sexta-feira, 26 de junho de 2009




MICHAEL JACKSON

Jamais haverá outro como ele

Lembro-me de tê-lo ouvido pela primeira vez quando eu tinha uns oito anos de idade, e ele 10, embora possa ter sido antes. I’ll be there, Ben, Music and Me, Happy, canções pueris, cujas letras eu desconhecia, embalavam meus irrealizáveis sonhos românticos da infância. Então, o menino-prodígio do Jackson Five cresceu, mas conseguiu segurar os agudos, deu show de bola na carreira-solo e virou ícone mundial. Tive o privilégio de cobrir para Zero Hora quatro shows da turnê Dangerous, dois em Buenos Aires e dois no Morumbi, em São Paulo, em outubro de 1993. Momentos inesquecíveis em que assisti ao vivo a toda aquela magia.

Genuíno príncipe herdeiro da música negra americana, Michael misturou ritmos improváveis, revitalizou o pop, reinventou o videoclipe, cantou e dançou como ninguém. Elevado à categoria de mito, depois de personagem quase ficcional, isolado em sua Terra do Nunca particular, por vezes sucumbiu à própria fantasia. E como a mídia que incensa é a mesma que destrói, virou fonte inesgotável de assunto. Mas não podia se queixar disso, ao menos não inteiramente, pois contribuía para sua própria desconstrução. “Ninguém é normal quando está no palco desde os cinco anos de idade”, desabafou certa vez, ao receber o Grammy na auto-explicativa categoria de Lenda.

Lamentavelmente, a cor de sua pele, a sexualidade, as cirurgias plásticas, as acusações de abuso, tudo isso acabou se sobrepondo no imaginário de milhões de pessoas aos atributos do artista genial, cujo legado para a música internacional é de uma dimensão que a maioria ainda levará muito tempo para compreender. Michael era único, daquela categoria de artistas dos quais se pode dizer que jamais haverá outro sequer parecido. Um dos últimos grandes, verdadeiramente grandes. E como a maioria deles, parte cedo. A relação brilho intenso, vida breve prevalece mais uma vez.

Enquanto escrevia eu ouvia algumas de suas incontáveis canções de sucesso – Man in the Mirror é minha predileta, e era também a dele. Este texto está longe de expressar todo o significado de Michael, mas foi escrito sob a emoção da notícia que acabou de chegar, e que ainda nem foi adequadamente digerida. A notícia de que milhões de fãs em todo o mundo perderam sua estrela, de que ele nos deixou em desassossego, mas de que talvez ele, enfim, tenha paz.

Publicado originalmente no jornal Zero Hora.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

BOM FIM DE SEMANA




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FRASE

“É preciso ter estrela. O Rubinho Barrichello, por exemplo, tem estrela, apesar de muitos dizerem que não. É milionário, ganha muito dinheiro. O problema é que a estrela dele fica na bunda e se apaga quando ele senta no cockpit”.

Autora da elegante frase acima, e assustada com a repercussão, Hortência (que se fosse flor seria grafada com s), tentou se explicar em um confuso texto postado em seu blog. Depois de dizer que fizera uma brincadeira de mau gosto, pediu desculpas ao "grande amigo, inclusive já jogamos Golf juntos, e também uma pessoa que admiro Rubens Barriquelo." (o negrito é meu)

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PLANETA TERRA




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COTIDIANO

Vide o verso

A prefeitura de Porto Alegre promove, há alguns anos, o concurso Poemas no Ônibus, cujos vencedores, como o nome indica, têm sua obra exibida internamente nos coletivos. Motivado por interesses, digamos, arqueológicos, dia desses decidi embarcar em algumas linhas por breves trechos, o bastante para fazer um pequeno inventário desses trabalhos e quem sabe escrever algo a respeito. Poderia, é claro, valer-me da internet, mas queria observar de que modo eram distribuídos e, acima de tudo, qual era a reação dos passageiros. Alguém se daria ao trabalho de lê-los ou tais poemas passavam despercebidos como placas de “não fume” ou “fale com o motorista somente o indispensável”?

Embarquei no primeiro ônibus do que imaginava seria uma sequência, sentei-me e lá estava:

"Minas de poesia
calos
drumond
de andar"

Sim, era isso mesmo, e só isso, um dos vencedores. Puxei a tradicional cordinha e desci na próxima parada.



Acidentes necessários

Antes de desembarcar do ônibus, ainda tive tempo de ler um aviso:

"Segure-se: evite acidentes desnecessários."

Eu não consegui imaginar o que seriam acidentes necessários, mas, depois que um prestigiado jornal gaúcho criou o “assalto-surpresa” em uma chamada de capa, tudo é possível.



Mas, se o mesmo encontra-se...

Lembrei-me então daquele clássico:
“Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado no andar.”



The best

Jamais encontrei, no entanto, algo parecido com o aviso afixado na vitrina de uma loja de objetos de decoração em Florianópolis:
“O estacionar, para não compra, será cobrado R$ 17,00.”


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terça-feira, 28 de abril de 2009

CRÔNICA

Passeio numa tarde de sábado

Miley (pronuncia-se Máili), a siamesa de nome inspirado em Miley Cyrus, estrela da hora da Disney, e obviamente colocado por minhas filhas, arregala os olhos que à luz do sol são de um azul improvavelmente cristalino, observa-me a amarrar os cadarços dos tênis, resmunga alguma coisa e se conforma num canto da sala. Estamos em pleno outono, estação rebaixada à condição de breve ponte entre verões insistentes e invernos tardios. O aquecimento global é mais presente do que gostaríamos de supor, mas agora só me importa ganhar as ruas e queimar algumas calorias, sentir a liberdade da leve brisa de encontro ao rosto, o prazer do suor a empapar a camiseta preta e quem sabe, com pouco mais de uma hora de esforço, saborear uma compensadora dose de endorfina (cujo nome, aprendi só outro dia, significa “a morfina que vem de dentro”, ou algo assim).

O percurso começa lomba acima, trecho curto, no qual passo por um mercadinho com um cão muito esquisito por trás das grades do pátio, uma oficina mecânica e uma igreja messiânica qualquer, de nome indecorável, mas chamativo o bastante para lotar o salão tão logo se instalou numa antiga loja de flores, plantas e supostos projetos de paisagismo. Uma descida média, agora. À direita encaro o semblante desconsolado de um homem de meia-idade sentado numa cadeira comum em frente à Zélia Modas, loja de confecções gradeada situada num ponto morto da rua, de pedestres e carros escassos, sobrevivendo sabe-se lá como enquanto, à esquerda, desvio rapidamente o olhar de um casal jovem num carro popular estacionado, trocando juras de amor eterno que se desvanecerão em breve como seu melhor jeans.

Outra subida, desta vez mais curta, mas bem mais íngreme, e chego a uma praça que ocupa duas quadras, cortada ao meio, na vertical, por uma ruela que leva de nada a lugar algum. Arrisco dar algumas voltas na segunda metade, tendo de desviar de cacos de vidros de garrafas atiradas por bêbados ou vândalos, e cruzo com duas velhinhas a caráter, vestidas com aquele tipo de roupa que se compra para mostrar para todo mundo, em especial os vizinhos, que se pratica algum tipo de esporte. Eu corro, elas caminham, mas, a cada volta, eu as encontro num ponto anterior, o que significa que elas devem estar indo mais rápido do que eu. Estranho... Mas deve haver uma explicação.

Mais uma ladeira a desbravar, ainda mais longa e extenuante. Ao final dela, passo defronte a um posto da antiga LBA, a Legião Brasileira de Assistência, desmoralizada e extinta pelas roubalheiras da Era Collor, e que em minha infância eu conhecia como “A Legião”. Vem-me à mente, com a clareza das memórias necessárias para preservar um pouco do lúdico perdido, a ocasião em que, levado por Emília, minha avó materna, para tomar uma vacina ali, recebi depois como recompensa pela agulhada um compacto simples, disco de vinil com uma faixa de cada lado, dos Carpenters. De um lado, Mr. Postman; de outro, This Masquerade. A doce voz de Karen se faz ouvir ao longe, a long, long time ago.

As subidas acabaram. Agora vem um trecho plano, algumas descidas. Passo em frente a uma casa de madeira, daquelas típicas do bairro da infância, quase vizinho dali. Esta difere das outras apenas por uma placa na fachada: “Cartomante, Tarô, Bruxaria, Wicka. Consultas somente agendadas” e um número de telefone que, na dúvida, registro na agenda do celular. Quem sabe em que momento da vida o impensável pode se converter em razoável?

Mais subida, agora longa, bem longa, e vou parar numa avenida quase estrada, a um só tempo movimentada e remota, muito além do que imaginava ir. Será a endorfina? Será a wicka?
Duas prostitutas tentam, à luz do dia e às portas de um novo empreendimento imobiliário que se imagina exclusivo, oferecer seus corpos precários a motoristas solitários, um Gol com uns bons vinte anos de uso para, uma delas corre para negociar, a outra observa interessada, afinal, são dois os ocupantes do veículo.

Sei onde estou, mas não conheço aquelas ruas, entro em duas ou três delas, todas sem saída. Alguém teve a idéia de tornar o lugar exclusivo abrindo ruas sem saída. Melhor que fechassem tudo logo, mas preferiram se apoderar da via pública sem de fato fazê-lo (e sem pagar os impostos subjacentes), tornando qualquer passante um intruso, alguém que não deveria estar ali, olhado com desconfiança por senhoras zelosas de seus jardins e homens barrigudos a lavar os carros nas calçadas.

Agora tenho pela frente uma forte descida, que ao contrário do que pensam os não habitués, nada oferece de conforto, ao contrário, exige das articulações um sacrifício já demasiado depois de tanto esforço.

Enfim, um terreno levemente inclinado para cima. Terei subidas piores depois, mas ainda é cedo para me preocupar com isso. O caminho que sigo agora ladeia um campo de várzea, cuja extinção absoluta, embora lamentada com certo entusiasmo, está fadada a jamais se confirmar. O campo fica lá embaixo, estou no topo do barranco e encontro um toco de árvore, próximo a uma parada de ônibus, que por algum tempo será meu desconfortável acento no que passo a considerar a arquibancada superior. Uma equipe de vermelho enfrenta outra de laranja. Na maioria, homens passados dos quarenta, ao menos três deles com mais de sessenta. E ruins, de modo geral, em especial os goleiros. Nas peladas, sabe-se, vão para o gol não os mais habilidosos no gol, mas os de futebol mais medíocre, despachados para o lugar no qual, supostamente, causarão menos estragos.

Dois atletas de fim de semana, com suas barrigas de segunda a domingo, chamam-me a atenção. Um é do time laranja: negro alto, magro, cheio de pose, joga de volante e, quem sabe influenciado pela cor da camisa, porta-se como um Gullit. Embora exiba boa técnica, Gullit, como passo a vê-lo, é muito individualista, acaba sempre perdendo a bola no momento crucial. Seria mais produtivo se passasse mais. O outro é da equipe vermelha e usa uma chamativa bandana estampada, razão pela qual eu o apelido mentalmente de Pirata. O Pirata é o atacante mais efetivo, o que sempre busca a grande área.

Na linha de fundo à minha direita, lá embaixo, um bêbado reclama do goleiro, brandindo uma garrafa em cada mão. Minha bunda começa a doer. O toco de árvore é providencial, mas muito desconfortável. Penso nisso quando sinto algo se aproximar demais de mim, viro-me à esquerda e entra em primeiro plano as rodas de um táxi. Talvez entediado por trabalhar num dia de sol tão lindo, talvez porque os passageiros sumiram, o taxista invadiu a escassa relva do barranco para ver homens sem habilidade brigando pela bola num campo cuja grama se restringe a uma rala moldura. O jogo todo se desenvolve na areia. É quase beach soccer, mas mais duro.

Boa, Pirata, vai! Não adianta, bucaneiro, você está só. Um atacante com barriga acima do aceitável, mesmo para os padrões dali, recebe a bola sozinho, corre, corre, corre, chega na frente do goleiro e toca para fora de modo patético. Levanto-me de imediato, no que sou acompanhado pelo taxista. Isso fora demais para nós dois.

Depois de quase quarenta minutos no toco, não é só a bunda que dói. Os pés, as pernas, antes em intensa atividade, foram parados de súbito e tiveram de se adaptar ao toco nada ergonômico. A circulação agora cobrará seu preço, o caminho que resta de volta será penoso, entre ruas mal calçadas e dribles em cocôs caninos nas praças. Já próximo da chegada, cruzo com duas velhinhas bem vestidas, com aquelas roupas que... não, não pode ser.

Miley me recebe com um ronronado, um bocejo, uma espreguiçada e alguma ironia. Passara a tarde toda cochilando, agora comeria algo e voltaria a cochilar, enquanto eu suava feito doido.


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MÍDIA

Bocelli nada viu em 35 de abril

Quando o politicamente correto ainda não eliminara certas anedotas, ouvia-se muito a seguinte frase: “Você viu o novo disco (nem havia CD ainda) do Steve Wonder?” Se o incauto respondesse “não”, vinha o complemento: “Nem ele”, e o piadista caía na risada. O gracejo já era velho quando surgiu o CD. Ainda assim, muitos continuaram a aplicá-lo. Difícil imaginar quem nunca ouviu tal bobagem. Na terça-feira 21 de abril, no entanto, uma repórter do Jornal Nacional, cujo nome não registrei, começou o texto da cobertura do show de Andréa Bocelli em São Paulo com a seguinte frase: “Deficiente visual, Andréa Bocelli não viu as 25 mil pessoas que...”

Na edição de 25 de abril, o repórter Pedro Bassan, direto de Portugal, abriu assim a matéria sobre os 35 anos da Revolução dos Cravos: “35 de abril. Uma data...”
A MÚSICA NA HISTÓRIA


Veja o depoimento de Chico Buarque a respeito das duas versões da canção Tanto Mar, criada em homenagem à Revolução dos Cravos.





MÍDIA



A coluna de Augusto Nunes na Veja.com está no ar desde a semana passada, com atualizações diárias.
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/


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quinta-feira, 9 de abril de 2009

B O M F E R I A D O

Fiquem com a mensagem de Always Look on the Bright Side of Life, do filme A Vida de Brian (1979), do Monty Python.




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M Í D I A

Nas trincheiras da notícia

O GP da Malásia de Fórmula-1 é um teste de audiência no Brasil: só assiste quem gosta muito de ver carrinhos andando velozes por quase duas horas, afinal, 6h da manhã é tarde demais para uns, cedo demais para outros. Na dúvida, emendei. A corrida começou num ritmo capaz de espantar o sono, e a chuvarada que caiu em seguida parecia prometer grandes emoções. Que nada, a prova acabou com os carros parados, depois de uma espera de 50 minutos até ela ser encerrada por falta de condições da pista, por falta de luminosidade e por falta de bom senso dos dirigentes que – para torná-la mais agradável aos europeus – a colocaram num horário de chuvas notórias e anoitecer iminente.

Tão logo os carros foram alinhados no grid à espera da nova largada que não viria, enquanto os pilotos eram cobertos com guarda-chuvas, suas sapatilhas com galochas e os carros protegidos por lonas, Galvão Bueno pediu ao repórter Carlos Gil para que contasse o que acontecia na pista e nos boxes, o que pensavam os brasileiros, enfim, algo que não se estivesse vendo pela TV. Gil informou então que ele, a exemplo da maioria dos jornalistas, havia se abrigado numa área VIP de um dos patrocinadores do GP tão logo irrompera o aguaceiro. Galvão emendou: “Gil, sugiro que você vá até lá e nos conte o que está acontecendo”. O sugiro, antes de gentileza, foi por certo um merecido deboche. O friorento repórter não se constrangeu: “Pô, mui amigo, hein?”. Ou seja: o sujeito é pago para cobrir um dos mais importantes eventos esportivos do mundo para a maior rede de TV do País, que o manda até a Malásia e, quando uma enxurrada interrompe a prova sua primeira atitude é se abrigar, ficando bem longe da chuva. E da notícia.

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M Í D I A

Um dia a casa cai

A Veja da semana passada trouxe como matéria de capa o caso Daslu, com a chamada “A Queda da Casa do Luxo”. A associação foi imediata, afinal, “A Queda da Casa de Usher” é um dos mais famosos contos de Edgar Alan Poe. Esse foi meu primeiro pensamento. O segundo foi: quantos leitores ligaram o nome à pessoa? Não me considero possuidor de uma formação especialmente sólida, mas a simples condição de jornalista já implica certas obrigações, como níveis de leitura, de cultura geral e de atenção aos detalhes superiores à média. Comentei o título da Veja, sem citar Poe, com alguns jornalistas de, digamos, pouca milhagem, e nenhum deles fez a referência. Alguns sequer conheciam o conto. Felizmente, todos conheciam Poe, embora eu desconfie que poucos o tenham lido. O nível de cultura, tanto da alta quanto da baixa, cultura geral mesmo, anda cada vez menor, mesmo entre profissionais que ganham a vida com as palavras. O editor da Veja teve uma sacada, deve ter se sentido contente com isso, mas o segundo pensamento dele deve ter sido semelhante ao meu.

Leia A Queda da Casa de Usher na íntegra:
L I T E R A T U R A

Império à deriva


Raramente releio algo. A idéia de morrer sem ler tudo de bom que já foi escrito – temor comum a todos os apaixonados por livros –, e a certeza de que assim será, induzem-nos a deixar para trás textos já saboreados, ainda que prazeres incomparáveis nos façam sempre querer retornar a velhas páginas. Por razões de pesquisa – o livro é muito bom, mas está longe de integrar a estante VIP de minha biblioteca –, acabo de reler Império à Deriva, que lera havia apenas uns dois anos. O australiano Patrick Wilcken conta a saga da transferência da corte portuguesa para os trópicos, fugindo da dominação napoleônica na Europa, e os anos passados no Brasil até novas urgências a fazerem percorrer o caminho de volta. O livro, publicado pela Objetiva, traça um retrato deliciosamente cru do choque cultural inicial e de como a aristocracia de além-mar e a incipiente burguesia nacional souberam se adaptar e tirar vantagens mútuas da situação, num pacto de convivência que ajuda a entender a formação da moderna sociedade brasileira.


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J O R N A L I S M O

A inocência esquartejada

O texto a seguir saiu na edição de outubro da revista Brasileiros. Já faz tempo, mas a qualidade e o impacto que provoca justificam sempre sua reprodução. A reportagem foi realizada a quatro mãos por Augusto Nunes e sua filha Branca Nunes (em foto de João Bittar publicada na revista).

"Acho que você precisa saber disso", ouviu o delegado de Ribeirão Pires assim que atendeu o celular. Itamar Martins reconheceu a voz do delegado de plantão. Estranhou o tom aflito. Duas da madrugada, viu no relógio do criado-mudo. Associou o horário tardio ao sotaque da angústia e ficou em guarda. Um policial não interrompe o sono de outro, sobretudo na madrugada de um sábado, para tratar de miudezas. Nem se perturba por pouco. Alguma coisa grave devia ter acontecido. Acontecera: "Uns garis encontraram pedaços de dois corpos no caminhão do lixo". Não dormiria direito no fim de semana, conformou-se, já mudando de roupa e ansioso por cruzar no limite da velocidade os 17,5 quilômetros que separam a casa onde mora em Santo André da delegacia de Ribeirão Pires. As frases seguintes preveniram que não se livraria de visitas da insônia em muitas outras madrugadas. "Os sacos foram recolhidos no fim da noite, numa rua da Vila Aurora."(Itamar lembrou que aqueles meninos moravam lá.) "Parecem pedaços de crianças." (São aqueles meninos, soprou-lhe o instinto aguçado no convívio com a face escura.)

Continua em
http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/15/textos/313/


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V I D A

Qualidade no atendimento à mulher

O câncer de mama é um problema de saúde pública no Brasil. Somente em 2009 serão registrados no País 50 mil novos casos. Trata-se da maior causa de morte de mulheres jovens (15 a 44 anos). Hoje 60% dos casos somente são diagnosticados quando a doença já se encontra em estágio avançado. De 14 a 17 de outubro, em Gramado (RS), ocorrerá o XV Congresso Brasileiro de Mastologia. No âmbito do Congresso será realizado no dia 16 de outubro o I Fórum Saúde Mulher, cujo ponto culminante será a elaboração Carta de Gramado, um documento que visa a comprometer todos os segmentos ligados à saúde, bem como governos, ONGs, voluntários e a sociedade civil como um todo, no sentido de que os recursos hoje existentes em diagnóstico e tratamento cheguem de fato às pacientes, melhorando a qualidade do atendimento. Ambos os eventos têm a presidência do mastologista José Luiz Pedrini.

Para saber mais ou se engajar nesta luta:

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Cândido Norberto
(1925-2009)

Cândido Norberto morreu ontem à noite em Porto Alegre, aos 83 anos. Um dos maiores nomes da comunicação gaúcha em todos os tempos e político cassado pela ditadura, Cândido foi um grande amigo e incentivador. Minha relação com ele era de segunda geração, conforme texto que publiquei em 2004 no site coletiva.net e reproduzo abaixo.





Cândidas recordações de uma garotinha


Sentada em uma cadeira de balanço no pátio da casa localizada na rua Felicíssimo de Azevedo, em Porto Alegre, Terezinha, nome comprido para uma menina de quatro anos, tentava se recuperar de uma pneumonia tomando bastante sol, conforme recomendara o médico. Ela e mãe, Maria Emília, tinham motivos de sobra para se preocupar e rezar dia e noite para que aquela doença maldita fosse embora de vez. Poucos anos antes, a irmã mais nova havia sucumbido à moléstia e não completara dois anos de vida. Terezinha, já então chamada intimamente de Santa devido ao comportamento impecável, não sabia exatamente o que pensava sobre o apelido, mas era menor e mais fácil de pronunciar do que o longo Terezinha Edis.

Nos incontáveis dias passados ao sol naquele pátio lajeado tinha a lhe fazer companhia apenas um elefantinho de pelúcia marrom, além de duas vizinhas mais velhas, velhas mesmo, pensava, pois já deviam ter uns dezoito anos. Lourdes, a favorita, e a irmã, de quem não gravou o nome, debruçavam-se sobre o muro alto e conversavam com ela durante o que pareciam longas horas. Corria o ano de 1943. O mundo estava em guerra e o Brasil vivia sob a ditadura Vargas, coisas das quais só viria a tomar conhecimento muito tempo depois. Naquele ano chegava a Porto Alegre, vindo de Bagé, e contando apenas dezessete anos, Cândido Norberto Silva Santos, que em breve se tornaria ídolo da Era do Rádio.

Terezinha recuperou-se plenamente e levava uma vida normal. Anos depois, olhava vitrinas com a mãe e a avó quando se deparou com uma promoção tentadora: na compra de uma bela bolsinha de verniz roxa, que era a última moda, ganharia de brinde uma foto autografada de Francisco Carlos, cantor carioca projetado para o sucesso em 1949, que participou de diversos filmes e encantou platéias em vários gêneros musicais. A mãe não tinha dinheiro, mas a avó, Tolentina, a quem chamava de Tutua, percebeu o brilho no olhar da neta e bancou a compra.

A foto de Francisco Carlos, embora estimada, acabaria valendo para ela muito menos do que outra, que ganharia durante a visita a um programa com pequeno auditório na Rádio Difusora. Além de poder sortear as cartas de ouvintes que receberiam prêmios, saiu do estúdio com a foto autografada do maior ídolo, Cândido Norberto, que rapidamente e ainda muito jovem, tornara-se locutor, animador, rádio-ator e coordenador de elenco, entre tantas outras funções que haveria de desempenhar com competência no rádio nas décadas seguintes.

Desta vez não fora preciso comprar uma bolsinha de verniz, mas a mãe teve de providenciar tesoura, cola e um caderno para que a filha colasse as pencas de fotos de Cândido retiradas de jornais, revistas, panfletos e tudo que fosse possível conseguir. O acervo aumentava enquanto ela freqüentava assiduamente o programa. Do bairro Higienópolis, onde morava – agora haviam trocado a Felicíssimo de Azevedo pela Marcelo Gama – seguiam, ela e mãe, de bonde até o centro, onde desciam na Praça XV e tomavam caldo de cana gelado, ou uma Grapette acompanhada de um sanduíche antes de seguirem para a rádio.

Certa vez foram a pé até o Cine Orpheu, que depois se tornaria Astor, e hoje é loja para gordos, na esquina da Benjamin Constant com a Cristóvão Colombo. Seria um programa de rádio com auditório ao vivo ou um debate do político iniciante? Fosse o que fosse, a menina invariavelmente de trancinhas e laço de fita foi chamada por ele ao microfone para compor a mesa na qual só havia homens engravatados. Uma honra inesquecível que se repetiria em pequenas doses.

Quando Cândido com certeza já era político, a garota e a mãe percorriam a pé a Rua da Praia e subiam a Ladeira. Muitas vezes o encontravam no caminho, ele parava o carro e oferecia carona e depois um cafezinho no bar da Assembléia. A garota nem gostava de café, mas bebia como se fosse sua bebida predileta, empavonada por estar ao lado do ídolo.

Os anos avançaram e muitas horas foram passadas ao lado do rádio à espera dos acordes de Moonlight Serenade, tocada pela orquestra de Glenn Miller, indicativo de que estava entrando no ar Pensando em Voz Alta, o mais clássico programa radiofônico de Cândido. A menina, sem qualquer interferência do mito, chegou a participar de uma radionovela. Depois cantou no programa do Vovô Guerra, no Clube do Guri, de Ari Rêgo, e no Programa Maurício Sobrinho, no Cine Castelo, na mesma geração de Elis Regina. Parou lá pelos 16, quando ficou noiva, voltou depois, quando já tinha um filho pequeno, e chegou a concorrer ao título de Rainha do Rádio.

Em 1980, 37 anos depois daquelas tardes ao sol no pátio lajeado, a garota entrou na sala da presidência da TVE-RS, então ocupada por Cândido. Passadas tantas décadas, entregou ao ídolo o caderno repleto de recortes amarelecidos. Fazia-se acompanhar do filho, então com 20 anos, estudante de jornalismo e que logo iniciaria sua carreira no jornal Zero Hora com o apoio e o carinho do ídolo da mãe. Carinho que, a exemplo do que ocorrera com a menina, se entenderia ao filho pelas décadas seguintes. Neste 18 de outubro de 2004 ele completa 79 anos. Cândido é um dos únicos homens que me acostumei a cumprimentar com beijos.

Créditos das fotos:
Divulgação PUC (1)
Arquivo Pessoal (2 e 3)
Divulgação AL-RS (4)


sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O DIA EM QUE A TERRA PAROU


REPLAY














A reportagem de capa da revista Veja, em 24 de dezembro, tratava do genocídio em Darfur; na celebração do nascimento de Cristo, a dramática foto de uma refugiada com o filho no colo em uma alegoria cruel, mas real, da Virgem Maria. Em 7 de janeiro, Veja estampou na capa foto do enterro de uma das centenas de vítimas dos ataques de Israel à Faixa de Gaza.
Mais de dois anos atrás escrevi sobre Darfur e sobre o drama dos conflitos de Israel com o Hezbollah, no Líbano. Troque-se Hezbollah por Hamas, e Líbano por Faixa de Gaza, e ambos os textos seguem lamentavelmente atuais.


O genocídio esquecido

Darfur não freqüenta os noticiários com a assiduidade necessária. O chamado “público em geral” nem sabe o que é Darfur que, no entanto, tem sido palco de um genocídio que já dura mais de três anos. Localizado no Oeste do Sudão, a região tem sido alvo de bombardeios aéreos constantes, complementados por ataques terrestres destinados a deixar o mínimo possível de sobreviventes. O número de mortos, de acordo com a ONU, passa dos 200 mil. Estimativas menos otimistas indicam que se aproxima do meio milhão.

As Nações Unidas e os EUA admitem que se trata de limpeza étnica, mas não têm despendido tempo e energias para conter a matança promovida pelo regime fundamentalista de Cartum. Preferem deixar a missão a cargo da União Africana, que designou entre 3 e 7 mil soldados para a tarefa, um efetivo irrisório para a situação.

A pretexto de combate à guerrilha, a Força Aérea sudanesa e a Janjaweed, a milícia oficial, não dão trégua na chacina. Mais de dois milhões de zurgas, termo pejorativo usado pelos opressores, tiveram de deixar suas casas, sendo que 500 mil deles se refugiaram no vizinho Chade, um dos países mais miseráveis do mundo. Muitos morrerão de fome. Os que ficaram em Darfur morrem à média de 20 mil por mês, assassinados ou de fome.

Nesse ritmo, o genocídio talvez acabará nos próximos anos por falta de vítimas. Darfur tem uma área semelhante à da França e uma população entre 5 e 6 milhões. Os Estados Unidos têm feito vistas grossas, a exemplo de outras potências ocidentais, como a Inglaterra e a França, por causa do abundante petróleo do Sudão. Uma razão suplementar para o silêncio americano seria a suposta colaboração do regime de Cartum na busca por Osama Bin Laden e outros membros graduados da Al Qaeda.

A ONU aprovou em setembro uma resolução segundo a qual 17 mil soldados de sua força de paz substituiriam os da União Africana. O governo sudanês rejeitou a idéia. Para o presidente Omar al-Bashir, trata-se de "uma conspiração para confiscar a soberania do país”. O impasse continua. O massacre também.

Publicado originalmente em 24 de outubro de 2006 no site coletiva.net



O silêncio dos deuses

O olhar mira o infinito, em busca da impossível explicação. A voz interior conversa com o vazio que acaba de lhe preencher. Quem sabe Deus, ou Alá, ou divindades de quaisquer nomes possam escutar. Mas não. Os deuses estão calados agora, envergonhados de sua própria criação, impotentes, acuados. Ninguém responde. Ao silêncio dos deuses se soma a imensidão surda ao redor. Nenhum ruído. Seria possível ouvir a queda de um alfinete, caso a audição, como todos os outros sentidos, não estivesse fechada para a realidade. Um isolamento que o deixa a salvo do barulho das bombas, do cheiro de morte, da visão horripilante posta em seus braços, do fustigar dos escombros sob os pés. Pés que avançam céleres, embora seja tarde demais e o tempo, conceito sempre abstrato, agora não passe de uma palavra sem sentido, como tantas outras, como todas as outras. Junções aleatórias de letras, sempre dispostas a trair seu significado. Amor, solidariedade, dor, perda, ódio, intransigência, violência, pedras, água, petróleo, alimento, dinheiro, vida. Palavras que se enredam já desprovidas de significados, perdidas em meio à mistura de fumaça, poeira e restos. Restos do que foi uma habitação, restos do que foi uma vida. A vida jaz ali, a poucos centímetros do olhar, mas este olhar já não faz questão de ver. Quem sabe se não olhando, o pequeno cadáver desaparece como por mágica. Quem sabe uma prece resolvesse, se ele pudesse falar. Se eles pudessem ouvir. Porque no espaço sem som, cor, odor ou substância que ele ora habita, as palavras não se propagam. Apenas pairam no ar, como os vestígios de um artefato mortal disparado por homens que agora celebram, enquanto outros homens se aprontam para disparar outro artefato em sentido contrário, já prontos para nova celebração. Um espaço de tempo infinito nas terras da dor infinita. O que são segundos de sofrimento diante de milênios de agonia. Mas agora a agonia é concreta. Está ali, estendida nos braços. Pior, nem agonia existe. Apenas o fim, a perda, o vazio, o grande e inescapável nada. Não há para onde olhar, não há quem possa escutar. Há apenas o avanço de pernas vacilantes sobre pedaços de concreto e pedaços de corpos. Não há como fugir. Não há para onde fugir. Não dá para evitar, tampouco reparar. Resta apenas vagar no limbo do choque antes que novas ondas de choque venham furar a camada de inconsciência. Pouco importa se ele é o pai da criança, um vizinho solidário ou um terrorista. Pouco importa de que lado veio a bomba, ou quais as razões históricas do conflito. Agora, enquanto o olhar busca a transcendência, importa apenas o pequeno corpo estendido nos braços. Importa apenas a espera desesperada por uma resposta.

Publicado originalmente no site coletiva.net

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sábado, 3 de janeiro de 2009


A foto é de uma propaganda da Adidas, da qual cortei o rosto do David Beckham para que ele não ofuscasse a mensagem. Enfim, o que importa é o recado. Bom 2009.




sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

BALANÇO 2008

Diário de um ano ruim

O título deste post, subtraído ao mais recente romance de J. M. Coetzee, não pretende renegar as conquistas de 2008, mas lembrar de que não é o bastante, de que 2009 terá de ser muito melhor, como cada novo ano, ao menos enquanto não se desiste de sonhar. A seguir, uma espécie de prestação de contas para que os amigos tenham uma idéia do que andei fazendo. Agradeço a todos que passaram por aqui, peço perdão pelo eventual abandono do Blog – creiam-me, foi por absoluta falta de tempo – e espero contar com vocês ao longo dos próximos 12 meses.


De janeiro a março (e a partir de julho de 2007), morei em Florianópolis, onde coordenei o projeto Roteiros do Brasil, da editora Letras Brasileiras, de Werner Zotz e Jakzam Kaiser, sob encomenda do Ministério do Turismo. O conteúdo produzido ao longo daqueles meses resultou no site www.roteirosdobrasil.tur.br/
e em 27 revistas, uma para cada Estado brasileiro. A montagem ao lado é da Fotomundo, do Markito e do Plínio Bordin, fotógrafos que integraram a equipe.


Abril e maio foram dedicados a ajudar
Eduardo Bueno, o famoso
Peninha, na pesquisa e nos
textos do livro Produto Nacional,
uma história da indústria Brasileira,
para a Confederação Nacional
da Indústria (CNI). Na foto,
Peninha faz a clássica
pose do “mostra o livro aí”
em foto de divulgação de
Miguel Ângelo, da CNI.


Em junho fiz a edição de
textos de Falange Gaúcha,
livro produzido a partir
de uma série de reportagens
premiadas de Renato Dornelles,
do Diário Gaúcho,
para a RBS Publicações,
dirigida por Pedro Haase Filho.


Em julho, produzi e editei a
primeira edição do jornal
Carta de Gramado, do
Congresso Brasileiro de
Mastologia/Gramado 2009,
presidido pelo mastologista
José Luiz Pedrini.





No segundo semestre,
produzi reportagens e textos
para duas publicações da
Editora Expressão, uma própria,
o Anuário Ecológico,
e outra terceirizada,
ambas editadas por
Vladimir Brandão.





Fiz ainda alguns trabalhos
esporádicos, como uma resenha
do mais recente livro de
Paul Auster para a
revista Aplauso, encomendada
pelo editor Flávio Ilha.





A partir de julho, ajudei a escritora e jornalista Regina Echeverria na finalização da biografia (de autoria dela) do ex-presidente José Sarney.

Em 2008, mais uma vez, tive o privilégio de trabalhar com o que gosto, junto a grandes profissionais e grandes empresas. Este foi o diário de um ano ruim. Os planos para 2009 são ainda mais ambiciosos. Como tem de ser sempre, ao menos enquanto não se desiste de sonhar.

Um grande ano a todos.