David Ogilvy, o Rei da Madison
Em
memorando datado de 7 de setembro de 1982, David Ogilvy listou para seus
colaboradores dez regras básicas da boa escrita:
“Quanto
melhor você escrever, mais subirá na Ogilvy & Mather. Pessoas que pensam
bem, escrevem bem. Pessoas confusas escrevem memorandos, cartas e discursos
confusos.
Escrever
bem não é um dom natural. Tem de se aprender a escrever bem. Aqui estão 10
pistas:
1.
Leia o livro sobre escrita de Roman e Raphaelson. Leia três vezes. (a versão
mais recente é mais fácil de encontrar e mais barata).
2.
Escreva do jeito que você fala. Naturalmente.
3.
Use palavras curtas, frases curtas e parágrafos curtos.
4.
Nunca use jargões como reconceitualizar ou desmassificar. São características
de um burro pretensioso.
5.
Nunca escreva mais do que duas páginas sobre qualquer assunto.
6.
Verifique suas citações.
7.
Nunca envie uma carta ou memorando no dia em que os escrever. Leia-os em voz
alta na manhã seguinte – e edite-os.
8.
Se é algo importante, peça a um colega para melhorá-lo.
9.
Antes de enviar sua carta ou memorando, certifique-se de que está bem claro o
que você quer que o destinatário faça.
10.
Se você quer ação, não escreva. Vá e diga diretamente à pessoa o que você quer.
David.”
David
MacKenzie Ogilvy percorria rotineiramente as ruas de Nova York rumo à Madison
Avenue com o justo orgulho dos homens que ajudam a definir sua época. O porte
altivo, as vestes de impecável elegância, o indefectível cachimbo e o semblante
revelador das raízes britânicas compunham um personagem no qual cabia sob
medida o apelido de Rei da Madison, morada das maiores agências de publicidade
do mundo. Ainda não sabia que entraria para a história como “o pai da
propaganda”, mas o que já conquistara não era pouca coisa, e isso ele sabia muito
bem.
Reza a lenda que certa vez, ao caminhar
pela Madison, deparou-se com um pedinte de cujo pescoço pendia uma placa com a
sintética afirmação: “Eu sou cego”. Ao lado do desafortunado cidadão jazia um
copo destinado a acolher eventuais esmolas, o qual estava vazio. Ogilvy retirou
a placa do pescoço do surpreso mendicante, acrescentou algo à inscrição e a
recolocou no lugar. Mesmo sem entender o que se passava, o cego logo começou a
ouvir o incessante tilintar das moedas. Quando passou de volta por ali, ao
final de expediente, Ogilvy abriu um largo sorriso ao observar que o copo agora
se encontrava cheio de donativos, por certo fruto do apelo que ele agregara ao
cartaz: “É primavera e eu sou cego.”
O gesto viria a ser emulado por gerações
de publicitários decididos a doar instantes de sua criatividade e capacidade de
comunicação para pequenas grandes causas cotidianas. Ainda hoje, e agora com
direito a postagens no YouTube e nas redes sociais, a prática persiste. Ditar
comportamentos, estabelecer parâmetros, inspirar atitudes são prerrogativas de
poucos, sobretudo em um universo tão competitivo quanto o das grandes agências.
É legítimo dizer que depois dele o modo de se fazer propaganda nunca mais foi o
mesmo.
Nascido em West
Horsley, um vilarejo semi-rural localizado no distrito de Guildford, no coração
da Inglaterra, e que ainda hoje contabiliza menos de três mil almas, David veio
ao mundo em 23 de junho de 1911, por insondável coincidência nos mesmos dia e
mês em que haviam nascido seu pai e seu avô. Depois de estudar em Edimburgo, na
Escócia, e na inglesa Oxford, sem ter concluído um curso superior, conseguiu
seu primeiro emprego em Paris, como cozinheiro do Hotel Majestic. De volta à
Inglaterra, tornou-se vendedor de fogões da Aga Cookers. Além de alcançar um
desempenho extraordinário na função, mostrou seu lado inquieto e criativo ao
redigir, em 1935, um guia de vendas que a revista Fortune classificou como “possivelmente o melhor manual de vendas
já escrito.” (Leia a continuação clicando no link abaixo).
Chegara a hora de trocar o Velho Mundo
pelo novo. Ogilvy migrou para os Estados Unidos em 1938 e foi trabalhar no
célebre Instituto de Pesquisas de George Gallup, em Nova Jersey. A
meticulosidade nas apurações e a percepção precisa da realidade reveladas por
George encantaram Ogilvy, que reconhecia nele uma das pessoas que mais o
influenciaram. Durante a Segunda Guerra Mundial, que se iniciou um ano após seu
desembarque na América, Ogilvy colaborou com o serviço de inteligência da
embaixada britânica em Washington, onde produziu avaliações de cenário e emitiu
sugestões acerca de segurança e diplomacia. Mais uma vez, não se limitaria a
cumprir o papel supostamente burocrático que lhe fora destinado, e propôs a adoção
da metodologia de Gallup como ferramenta do serviço secreto. O Conselho de
Guerra Psicológica, coordenado por Dwight Eisenhower, aceitou a sugestão e
aplicou, com sucesso, tais técnicas durante o último ano da Guerra.
Portanto, em seus primeiros anos na
pátria adotiva, Ogilvy colaborou com ninguém menos que o legendário Ike,
comandante da Operação Overlord, mais conhecida como Dia D, o ato decisivo da
Segunda Guerra, e que depois se tornaria presidente dos EUA. Encerrado o
conflito global, Ogilvy comprou uma fazenda em Lancaster, na Pensilvânia e
viveu entre os amish. O cenário conservador e melífluo lhe serviu durante
alguns anos, nos quais tentou seriamente ser um fazendeiro competente, sem
sucesso. Isso, e o temperamento inquieto, levaram-no a Nova York onde, em 1948,
sem jamais ter feito qualquer coisa na área, resolveu fundar uma agência de
propaganda, a Ogilvy, Benson & Mather, com suporte econômico da Mather
& Crowther, de Londres. Passados 33 anos, em 1981 enviou a um parceiro o
seguinte bilhete:
“Será
que alguma agência contrataria este homem?
Ele
tem 38 anos e está desempregado. Ele não concluiu a faculdade.
Ele
tem sido cozinheiro, vendedor, diplomata e agricultor.
Ele
não sabe nada sobre marketing e nunca escreveu um anúncio.
Ele
afirma estar interessado em publicidade como uma carreira (com a idade de 38!).
E está pronto para trabalhar por US $ 5.000 por ano.
Duvido
que qualquer agência americana vá contratá-lo.
No
entanto, uma agência de Londres o contratou. Três anos mais tarde ele se tornou
o mais famoso redator do mundo, e no devido tempo construiu a décima maior
agência do mundo.
Moral
da história: às vezes vale a pena uma agência ser criativa e não ortodoxa na
contratação.”
Mesmo iniciando tardiamente em um
ofício complexo, sem qualquer conhecimento de seus meandros, movido mais pelo
ímpeto do que por aquilo que os medíocres e acomodados costumam chamar de “voz
da razão”, Ogilvy logo começou a forrar sua carteira de clientes com gigantes
como Lever, Shell, American Express, Sears e General Foods. Orgulhava-se de ter
uma equipe feita de vencedores como eles, com os quais, costumava dizer, “conquistar
clientes era como fisgar peixes em um barril”. Antes de completar a maioridade,
em 1965 a Ogilvy & Mather fundiu-se com a Crowther para formar uma
companhia de âmbito mundial e líder nos principais mercados.
Aos 62 anos, e 25 depois de criar a
agência, em 1973 o Rei da Madison aposentou-se e foi viver no castelo de Touffou,
em Bonnes, na França, embora não tenha perdido contato com a empresa. Em 1980
voltou à ativa como presidente da filial na Índia e depois do escritório da
Alemanha, visitava filiais mundo afora e participava de reuniões com clientes.
Em 1989, o Grupo Ogilvy foi comprado pela WPP, que com isso se converteu na
maior organização do mundo no segmento.
David Ogilvy casou-se três vezes e teve
um filho. Em 21 de julho de 1999, aos 75 anos, o rei morreu em seu castelo.
(Publicado originalmente na revista Advertising)
Crédito da Foto: Acervo Ogilvy
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