terça-feira, 21 de outubro de 2014

Respeitemo-nos!

Só não é chocante o desrespeito a grassar nas ruas, botecos e timelines nesta campanha eleitoral porque o tempo nos ensina a não esperar muito das pessoas. Como diz aquela frase magistral, cuja autoria desconheço, mas que ouvi pela primeira vez da amiga Françoise Techio, o ser humano é o pior tipo de gente. Mas eu não quero falar de política aqui, não é o caso, tampouco a paciência permite no momento. Quero falar de coisas, digamos, comezinhas.

Quem me acompanha com alguma atenção nas redes sociais – sei lá por que alguém o faria – sabe o quanto, a despeito de ser rude ocasionalmente – às vezes é conveniente manter a fama de mau –, jamais posei de árbitro da moral alheia, mediador de gostos ou opiniões e, muito menos, julguei alguém por suas opções ou orientações. Sempre fui assim na vida, e redes sociais são que nem bebida alcoólica, somente dão vazão ao que no fundo sempre se quis dizer ou fazer, são supostas justificativas para palavras e atitudes que olho no olho, e sóbrios, jamais assumiríamos. Orgulho-me de poder afirmar que nunca fiz ou falei algo que tivesse de desdizer no dia seguinte usando o manjadíssimo pretexto do “eu havia bebido”. Não por não beber, mas por saber administrar. Sim, eu havia bebido, mas fi-lo porque qui-lo, como diria o tresloucado Jânio Quadros.

Custa-me, portanto, aceitar qualquer forma de bullying, declarado ou disfarçado de outra coisa socialmente mais aceitável. Por exemplo: há cerca de um ano e meio, talvez menos, tornei-me vegetariano, opção motivada por variadas razões. Apenas mudei meus hábitos alimentares, não tentei doutrinar ninguém, muito menos passei a dar discursos desagradáveis diante de apreciadores de picanha malpassada. Tenho opiniões firmes a respeito disso, como costumo ter a respeito de tudo, apenas não as saio declarando aos berros. Justo seria esperar que, ao menos, deixassem-me em paz com minha opção, certo? Errado. Há quem não possa perder uma mísera oportunidade. Seja pela necessidade patológica de tentar ser engraçado sempre – o que nem o psicopata Coringa, do Batman, consegue –, seja por arrogância mesmo.

Dizem que três coisas não se devem discutir: futebol, política e religião(Leia a continuação clicando no link abaixo).
Bem, acontece que não aceito a existência de assunto tabu, acho que tudo pode e deve ser discutido se houver respeito, tolerância e efetiva – esta palavra não diz coisa alguma, mas parece reforçar o sentido de qualquer coisa – disposição de ouvir o interlocutor. Futebol é o mais fácil, torce-se para um ou para outro clube, não chega a ser um dilema existencial, embora me incomode a infantilidade de alguns torcedores do outro time de Porto Alegre, que insistem em vir com piadinhas grosseiras, sendo que eu nunca sequer citei o nome do tal outro clube no FB. Sou gremista “de quatro costados”, como se diz no Sul, e só as questões do meu time me interessam. Política pode-se e se deve discutir, mas tenho enfrentado dificuldades neste aspecto, pois acredito que se tem de exercitar a lógica, o bom senso e a honestidade intelectual, o que anda impossível.


Religião é o tema mais agudo, sem dúvida. Se no futebol e na política o bom senso anda escasso, na religião a situação tende a se tornar ainda mais complexa. A começar pelo fato de que as pessoas só entendem o que querem entender. Por exemplo: eu nunca afirmei, em redes sociais ou fora delas, que eu era ateu. A única ocasião em que utilizei esta palavra foi no Facebook, ao citar a célebre frase de Odorico Paraguaçu, impagável personagem de Paulo Gracindo na novela O Bem Amado, do longínquo 1973: “Eu sou ateu! Graças a Deus!” Bem, para quem não entende a ironia da frase não vale a pena explicar. Fora isso, o que eu me declarei foi agnóstico, o que é bem diferente e, para quem não sabe a diferença, digo apenas “dá um Google!”.

Por razões do chamado “foro íntimo”, e sempre o são quando se trata de assunto tão sensível, as coisas têm mudado para mim neste terreno. Outro dia, apenas ensaiei comentar a questão com um amigo, nem deu tempo de me aprofundar, e de imediato comecei a sentir o mesmo que sinto quando digo que sou vegetariano. O interessante – ou não – é que as pessoas, de modo geral, garantem que entendem e respeitam, apenas não concordam. Bom, primeiro, ninguém está pedindo que concordem. Segundo, as reações não costumam ser as de quem respeita mesmo, do fundo do coração.

Alguns anos atrás ao conversar com o Jakzam Kaiser, amigo de longa data, comentei o fato de que nos dávamos tão bem a despeito das diferenças, que não são poucas. Ele lembrou que, entre as muitas lições aprendidas com o pai, possivelmente uma das mais importantes tenha sido a tolerância, o entendimento de que ninguém precisa ser igual a ninguém, de que ainda assim é possível haver respeito e legítima admiração – o que é o caso, mútuo, entre nós –, o segredo é a tolerância.

Nossas escolhas nos definem, de fato, mas ninguém tem o direito de tentar nos definir a partir de nossas escolhas. Muito, mas muito menos, de nos julgar. Entretanto, tenho consciência de que será sempre assim. E se prego a tolerância, preciso ser tolerante, mesmo com os intolerantes.
E isso que nem falei de política.

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