer uma foto do caótico movimento numa das principais avenidas. Não havia prédios altos por perto, e mesmo os mais baixos eram inacessíveis, pois não conseguíamos explicar aos temerosos ocupantes que se tratava de uma simples foto. Paranoias de país comunista. Kadão não teve dúvidas: escalou um trêmulo poste de madeira e fez a foto. Eu não resisti à tentação de dizer que espalharia história diferente: um homem daquele tamanho, balançando em cima de um poste, numa terra de gente miúda, não conseguira fazer a foto do trânsito porque o trânsito simplesmente parara diante de tal visão.
Obviamente, não faltaram momentos emocionantes e comoventes durante esta viagem, mas aqui, pelo foco da revista, convém que eu me atenha à parte mais light. Cumprimos o trajeto entre Hanói e Huế num turbohélice francês bem velhinho, pequeno e desconfortável. Depois de pedir para o Kadão parar brigar com um comissário que o obrigou a deixar o tripé com ele – e o devolveu quebrado –, briga inútil, um falando em inglês com sotaque brasileiro, o outro no incompreensível idioma vietnamita, eu tentava relaxar um pouco na precária poltrona quando o avião – de no máximo uns 20 lugares, muitos deles vazios – começou a sacudir. Demorei alguns segundos para perceber que não se tratava de turbulência, e sim do Kadão tentando matar a pontapés uma barata de boas proporções.
Já em Saigon, cidade mais moderna e cosmopolita, até em função da ocupação americana na guerra, hospedamo-nos num hotel barato qualquer, o primeiro decente que achamos, mas, depois de tantos dias comendo qualquer coisa em breves paradas ao longo das poeirentas estradas do interior do país, espanando as moscas da suspeita mistura de arroz empapado com algo que lembrava frango desfiado, decidimos jantar num belo restaurante com cardápio internacional. Tentamos a todo custo convencer nosso intérprete, Nguyễn Nghiễm Ngầm (pronuncia-se “Inhém Inhám”) a nos acompanhar, no entanto, como ele era funcionário público (mas nós pagamos pelo serviço), creio que não conseguimos, pois isso poderia ser considerado suborno, com graves consequências para ele. O restaurante era muito bom, a comida excelente, mas o que marcou mesmo foi o maître, absolutamente idêntico ao filipino de modos afetados e trajes escandalosos dono do bar em Bom Dia, Vietnã. Cheguei a pensar que se tratava de uma paródia, mas não, era sério.
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
Eliziário de onde?
Chego para uma reunião e me apresento à secretária. Ela pega o telefone e, antes de me anunciar, pergunta: “De onde?” Apenas repito: “Meu nome é Eliziário”. Ela insiste: “Sim, mas, de onde?” Neste meio tempo a chefia já ouvira o diálogo e dissera para ela me deixar entrar. Cenas assim são cada vez mais frequentes em nossa sociedade, e eu confesso que sempre me irritam. No caso de um encontro agendado, basta anunciar o nome. A pessoa solicitada decidirá se quer me ver ou não. Se eu disse apenas o nome, é sinal de que ela me conhece, ou seja, não sou, por exemplo, um vendedor que por acaso bateu àquela porta.
Mas não adianta, a pergunta é insistente: “De onde?” Como não vale a pena me incomodar por isso, às vezes respondo “do Escritório da Informação”, meu “nome jurídico”. Desconfio que poderia dizer “da Astron Plus”, da “Empreendimentos Bevilacqua” ou da “Rocha & Rocha Consultores” e daria no mesmo. Só querem uma pessoa jurídica, algo que prove que eu mereço ser recebido, pois pessoas físicas, sabemos, não merecem a menor confiança.
Poderia dar respostas como “de Porto Alegre”, “de mamãe e papai”, “da grande nação tricolor”, mas a mais simples eu aprendi com o amigo jornalista Jorge Olavo de Carvalho Leite. Há mais de 20 anos, ele já respondia: “De mim mesmo”. Identifiquei na frase uma certa rebeldia contra o mundo dominado pela pessoa jurídica. Eu sou eu, e isso deveria bastar.
Já nem estranharei se, um dia, ao pedir uma pizza por telefone e me identificar, perguntarem:
– Eliziário de onde?
– Como assim, de onde?
– Assim mesmo: Eliziário de onde?
– Mas eu só quero uma pizza.
– Lamento, mas o senhor precisa informar de onde.
– Por que, vocês só entregam para empresas?
– Não senhor, mas só entregamos para quem é de algum lugar.
– Claro, se não, como achariam o local da entrega, não é mesmo?
– Como, senhor?
– Nada, esquece. Mas por que esta regra?
– Veja bem, nós somos uma empresa séria, com dez anos de mercado, só produzimos pizzas de alta qualidade, e não podemos entregá-las a quem não seja de algum lugar.
– Mas eu sou de algum lugar. Já lhe dei meu nome, endereço, telefone fixo, celular, RG, CPF, nome dos pais e dos avós...
– Mas não disse de onde.
– Ok, ok. Está bem, eu digo. Sou do... deixa ver, Birô Atuarial Azevedo.
– Lamento, mas não consta em nossos registros.
– Desculpe, eu estava brincando. Sou do Escritório da Informação.
– CNPJ por favor.
– Como assim, de onde?
– Assim mesmo: Eliziário de onde?
– Mas eu só quero uma pizza.
– Lamento, mas o senhor precisa informar de onde.
– Por que, vocês só entregam para empresas?
– Não senhor, mas só entregamos para quem é de algum lugar.
– Claro, se não, como achariam o local da entrega, não é mesmo?
– Como, senhor?
– Nada, esquece. Mas por que esta regra?
– Veja bem, nós somos uma empresa séria, com dez anos de mercado, só produzimos pizzas de alta qualidade, e não podemos entregá-las a quem não seja de algum lugar.
– Mas eu sou de algum lugar. Já lhe dei meu nome, endereço, telefone fixo, celular, RG, CPF, nome dos pais e dos avós...
– Mas não disse de onde.
– Ok, ok. Está bem, eu digo. Sou do... deixa ver, Birô Atuarial Azevedo.
– Lamento, mas não consta em nossos registros.
– Desculpe, eu estava brincando. Sou do Escritório da Informação.
– CNPJ por favor.
Dou o número. Ela volta em segundos:
– Ok, senhor, seu pedido está liberado. Vamos estar lhe entregando em trinta a quarenta minutos.
– Ótimo, já estava quase perdendo a fome. A propósito, vou querer cervejas também.
– Bem, neste caso, qual a natureza de sua empresa? Quantos funcionários tem? Quanto o senhor pagou de impostos no ano passado?
– Ok, senhor, seu pedido está liberado. Vamos estar lhe entregando em trinta a quarenta minutos.
– Ótimo, já estava quase perdendo a fome. A propósito, vou querer cervejas também.
– Bem, neste caso, qual a natureza de sua empresa? Quantos funcionários tem? Quanto o senhor pagou de impostos no ano passado?
Publicado originalmente no site Coletiva,net em 23 de agosto de 2005
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Sejamos mais humanos
As redes sociais deram voz a todos, o que é ótimo, mas também levaram ao paroxismo as possibilidades do efeito-manada e se transformaram em cenário ideal para manifestações de histeria coletiva.
A xenofobia é um sentimento feio, além de injusto e, sobretudo, burro. Ainda mais em um país tão fortemente miscigenado, construído com a energia de imigrantes das mais variadas paragens. Incontáveis são também os exemplos de pessoas que aqui aportaram à margem dos grandes processos migratórios, vindas de diversas terras, e daqui fizeram seu lar, não apenas construíram famílias e criaram seus filhos, como contribuíram para tornar o Brasil melhor com a força de seu trabalho e de seu caráter, incluindo muitos e maravilhosos médicos.
Nem é necessário reforçar o argumento com a tese da globalização, pois se trata de algo histórico, que antecede em muito este mundo hoje - felizmente - de poucas fronteiras (ao menos na aparência). Tanto quanto, por óbvio, não vale a apena perder tempo comentando a irracionalidade, ou mera estupidez, de quem hostiliza os médicos cubanos com toda a carga de sordidez que a xenofobia em si carrega.
Igualmente absurda é a onda de ataques aos médicos brasileiros, em sua grande maioria profissionais honestos, éticos e competentes, convertidos por conveniência nos vilões de um sistema de saúde por demais precário, em que eles, muitas vezes, conseguem fazer bem mais do que se imaginaria possível diante de tanta incompetência e desvios de quem deveria dotar tal sistema das condições mínimas para o bom exercício profissional.
Os argumentos de quem é a favor e de quem é contra a vinda de médicos estrangeiros - venham eles de Cuba, da Espanha, da China ou da Lapônia - devem ser examinados com bom senso, pois em ambos os casos há pessoas de bom senso utilizando argumentos de bom senso, embora, também em ambos os casos, suas vozes sejam lastimavelmente sufocadas por outras, as histéricas, que preferem tentar impor sua posição no grito e na agressão.
É claro que há razões de cunho político - como sempre, de ambos os lados - no bate-boca em que se transformou a questão, não sejamos ingênuos. Mas esta é outra discussão. Nada justifica o espírito belicoso do qual tantas pessoas parecem se sentir "obrigadas" a partilhar para serem aceitas por determinados grupos, para firmarem uma posição politicamente correta ou, ao contrário, uma posição politicamente incorreta, embora a maioria seja mesmo formada apenas por tolos querendo aparecer. Gente que por vezes transforma nosso cotidiano ato de dar uma olhada no que rola no FB num exercício de depressão.
Parece difícil, mas é simples e básico: sejamos mais educados, menos preconceituosos (em todas as direções), sejamos mais humanos, como bons humanos costumam ser os melhores profissionais, venham de onde vierem.
As redes sociais deram voz a todos, o que é ótimo, mas também levaram ao paroxismo as possibilidades do efeito-manada e se transformaram em cenário ideal para manifestações de histeria coletiva.
A xenofobia é um sentimento feio, além de injusto e, sobretudo, burro. Ainda mais em um país tão fortemente miscigenado, construído com a energia de imigrantes das mais variadas paragens. Incontáveis são também os exemplos de pessoas que aqui aportaram à margem dos grandes processos migratórios, vindas de diversas terras, e daqui fizeram seu lar, não apenas construíram famílias e criaram seus filhos, como contribuíram para tornar o Brasil melhor com a força de seu trabalho e de seu caráter, incluindo muitos e maravilhosos médicos.
Nem é necessário reforçar o argumento com a tese da globalização, pois se trata de algo histórico, que antecede em muito este mundo hoje - felizmente - de poucas fronteiras (ao menos na aparência). Tanto quanto, por óbvio, não vale a apena perder tempo comentando a irracionalidade, ou mera estupidez, de quem hostiliza os médicos cubanos com toda a carga de sordidez que a xenofobia em si carrega.
Igualmente absurda é a onda de ataques aos médicos brasileiros, em sua grande maioria profissionais honestos, éticos e competentes, convertidos por conveniência nos vilões de um sistema de saúde por demais precário, em que eles, muitas vezes, conseguem fazer bem mais do que se imaginaria possível diante de tanta incompetência e desvios de quem deveria dotar tal sistema das condições mínimas para o bom exercício profissional.
Os argumentos de quem é a favor e de quem é contra a vinda de médicos estrangeiros - venham eles de Cuba, da Espanha, da China ou da Lapônia - devem ser examinados com bom senso, pois em ambos os casos há pessoas de bom senso utilizando argumentos de bom senso, embora, também em ambos os casos, suas vozes sejam lastimavelmente sufocadas por outras, as histéricas, que preferem tentar impor sua posição no grito e na agressão.
É claro que há razões de cunho político - como sempre, de ambos os lados - no bate-boca em que se transformou a questão, não sejamos ingênuos. Mas esta é outra discussão. Nada justifica o espírito belicoso do qual tantas pessoas parecem se sentir "obrigadas" a partilhar para serem aceitas por determinados grupos, para firmarem uma posição politicamente correta ou, ao contrário, uma posição politicamente incorreta, embora a maioria seja mesmo formada apenas por tolos querendo aparecer. Gente que por vezes transforma nosso cotidiano ato de dar uma olhada no que rola no FB num exercício de depressão.
Parece difícil, mas é simples e básico: sejamos mais educados, menos preconceituosos (em todas as direções), sejamos mais humanos, como bons humanos costumam ser os melhores profissionais, venham de onde vierem.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Um
conto brasileiro
Quétellinn, Suéllenn e Maicossuell saem do
shopping center, onde assistiram a um blockbuster de Hollywood e ainda pretendem
curtir uma stand up comedy. Mas, antes, aproveitam a happy hour no Applebee’s.
Quétellinn publica um post no Facebook, utilizando seu iPhone, enquanto Suéllenn
verifica o gmail no iPad e faz alguns downloads.
Maicossuell veste jeans Gasoline, agasalho
GAP e tênis Nike, e usa o perfume CK One, tudo comprado na mais recente viagem
a Miami. Ele larga o smartphone Android, pensa em como gostaria de estar
pegando onda no Hawaii, examina o cardápio e vai até o item Signatures Steaks. Decide-se por Signature Sirloin with Garlic Herb Shrimp.
Nos drinks, escolhe um Long Island Iced Tea.
Suéllenn distribui likes, verifica a timeline,
informa-se sobre o intercâmbio da filha em New Jersey e a próxima viagem à
Disney, pede a specialty Sex on the Beach e Salmon Caesar Salad. Quétellinn,
depois de conferir a cotação do dólar e ligar para seu personal trainer, fica
um instante pensando na noitada que terá com sua nova lingerie Victoria Secrets
e o creme da mesma grife “sabor” Strawberries and Champagne. Então, opta por Lynchburg
Lemonade e Chicken Finger Platter.
Registram o encontro no Instagram, largam
seus gadgets e se voltam para TV de LED em full HD que, após exibir um reality
show da Fox Life, mostra agora as news na CNN, no qual Barak Obama faz uma
advertência a um ditador do Oriente Médio.
– Esses americanos... quem eles pensam que
são? – questiona Quétellinn. Suéllenn e Maicossuell balançam a cabeça em
aprovação ao que ela disse e pedem uma Sizzling Apple Pie.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Picaretas da Fé
Embora eu não pratique religião alguma, respeito quem o faz, desde que não venha com sermão ou tente me doutrinar. Cada um na sua. No entanto, falo de religiões ou credos, digamos, tradicionais, e não de igrejas que qualquer um pode abrir, basta alugar um salão, autoproclamar-se pastor, bispo ou missionário e sair arrecadando dinheiro. Dois episódios exibidos pela TV, e que deveriam resultar na prisão imediata do autor, são emblemáticos.
Episódio 1
Já faz muitos anos, mas a prática não deve ter mudado tanto. Em um "culto" da Igreja Universal, de Edir Macedo, um "bispo" pede aos fiéis que contribuam com dinheiro para ser levado à "fogueira santa de Israel" (!). Depois de um discurso empolgado, exibido com fundo musical impressionante, ele se dirige às pessoas na platéia e ao público que assiste à transmissão e pede doações. Aí ele olha para todos e para nenhum, e diz, entre outras pérolas:
- Você, que é rico, que tem muito dinheiro e doa uma quantia qualquer, grande coisa, não vai lhe fazer falta. Mas você, que é pobre, que tem pouco, doe agora tudo que você tem no bolso, pois isso, sim, será uma verdadeira demonstração de fé.
Episódio 2
O "missionário" R.R. Soares, que para quem não sabe é cunhado de Edir Macedo, brigou com o mentor e partiu para milionária carreira-solo alugando o horário nobre da TV Bandeirantes (e de outras), arrecada dinheiro de tudo quanto é jeito, tem editora, gravadora, operadora de TV a cabo e todo um pequeno império de consumo da fé. Mas não abre mão das doações, é claro. Uma performance dele, que certamente já deve ter se repetido milhares de vezes:
- Agora nossos ajudantes vão passar aí pela platéia para quem quiser ser um "patrocinador". É só preencher o boleto com a quantia que você quiser e depois pagar mensalmente no Bradesco. Agora, quanto você vai doar? Bom, aí vai depender do tamanho do amor que você tem por nosso senhor Jesus Cristo.
E ninguém vai preso.
Embora eu não pratique religião alguma, respeito quem o faz, desde que não venha com sermão ou tente me doutrinar. Cada um na sua. No entanto, falo de religiões ou credos, digamos, tradicionais, e não de igrejas que qualquer um pode abrir, basta alugar um salão, autoproclamar-se pastor, bispo ou missionário e sair arrecadando dinheiro. Dois episódios exibidos pela TV, e que deveriam resultar na prisão imediata do autor, são emblemáticos.
Episódio 1
Já faz muitos anos, mas a prática não deve ter mudado tanto. Em um "culto" da Igreja Universal, de Edir Macedo, um "bispo" pede aos fiéis que contribuam com dinheiro para ser levado à "fogueira santa de Israel" (!). Depois de um discurso empolgado, exibido com fundo musical impressionante, ele se dirige às pessoas na platéia e ao público que assiste à transmissão e pede doações. Aí ele olha para todos e para nenhum, e diz, entre outras pérolas:
- Você, que é rico, que tem muito dinheiro e doa uma quantia qualquer, grande coisa, não vai lhe fazer falta. Mas você, que é pobre, que tem pouco, doe agora tudo que você tem no bolso, pois isso, sim, será uma verdadeira demonstração de fé.
Episódio 2
O "missionário" R.R. Soares, que para quem não sabe é cunhado de Edir Macedo, brigou com o mentor e partiu para milionária carreira-solo alugando o horário nobre da TV Bandeirantes (e de outras), arrecada dinheiro de tudo quanto é jeito, tem editora, gravadora, operadora de TV a cabo e todo um pequeno império de consumo da fé. Mas não abre mão das doações, é claro. Uma performance dele, que certamente já deve ter se repetido milhares de vezes:
- Agora nossos ajudantes vão passar aí pela platéia para quem quiser ser um "patrocinador". É só preencher o boleto com a quantia que você quiser e depois pagar mensalmente no Bradesco. Agora, quanto você vai doar? Bom, aí vai depender do tamanho do amor que você tem por nosso senhor Jesus Cristo.
E ninguém vai preso.
sábado, 10 de agosto de 2013
Concerto para esfera e papel
A velha casa de madeira com seus rangeres noturnos, móveis desgastados e pátio mal cuidado hospedaria uma alvissareira novidade tecnológica naquele ano de 1970. Num final de semana frio, suavizado pelo fogareiro a carvão, meu pai levara serviço para casa e, com ele, uma reluzente IBM elétrica de esfera, dos primeiros modelos, ainda com bordas arredondadas. Aos olhos de um menino de dez anos sem muito contato com as novidades do mundo, a Ferrari das máquinas de escrever, com seu largo e sólido corpo de ferro, sua batida ágil, silenciosa e veloz como nenhuma outra jamais conseguira ser, assemelhava-se a um instrumento dos deuses. Além disso, meu pai devia ser importante na firma, para poder colocá-la embaixo do baixo e se mandar para casa ao final do expediente.
Tão magnífico equipamento era acompanhado de caixinhas com uma fina base de plástico e uma tampa de acrílico em forma de redoma que permitia vislumbrar o instigante conteúdo: em seu interior jaziam, brilhando de novas, uma meia-dúzia de esferas sobressalentes. Ao contrário das outras máquinas de escrever, meros invólucros de plástico recheados de gravetos vacilantes, barulhentos e desencaixantes, com fitas sujas, frágeis e desenroscantes, aquela maravilha permitia a troca da esfera que ia e vinha, vinha e ia sem que nem bem lhe pudéssemos registrar os movimentos.
Pela primeira vez, e muito antes de o computador doméstico entrar em cena, podia-se variar a tipologia de um texto sem recorrer a uma gráfica. Era possível datilografar em itálico, negrito, letra cursiva, corpo maior que o usual, sublinhar, bater de novo por cima para reforçar, traçar fios, cercaduras e, com alguma imaginação, até alguns desenhos primitivos, e tudo de maneira limpa, sem borrões, sem dedos sujos, pois mesmo a fita, encaixotada como uma VHS, era de natureza superior.
A velha casa de madeira com seus rangeres noturnos, móveis desgastados e pátio mal cuidado hospedaria uma alvissareira novidade tecnológica naquele ano de 1970. Num final de semana frio, suavizado pelo fogareiro a carvão, meu pai levara serviço para casa e, com ele, uma reluzente IBM elétrica de esfera, dos primeiros modelos, ainda com bordas arredondadas. Aos olhos de um menino de dez anos sem muito contato com as novidades do mundo, a Ferrari das máquinas de escrever, com seu largo e sólido corpo de ferro, sua batida ágil, silenciosa e veloz como nenhuma outra jamais conseguira ser, assemelhava-se a um instrumento dos deuses. Além disso, meu pai devia ser importante na firma, para poder colocá-la embaixo do baixo e se mandar para casa ao final do expediente.
Tão magnífico equipamento era acompanhado de caixinhas com uma fina base de plástico e uma tampa de acrílico em forma de redoma que permitia vislumbrar o instigante conteúdo: em seu interior jaziam, brilhando de novas, uma meia-dúzia de esferas sobressalentes. Ao contrário das outras máquinas de escrever, meros invólucros de plástico recheados de gravetos vacilantes, barulhentos e desencaixantes, com fitas sujas, frágeis e desenroscantes, aquela maravilha permitia a troca da esfera que ia e vinha, vinha e ia sem que nem bem lhe pudéssemos registrar os movimentos.
Pela primeira vez, e muito antes de o computador doméstico entrar em cena, podia-se variar a tipologia de um texto sem recorrer a uma gráfica. Era possível datilografar em itálico, negrito, letra cursiva, corpo maior que o usual, sublinhar, bater de novo por cima para reforçar, traçar fios, cercaduras e, com alguma imaginação, até alguns desenhos primitivos, e tudo de maneira limpa, sem borrões, sem dedos sujos, pois mesmo a fita, encaixotada como uma VHS, era de natureza superior.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
É Primavera em Pinellas
O texto a seguir, sobre o drama envolvendo Mary Schindler, foi publicado originalmente no site Coletiva.net em 29 de março de 2005. Dois dias depois, os aparelhos que a mantinham viva foram desligados.
O texto a seguir, sobre o drama envolvendo Mary Schindler, foi publicado originalmente no site Coletiva.net em 29 de março de 2005. Dois dias depois, os aparelhos que a mantinham viva foram desligados.
Os cidadãos do condado de Pinellas, na Florida, cujo emblema em vermelho, amarelo e azul mescla o sol e uma flor, têm ocupado os últimos dias discutindo a alta taxa de obesidade infantil. A cultura do hamburguer cobra seu preço. É preciso fazer algo urgente pelas crianças de Pinellas.
Enquanto o museu internacional da Florida exibe uma celebração à Princesa Diana, a liga de beisebol prepara-se para a pré-temporada que se inicia em 3 de maio e reina grande expectativa em torno da mostra Londres de Monet. Ocupam-se ainda, os moradores do condado de Pinellas, em combater os transtornos causados por quem estaciona trailers e motorhomes nas entradas dos pátios. Como tais veículos excedem em muito o comprimento de um carro, eles acabam invadindo o passeio público. Nos Estados Unidos, ninguém tem dúvidas de que as calçadas são de todos.
Como o 911 não dá atenção a pendências do gênero, a não ser que os vizinhos partam para as vias de fato, em situações mais comedidas os moradores podem recorrer ao Departamento de Disputa entre Cidadãos, pelo fone 582-7250. O setor de Pequenas Reivindicações pode ser acionado pelo 464-3267, o Direitos Humanos pelo 464-4880 e o Controle de Mosquitos pelo 464-7503. Há ainda o 464-7565 para Denúncias de Desperdícios, e o 464-8210 do Desenvolvimento da Comunidade (a propósito, o código de área é 727). Tudo muito rápido, simples e americano.
terça-feira, 23 de julho de 2013
Quando as noites não eram tão escuras
Tempo houve em que as noites, mesmo as mais frias e longas do rigoroso inverno do sul, não pareciam tão frias ou longas, ou ao menos era possível atravessá-las com razoável dose de sonho e esperança.
Pouco mais de seis da tarde, acabo de chegar da escola, mal tive tempo de fazer os temas, comer um pedaço de pão com patê de fígado ou schimia de abóbora com cravo acompanhado de Guaraná Frisante Polar e saí à rua para um jogo de taco, ou de bola, ou de bolinhas de gude, e já está minha avó a gritar meu nome. Emília, a quem eu chamo de mãe, cuida de mim enquanto minha mãe, Terezinha, a quem todos chamamos de Santa, trabalha para pagar a escola particular do único filho.
O brado de Emília significa que é hora de se recolher, sair do frio e do escuro, hora em que, ela diz, só os meninos sem eira nem beira, de pais relapsos e irresponsáveis, circulam pelas ruas do bairro de periferia. A violência urbana ainda não é o monstro que temem que se torne um dia, tampouco esta periferia é assim tão periférica, mas crimes e brutalidades de todo tipo espreitam na calada da noite por detrás de muros de esquina, árvores frondosas e cercas carcomidas de terrenos baldios.
terça-feira, 7 de maio de 2013
Virtualices
• Depois do pós-moderno, o pós-virtual. Dois “faceamigos” encontram-se em uma rua qualquer da vida: “Caraca! Você existe aqui fora!”
• Ao pós-moderno, prefiro o pós-virtual. Ao menos não vem com Maffesoli, Baudrillard e Morin como itens de série.
• Você convida amigos para jantar e os recebe de cuecas, solta gases ocasionalmente e come com as mãos. Se reclamarem, reaja: “O Face é meu e eu posto o que eu quero.”
• É inútil colocar posts em letras enormes, com fundo caprichado e desenhos chamativos. Uma boa frase é que nem mulher bonita, dispensa o Photoshop.
• “Visualizada e totalmente ignorada pelo destinatário às 17h21”.
• Diálogos virtuais:
– Última flor do Lácio, inculta e bela!
– Começa falando de flor e depois me chama de burra. #chatiada.
• “Em um relacionamento sério com MEU EGO.”
• Entrar em um chat quando está carente é como ir ao supermercado com fome.
• “Se você entendeu o quanto estou carente CURTE. Se ficou com muita pena COMPARTILHA.”
• Darwinismo virtual:
Só os posts mais aptos sobrevivem ao filtro do FB e povoam nossa tela? É como olhar para certas pessoas e pensar: “E este foi o espermatozoide vencedor...”
• Liberdade de expressão e pluralidade são coisas sagradas. E quem discordar será excluído.
• Depois do pós-moderno, o pós-virtual. Dois “faceamigos” encontram-se em uma rua qualquer da vida: “Caraca! Você existe aqui fora!”
• Ao pós-moderno, prefiro o pós-virtual. Ao menos não vem com Maffesoli, Baudrillard e Morin como itens de série.
• Você convida amigos para jantar e os recebe de cuecas, solta gases ocasionalmente e come com as mãos. Se reclamarem, reaja: “O Face é meu e eu posto o que eu quero.”
• É inútil colocar posts em letras enormes, com fundo caprichado e desenhos chamativos. Uma boa frase é que nem mulher bonita, dispensa o Photoshop.
• “Visualizada e totalmente ignorada pelo destinatário às 17h21”.
• Diálogos virtuais:
– Última flor do Lácio, inculta e bela!
– Começa falando de flor e depois me chama de burra. #chatiada.
• “Em um relacionamento sério com MEU EGO.”
• Entrar em um chat quando está carente é como ir ao supermercado com fome.
• “Se você entendeu o quanto estou carente CURTE. Se ficou com muita pena COMPARTILHA.”
• Darwinismo virtual:
Só os posts mais aptos sobrevivem ao filtro do FB e povoam nossa tela? É como olhar para certas pessoas e pensar: “E este foi o espermatozoide vencedor...”
• Liberdade de expressão e pluralidade são coisas sagradas. E quem discordar será excluído.
sábado, 4 de maio de 2013
Hã?
De um famoso comentarista esportivo da aldeia, muitos anos atrás, ao encerrar sua coluna sobre as possibilidades dos gaúchos na rodada do Brasileirão:
"Ou seja, tudo pode acontecer, mas, sem dúvida, algo acontecerá."
No dia seguinte fiz questão de cumprimentá-lo pessoalmente pelo brilhantismo. Ele me olhou desconfiado e perguntou: "Está falando sério?" É claro que eu confirmei sem sequer corar.
De um famoso comentarista esportivo da aldeia, muitos anos atrás, ao encerrar sua coluna sobre as possibilidades dos gaúchos na rodada do Brasileirão:
"Ou seja, tudo pode acontecer, mas, sem dúvida, algo acontecerá."
No dia seguinte fiz questão de cumprimentá-lo pessoalmente pelo brilhantismo. Ele me olhou desconfiado e perguntou: "Está falando sério?" É claro que eu confirmei sem sequer corar.
terça-feira, 30 de abril de 2013
Falando em Senna (2):
O dia em que ultrapassei Ayrton Senna
Autódromo de Interlagos, final de
abril de 1994, poucos dias antes da morte do Ayrton, em sua última passagem
pelo País. A recém-criada Senna Imports estava trazendo para o Brasil a linha
de automóveis Audi. Como é de praxe, a imprensa foi convidada para um test drive.
Antes, durante o café da manhã, tive a oportunidade de conversar rapidamente
com ele.
Pelo fato de ser em um circuito de
corridas, e dada a robustez dos veículos, um instrutor acompanhava cada
jornalista a fim de evitar eventuais e perigosos arroubos. A cada vez em eu que
pisava fundo ouvia um pedido para reduzir o ritmo. Até ali só fora possível
acelerar mesmo na reta oposta, mas em seguida cheguei à parte “travada” da
pista e recebi novas recomendações. “Encaixotado” atrás de outro carro, apelei
ao instrutor: “Este cara aí na frente está lento demais, se eu não o ultrapassar
agora não conseguirei atingir uma velocidade razoável na subida da reta dos
boxes, e aí acabarei não sentindo direito a potência do carro.” Ele concordou: “Ok,
dê o sinal e vá com calma.” Assim o fiz, o carro da frente abriu para eu
ultrapassar, eu agradeci e recebi de volta um aceno e um sorriso de Ayrton
Senna.
Ele comentava, para uma equipe de TV
estrangeira, as características de cada ponto do circuito, razão pela qual ia
tão devagar. Mas isso é detalhe. Ultrapassei Ayrton Senna e rasguei em triunfo a
reta de Interlagos.
Falando em Senna (1):
Senna e Rubinho
Lá pelo início de 2003, Augusto
Nunes e eu nos dirigíamos à sede do Instituto Ayrton Senna. Faríamos uma entrevista
com Viviane Senna que renderia reportagem de capa para a revista Forbes. Eu já
estava um pouco irritado com a lerdeza do taxista. Saíra com ele do flat onde eu
morava ocasionalmente, no Itaim Bibi, passara nos Jardins para apanhar o
Augusto e rumávamos para o bairro de Santana, onde fica o IAS, sempre muito
devagar para meus padrões.
Augusto perguntou: “Estamos
atrasados?” Olhei para a rua, para ver mais ou menos onde nos encontrávamos, e
respondi: “Um pouco, creio que estaremos lá em cinco minutos”. Ao que ele
disse: “Tudo bem se ela ficar esperando um pouco, afinal, é natural chegar
depois de um Senna”.
Não resisti e completei: “Ainda mais
com o carro sendo pilotado pelo Rubinho”. O taxista virou-se, encarou-me com
indisfarçável tristeza e falou: “Pô, doutor, também não precisa me
esculhambar”.
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Os suspeitos de sempre
Em 1994 eu era editor executivo do jornal Zero Hora e tinha,
entre minhas tarefas, editar a capa do jornal e coordenar a reunião de capa, da
qual nem sempre participavam o diretor de redação e o editor-chefe. Nesta
reunião os editores de cada área apresentavam os assuntos que teriam destaque
na edição. Logo depois da implantação do Real, ao final de uma reunião na qual
todos disseram não ter nada interessante naquele dia – cheguei a brincar: “Ok,
a gente cancela a capa” –, solicitei à Rosane de Oliveira, editora de política,
e ao Moisés Mendes, da economia, que permanecessem mais um pouco comigo e com o
Ricardo Chaves, editor de fotografia, pois não poderíamos sair dali sem ao
menos uma sugestão de manchete.
Assinar:
Postagens (Atom)