segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

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Vivemos a era da super, ou über, ao estilo das tops, exposição. Lambanças ao vento. Nada é privado demais para se restringir a petit comité, no paroxismo, sequer a quatro paredes. Só privadas permanecem privadas. Still. O que se sofre e o que se goza é para manter em segredo, diria Paulo Francis esbravejando com as paredes da cripta.
                Turista é um sujeito que viaja milhares de quilômetros para tirar fotos ao lado de uma estátua, falava-se com o exagero das tiradas pseudocômicas. Deixou de ser cômico. Deixou de ser pseudo. Alguns poucos minutos esquecendo-se da rotina, curtindo o passeio e aproveitando as delícias do lugar, apesar dos gerúndios, mas muitas horas fazendo pose para o celular. Sinta o clima gostoso, a paisagem exuberante, o cheiro das coisas e pessoas, o ar ancestral... Ah, depois, primeiro deixa eu registrar para postar no face.
                E que venham as críticas dos chatiados assassinos do idioma, o face é seu, você posta o que quiser. Todo mundo é ousadinho e valentão virtual, barraqueiros se locupletam. Não é preciso olhar nos olhos, barbada. O toque refinado acabou, o gesto delicado, a palavra não dita, mas deixada no ar, evaporaram-se. O meio exige tudo explícito, perdeu-se a sutileza, tão indispensável à arte da sedução quando à da comunicação. O que é exposto demais não se permite ser sutil, o que é consumo rápido, um instrumento que é a mais genuína expressão do capitalismo global sendo utilizado às fartas para criticar o mais genuíno capitalismo global.
O cutucão virtual é o fiu-fiu pós-moderno, para usar a palavra predileta dos acólitos da chatérrima escola neo (ainda neo? Eternamente neo?) filosófica francesa que já foi fin de siècle, mas está demorando a desencarnar. Promessas fáceis que se desvanecerão como seu melhor jeans, ecoa a velha canção. Por que pedir a lua e as estrelas? Você não leva nosso relacionamento a sério. Claro que levo. Ah é? Então coloca aí que está em um relacionamento sério comigo. Não se acrescenta, adiciona-se, sinônimos apenas no sentido literal. Não se encara o tenso encontro de despedida, exclui-se. Não se rompe frente ao semblante tristonho e decepcionado, bloqueia-se. Para que um encontro final difícil? Pressione uma tecla e o recado estará dado.
                Não mais anotações nas margens de livros e revistas, em guardanapos, versos de embalagens e no que se tivesse à mão nas horas das reflexões não programadas, bêbadas ou sóbrias, de todo modo embriagadas, despejadas como orações pagãs, miríades de vocábulos empolgados e carinhosos, ou vitupérios ressentidos e chorosos, em cantinhos de papel, destinados a serem vistos apenas por biógrafos, caso o autor fizesse por merecer, dificilmente enviados ao maldito amado desgraçado querido destinatário.
Bico de pena à luz de velas, carta, papel de carta (até perfumado!), lápis, borracha, caneta, rascunho, borrão, passar a limpo, copiar, envelopar, selar, levar aos Correios, arrepender-se na última hora, rasgar ou interceptar o carteiro na entrega, começar de novo, e aí máquina de escrever, rascunho, fita enroscada, passar a limpo e o resto todo, máquina com corretivo, só escrever e o resto todo, computador, pensamentos editados, o que pode ser bom, mas pode ser ruim, e o correio eletrônico e as redes sociais, sem o resto todo, e é tarde demais para se arrepender, enter clicado e flecha lançada são coisas que não voltam. ENTER.                        

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