segunda-feira, 17 de maio de 2010

LITERATURA


Paul Auster apenas flerta com
retorno a seus melhores momentos


      Utilizar um escritor como personagem central de um romance é recurso adotado por muitos autores, e tampouco é a primeira vez que Paul Auster o emprega. Romances, sabe-se, tem sempre muito de autobiográfico, até pela impossibilidade de se promover uma separação absoluta entre o experimentado e o imaginado (por certo na hora de escrever, talvez mesmo na hora de recordar). O primeiro capítulo de Invisível, mais recente título de Auster que a Companhia das Letras acaba de lançar no Brasil, é narrado na primeira pessoa pelo jovem Adam Walker, um estudante com pretensões literárias que se envolve com Rudolf Born e Margot, uma dupla tão sedutora quanto misteriosa. Born propõe ao jovem a produção de uma revista literária bancada por ele, mas o que parecia um belo sonho aos poucos vai se transformando em pesadelo, compensando no início por uma relação fugaz com Margot.

     Em determinando momento, Walker, já velho, doente e com pouco tempo de vida, resolve pedir ajuda a um colega que não via desde a faculdade e que, ao contrário dele, obteve sucesso como escritor. Walker não sabe como seguir adiante com a história, até por envolver um tema muito delicado – o qual ele não revela ao amigo. Uma das maneiras de superar bloqueios temporários, sugere o velho parceiro, é mudar o discurso, passando da primeira para a terceira pessoa, por exemplo. Assim, no segundo capítulo o “eu” dá lugar ao “você”, numa interessante variação narrativa. O tema mantido em sigilo é nada menos do que um tórrido caso de Walker com a própria irmã. Questões morais à parte, certos trechos soam apelativos, falta-lhe alguma sutileza, quem sabe, mas o principal problema é que parece que se está diante de um outro Walker, não porque o autor obtenha sucesso em mostrar todas as facetas de um ser humano em conflito, mas por parecer meramente desencaixado.


     Walker morre antes de receber a vista do amigo, a quem deixa um esboço do terceiro capítulo e a decisão de completá-lo e publicá-lo, ou simplesmente descartá-lo. O amigo decide dar continuidade, e aí o discurso muda outra vez, do “você” para o “ele”. Tais alterações são positivas, dão ritmo e novidade à leitura. A sensação do desencaixe, no entanto, volta com mais força. Ao investigar determinados fatos e supostamente esclarecê-los, o amigo acaba subtraindo aos leitores de Walker/Auster, o beneficio da dúvida, neste caso literalmente benefício. Questões relacionadas ao comportamento estranho e dúbio de Walker ou ao caso de incesto talvez ficassem mais bem resolvidas se não fossem resolvidas, permanecendo no limbo entre as lembranças reais e os desejos tornados verdadeiros nas névoas da memória trazidas pela idade, pela frustração, ou quem sabe pela doença e pelos remédios.

     O quarto capítulo, narrado outra vez na primeira pessoa, mas agora por uma ex-enteada francesa de Born, mais desconstrói a obra do que a ela agrega algum significado. Livros (ou filmes) que terminam sem que se entenda nada do que se passou podem ser por vezes irritantes, mas os que tentam explicar demais igualmente pecam. Paul Auster é um dos grandes escritores contemporâneos em língua inglesa, mas no livro anterior, Um Tiro no Escuro, já dera sinais de estar longe do velho e bom Auster de Leviatã , A Trilogia de Nova York ou A Invenção da Solidão, entre tantos bons títulos. Em Invisível, chega a flertar com o melhor de sua obra, mas ainda frustra um pouco quem se acostumou a devorar com prazer indizível cada novo romance deste autor extraordinário que, mesmo quando não dá seu melhor, ainda é muito bom. Poderia, quem sabe, ter seguido o título à risca e destinado a certos aspectos da história a diáfana irrealidade do invisível.


Foto de Jerry Bauer/Divulgação

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Invisível
Paul Auster
Companhia das Letras
14 x 21 cm
280 páginas
R$ 47,50








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