O texto a seguir, sobre o drama envolvendo Mary Schindler, foi publicado originalmente no site Coletiva.net em 29 de março de 2005. Dois dias depois, os aparelhos que a mantinham viva foram desligados.
Os cidadãos do condado de Pinellas, na Florida, cujo emblema em vermelho, amarelo e azul mescla o sol e uma flor, têm ocupado os últimos dias discutindo a alta taxa de obesidade infantil. A cultura do hamburguer cobra seu preço. É preciso fazer algo urgente pelas crianças de Pinellas.
Enquanto o museu internacional da Florida exibe uma celebração à Princesa Diana, a liga de beisebol prepara-se para a pré-temporada que se inicia em 3 de maio e reina grande expectativa em torno da mostra Londres de Monet. Ocupam-se ainda, os moradores do condado de Pinellas, em combater os transtornos causados por quem estaciona trailers e motorhomes nas entradas dos pátios. Como tais veículos excedem em muito o comprimento de um carro, eles acabam invadindo o passeio público. Nos Estados Unidos, ninguém tem dúvidas de que as calçadas são de todos.
Como o 911 não dá atenção a pendências do gênero, a não ser que os vizinhos partam para as vias de fato, em situações mais comedidas os moradores podem recorrer ao Departamento de Disputa entre Cidadãos, pelo fone 582-7250. O setor de Pequenas Reivindicações pode ser acionado pelo 464-3267, o Direitos Humanos pelo 464-4880 e o Controle de Mosquitos pelo 464-7503. Há ainda o 464-7565 para Denúncias de Desperdícios, e o 464-8210 do Desenvolvimento da Comunidade (a propósito, o código de área é 727). Tudo muito rápido, simples e americano.
A praia de paisagem quase tropical abriga bancos de corais nos quais flanam vistosos flamingos. Os shows na orla, os passeios de iate pela baía entrecortada pela ponte com arquitetura de aparência leve, dividem o tempo livre dos moradores do condado de Pinellas com andanças de patins no parque, corridas de patins pelas ruas, ou ainda passeios de bote no lago, enquanto o sol se põe magnífico sobre os coqueiros da beira-mar e a abundante vegetação da cidade.
Pinellas forma uma península a leste da baía e está ligada à cidade de Tampa por três pontes. Faz vizinhança com os balneários de Naples, conhecido como ótimo centro de compras e pólo do golfe e da pesca, com Marco Island, um modelo de preservação ambiental, e com o condado de Charlotte, que tem apenas 27 quilômetros de área, mas 193 quilômetros de litoral. Belíssimos lugares para se viver e amar.
Mary e Bob Schindler, assim como Michael Schiavo, que já foram amigos, mas hoje se odeiam em praça pública, não têm podido contemplar tais belezas. Em um leito no Woodside Hospice, em Pinellas Park, agoniza Theresa Marie Schindler-Schiavo, de 41 anos. Filha de Mary e Bob, mulher de Michael, Terri teve um ataque cardíaco que privou seu cérebro de oxigênio em 1990. O marido quer livrá-la do sofrimento. Quer livrar a si próprio também. Ele já tem outra mulher e filhos. Ela já não tem vida há muito tempo. Os pais se desesperam. Quem aceita ver um filho morrer, não importa a circunstância? Quem tem razão? Quem pode decidir uma coisa dessas?
Enquanto Mary e Bob rezam e choram pela filha que partirá a qualquer momento, Michael foge das ruas nas quais a primavera começa a distribuir flores. Toca sua vida como dá, ocasionalmente pensa na menina linda, de sobrancelhas grossas, olhos vivazes, meigos e sensuais, boca bonita, dentes perfeitos, pela qual se apaixonou em dias perdidos para a dor. Do leito do Woodside Hospice, Terri não vê as flores que nascem no parque, numa irônica sagração de seu pesadelo.
Enquanto Mary e Bob rezam e choram pela filha que partirá a qualquer momento, Michael foge das ruas nas quais a primavera começa a distribuir flores. Toca sua vida como dá, ocasionalmente pensa na menina linda, de sobrancelhas grossas, olhos vivazes, meigos e sensuais, boca bonita, dentes perfeitos, pela qual se apaixonou em dias perdidos para a dor. Do leito do Woodside Hospice, Terri não vê as flores que nascem no parque, numa irônica sagração de seu pesadelo.
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