sábado, 17 de julho de 2010

LITERATURA


            A Humilhação de Philip Roth

            O americano Philip Roth publicou seu primeiro livro quando contava apenas 26 anos. Nem sempre escritores precoces se revelam dignos de nota, ao contrário, na maioria das vezes apenas contribuem para aumentar a pilha de obras descartáveis que se acumulam nas estantes do esquecimento literário. Roth estreou em grande estilo. Goodbye, Columbus, coletânea de novelas lançada em 1959, abriu-lhe as portas das livrarias e dos salões acadêmicos. De lá para cá foram três dezenas de títulos, nos quais, na média, saiu-se muitíssimo bem, tendo sido agraciado com incontáveis prêmios e amealhado legiões de aficionados mundo afora.
            A Humilhação, trigésimo livro de Roth, que acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, está longe de representar o melhor de sua obra e recebeu, com justiça, muitas críticas negativas. Aos 77 anos, Roth parece ter ingressado na inescapável zona de conforto a que estão submetidos todos os autores, mesmo os mais talentosos, em especial os prolixos e os longevos. Ainda assim, seria injusto relegar A Humilhação ao limbo das obras menores. Até porque, em certos momentos emerge de páginas menos estimulantes o velho brilho que nunca se apaga de todo.
            Simon Axler, o personagem central, um dos maiores atores de teatro de sua geração, um dia, já sessentão, descobre que toda sua magia interpretativa desapareceu. A faísca de genialidade, a invulgar intimidade com o palco, a inefável autoconfiança, tudo estava ali havia um instante, e agora tudo simplesmente sumira. Ele está acabado, ou ao menos julga estar acabado, o que dá na mesma. Todos que o aclamavam agora parecem escarnecê-lo. A imagem que faz de si mesmo, como ocorria nos bons tempos, também agora convence a platéia: a mulher o deixa, o público o abandona. Axler passa por uma clínica psiquiátrica, sai de lá sem respostas e sem saber o que fazer da vida, apesar da insistência de seu produtor para que retorne à cena.
            Axler está confuso, perdido, e é aí que Roth embarca de vez na trip de seu alter-ego. Axler encontra, apaixona-se e passa a ter um vibrante romance com a filha de um casal de velhos amigos, que ele conhecera pequena, que se tornara lésbica assumida e empedernida aos 20 e que agora, aos 40, parece ter esquecido duas décadas de prazeres e hábitos homossexuais para se dedicar a um homem bem mais velho, doente e desiludido. A inverossimilhança da improvável parceria torna-se mais aguda em função das fantasias sexuais, dos jogos de casais e de outras idiossincrasias fakes e desnecessárias.
            Fiel à premissa de que um escritor jamais se despe por completo do personagem real ao produzir seus escritos, Roth, de todo modo, nos brinda com um complexo e belo Axler, ainda que impregnado das indeléveis alegorias de seu próprio imaginário. Como em Memórias de Minhas Putas Tristes, de Gabriel García Márquez, os desejos que permanecem em um homem em idade avançada – lá bem mais avançada do que aqui – podem se libertar por meio de uma ficção encantadora. Claro, Roth não é García Márquez. Mas, ainda assim, é Roth.


Foto de divulgação
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A Humilhação
Philip Roth
Companhia das Letras
14 x 21 cm
104 páginas
R$ 32,00

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