quarta-feira, 20 de outubro de 2010

GENTE


Zélia Garcia



          Éramos todos muito jovens quando a conheci, nos anos 80, na redação do jornal Zero Hora. Os traços delicados, a pele morena, os cabelos radicalmente negros, a voz suave e algo rouca cujo tom eu jamais a veria elevar, formavam um conjunto que tornava Zélia Garcia uma mulher de todo modo interessante, mas havia mais: a delicadeza dos gestos, a educação refinada, os modos elegantes, a discrição sobre a vida pessoal, o charme natural reforçado por um guarda-roupa de bom gosto, com ênfase em cores escuras, em especial o preto, concediam a ela uma aura especial.
           Aos poucos nos aproximamos, mas foi quando troquei o Esporte pelo Segundo Caderno, no final daquela década, que o caminho de Zélia Garcia e o meu se cruzaram em definitivo. Eu era editor assistente e ela repórter especializada em moda, beleza, estilo e comportamento, assuntos sobre os quais viria a escrever para as maiores revistas nacionais do segmento, como Vogue, Marie Claire e Elle. Na primeira vez em que peguei um texto dela para editar, uma matéria sobre beleza para a contracapa da Revista ZH, chamei-a e perguntei se gostaria de me ajudar. Zélia, de acordo com os usos e costumes das redações de então, entregara o material e dera o assunto por encerrado, uma vez que os repórteres não costumavam ser convidados a participar da edição.

sábado, 17 de julho de 2010

LITERATURA


            A Humilhação de Philip Roth

            O americano Philip Roth publicou seu primeiro livro quando contava apenas 26 anos. Nem sempre escritores precoces se revelam dignos de nota, ao contrário, na maioria das vezes apenas contribuem para aumentar a pilha de obras descartáveis que se acumulam nas estantes do esquecimento literário. Roth estreou em grande estilo. Goodbye, Columbus, coletânea de novelas lançada em 1959, abriu-lhe as portas das livrarias e dos salões acadêmicos. De lá para cá foram três dezenas de títulos, nos quais, na média, saiu-se muitíssimo bem, tendo sido agraciado com incontáveis prêmios e amealhado legiões de aficionados mundo afora.
            A Humilhação, trigésimo livro de Roth, que acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, está longe de representar o melhor de sua obra e recebeu, com justiça, muitas críticas negativas. Aos 77 anos, Roth parece ter ingressado na inescapável zona de conforto a que estão submetidos todos os autores, mesmo os mais talentosos, em especial os prolixos e os longevos. Ainda assim, seria injusto relegar A Humilhação ao limbo das obras menores. Até porque, em certos momentos emerge de páginas menos estimulantes o velho brilho que nunca se apaga de todo.

domingo, 6 de junho de 2010

LITERATURA

A desconstrução de J. M. Coetzee

           
            Vincent, um jovem biógrafo inglês, baseia-se em anotações inéditas de seu biografado e em depoimentos de pessoas que conviveram com ele antes da fama – especialmente mulheres – para montar um surpreendente retrato do escritor sul-africano J. M. Coetzee. Romancista de talento invulgar, dono de uma prosa simples e elegante, capaz de conceder ao cotidiano um caráter envolvente e engajado, Coetzee sempre foi reconhecido também pela força de suas convicções políticas, suas críticas ácidas a questões que perpassam a formação da África do Sul como nação, sua autocrítica em relação às próprias fragilidades e uma visão sistêmica e lúcida da sociedade moderna.

            Em Verão, que acaba de sair no Brasil pela Cia. Das Letras, o jovem Vincent nos revela que Coetzee, ganhador do Prêmio Nobel e morto em 2005, jamais soube conduzir sua própria vida com a mesma desenvoltura exibida nas páginas de seus incontáveis livros de sucesso. Os fragmentos e relatos reunidos pelo biógrafo acabam por moldar a imagem de um homem tímido, de poucas ambições e iniciativas, dotado de um conformismo ancestral, de uma absoluta inabilidade no trato com as mulheres e quase assexuado.

PENSATA

O perigo da história única


Este vídeo traz uma reflexão interessante sobre a arte - e a responsabilidade - de contar histórias. Vale a pena.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

LITERATURA


Paul Auster apenas flerta com
retorno a seus melhores momentos


      Utilizar um escritor como personagem central de um romance é recurso adotado por muitos autores, e tampouco é a primeira vez que Paul Auster o emprega. Romances, sabe-se, tem sempre muito de autobiográfico, até pela impossibilidade de se promover uma separação absoluta entre o experimentado e o imaginado (por certo na hora de escrever, talvez mesmo na hora de recordar). O primeiro capítulo de Invisível, mais recente título de Auster que a Companhia das Letras acaba de lançar no Brasil, é narrado na primeira pessoa pelo jovem Adam Walker, um estudante com pretensões literárias que se envolve com Rudolf Born e Margot, uma dupla tão sedutora quanto misteriosa. Born propõe ao jovem a produção de uma revista literária bancada por ele, mas o que parecia um belo sonho aos poucos vai se transformando em pesadelo, compensando no início por uma relação fugaz com Margot.

     Em determinando momento, Walker, já velho, doente e com pouco tempo de vida, resolve pedir ajuda a um colega que não via desde a faculdade e que, ao contrário dele, obteve sucesso como escritor. Walker não sabe como seguir adiante com a história, até por envolver um tema muito delicado – o qual ele não revela ao amigo. Uma das maneiras de superar bloqueios temporários, sugere o velho parceiro, é mudar o discurso, passando da primeira para a terceira pessoa, por exemplo. Assim, no segundo capítulo o “eu” dá lugar ao “você”, numa interessante variação narrativa. O tema mantido em sigilo é nada menos do que um tórrido caso de Walker com a própria irmã. Questões morais à parte, certos trechos soam apelativos, falta-lhe alguma sutileza, quem sabe, mas o principal problema é que parece que se está diante de um outro Walker, não porque o autor obtenha sucesso em mostrar todas as facetas de um ser humano em conflito, mas por parecer meramente desencaixado.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

JORNALISMO LITERÁRIO

Gay Talese é sempre
uma ótima notícia

(Texto publicado originalmente na revista Aplauso) 


Depois de me engalfinhar por alguns minutos com a conexão do fone de ouvido e de aceitar o fato de que mais um equipamento novo, e caro, não funciona adequadamente, e de maldizer os fabricantes de tudo que não funciona adequadamente, olhei para o relógio e pensei no meu editor chegando à sua mesa de trabalho, pela manhã, e esbravejando ainda mais ao não encontrar o meu texto em seu e-mail. Flávio Ilha é um homem experimentado, inclusive nos círculos do poder, tendo sido repórter na capital federal por muitos anos e, após passar por tão variadas e ricas experiências, tolerar alguns atrasos de um resenhista veterano talvez não seja assim tão exasperante. Ele tem sido compreensivo, quem sabe porque eu tenha crédito, e um raro atraso em função de compromissos profissionais de conhecimento público seja mesmo aceitável.

          O fato é que deixei para o último minuto, pensei em escrever a mão e depois pedir para alguém transcrever enquanto eu dormia por um período decente, só para quebrar a rotina dos últimos dias. Valer-me da caneta teria sido uma bela homenagem ao autor do livro que me dispus a comentar – como o foi abrir o texto desse modo –, ainda que qualquer comparação esteja a anos-luz de todos nós, uma vez que se trata de um dos maiores jornalistas de que se tem notícia, um ícone, alguém capaz de fazer jovens enveredarem pelo caminho tortuoso da cobertura dos fatos, tanto quanto de devolver aos mais experientes um genuíno orgulho pelo ofício.