sexta-feira, 29 de agosto de 2014

GRANDES NOMES DA PROPAGANDA
Francesc Petit, o P da DPZ


A Espanha foi palco de um golpe de Estado, em 1923, liderado pelo general Miguel Primo de Rivera e com as bênçãos do rei Afonso III. A crise mundial provocada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, ocorrida em 1929, fragilizou os detentores do poder e o rei retirou o apoio ao ditador. Dois anos mais tarde, com a vitória de socialistas, nacionalistas e republicanos nas principais cidades, Afonso III foi para o exílio. Os conservadores voltaram ao poder em 1933 e, em outubro no ano seguinte, eclodiu uma revolta nas regiões da Catalunha e das Astúrias, em seguida debelada pelo governo. Em 1935, derrotados nas urnas, os conservadores, apoiados pelo Exército e pela Igreja, planejaram novo golpe. Começou então a Guerra Civil Espanhola, que em três anos deixou saldo de 350 mil mortos. O conflito acabou em 1939 com a vitória dos militares e a instalação de uma ditadura fascista comandada pelo general Francisco Franco. Com a oposição sufocada, Franco ficou no poder até sua morte, em 1975, quando o rei Juan Carlos I – que recentemente abdicou em favor do filho, Felipe VI – tornou-se chefe de Estado. Um parlamento eleito democraticamente aprovou a nova Constituição e a Espanha passou a ser governada de fato por um primeiro-ministro. O atual é o conservador Mariano Rajoy.

Francesc Petit Reig nasceu em Barcelona, na Catalunha, em 1934, ano da rebelião, e cresceu no contexto da Guerra Civil Espanhola, que arrasou o país, e, na sequência, da Segunda Guerra Mundial. Desde cedo começou a aprender o ofício do pai e, aos 10 anos, já o ajudava em sua pequena serralheria. Eram tempos duros, de miséria quase absoluta, em que faltavam itens básicos, até mesmo água, para a maioria da população, e de violentíssima repressão. O pai de Francesc em duas ocasiões esteve a ponto de ser fuzilado, tendo sido arrastado de casa no meio da noite na frente da impotente família, enquanto os soldados quebravam tudo dentro da residência. Ele mesmo, ainda adolescente, voltava para casa com um pão dentro da mochila quando foi ameaçado de prisão porque acharam que o pão era produto de roubo ou contrabando.

Passado o conflito na Europa, em 1946, aos 12 anos, o menino começou a correr de bicicleta, uma das paixões que o acompanhariam por toda a vida. Acordava às 4h para treinar e chegou a ser bicampeão catalão e campeão espanhol. Também naquela época passou a estudar artes. No final da década, a família decidiu procurar novos ares em busca de oportunidades. Como a mãe do garoto era natural de Honduras, aquele foi o país escolhido. As passagens já estavam compradas quando um amigo médico, que viajara ao Brasil para participar de um congresso, jantou na casa deles e falou muitas coisas boas a respeito de São Paulo. Empolgado com as palavras do amigo, o pai de Francesc foi à agência de viagens e trocou as passagens: o destino da família seria o Brasil, onde desembarcaram em 1952. Os pais jamais haveriam de se adaptar totalmente à nova terra, mas, para o menino, que já partiu da Espanha tendo se iniciado no ramo da propaganda, foi mais fácil e definiu seu futuro. Francesc Petit estudara pintura na Escola de Belas-Artes de Barcelona, entre 1945 a 1951, e no Studio de Joaquim Girbau de arte e propaganda. Em 1947, trabalhou na Gráfica Secx & Barral como retocador de fotolito. (Leia a continuação clicando no link abaixo).
No processo de entrosamento com os meios culturais da capital paulista, o jovem Francesc Petit tornou-se habitué da Sete de Abril. A rua era o centro da publicidade nacional, uma espécie de versão brasileira da célebre Madison Avenue, de Nova York. No prédio dos Diários Associados, o empresário e mecenas Ciccillo Matarazzo dera início, nos anos 40, ao que se tornaria o Museu de Arte Moderna de São Paulo. A associação dos amigos do museu contava com o apoio, entre outros, de Assis Chateaubriand, o Chatô, dono dos Associados, além de nomes emblemáticos como Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral, Oscar Niemayer e Vitor Brecheret. Como o espaço da associação servia de ponto de encontro de uma turma de intelectuais, ficou conhecido como “o clubinho” e acabou abrigando também um bar. Ali, Petit conheceria nomes do calibre de Di Cavalcanti, Aldemir Martins, Rubem Braga e Vinícius de Morais, entre incontáveis escritores, cineastas e toda sorte de gente ligada à criação.


            Seu primeiro emprego no Brasil foi em uma empresa que fazia cartazes para vitrinas de lojas, da qual se orgulhava de ter se tornado o chefe em apenas um mês, graças aos conhecimentos de tipografia. Em 1952, transferiu-se para uma agência especializada em propaganda para cinema. Nessa época, a Varig promovia um concurso de cartazes e Petit, a exemplo de meia dúzia de colegas, resolveu participar. Ainda que preferisse não sonhar, certo dia se dirigiu ao escritório da companhia área para ver quem vencera. A moça da recepção comentou que eles não havia podido informar ao ganhador, pois ele não deixara endereço ou telefone, apenas o nome: Francesc Petit.

            A vitória, obtida apenas um ano depois da chegada ao País, deu-lhe visibilidade: recomendado pelo ex-chefe, conseguiu uma vaga na J. W. Thompson, fundada em 1864 pelo americano William James Carlton e comprada por John Walter Thompson em 1877, sendo a agência de propaganda mais antiga do mundo e a primeira estrangeira a se instalar no Brasil, em 1929. Começava ali para o jovem e ambicioso catalão uma carreira de sucesso sem precedentes. Depois de dois anos, transferiu-se para a McCann-Erickson (atual WMcCann), onde permaneceu por quatro anos, não gostou e voltou para a Thompson. O desenho definitivos da vida de Francesc Petit começou a se esboçar em 1962, quando deixou outra vez a Thompson e, junto com o colega José Zaragoza, que também viera da Espanha no início dos ’50, abriu seu próprio negócio de publicidade. Seis anos mais tarde, aliados a Roberto Duailibi, que trabalhava para eles como freelancer, fundaram a DPZ (Duailibi, Petit e Zaragoza).

 Francesc Petit foi um dos maiores nomes da propaganda brasileira. Entre seus feitos mais notáveis estão a criação do “garoto da Bombril” – em parceria com Washington Olivetto, com quem formou dupla por mais de uma década –, eternizado pelo ator Carlos Moreno, as logomarcas da Gol e do Itaú, e o S da Sadia. Escreveu os livros Guia Petit de Barcelona, Propaganda Ilimitada, Faça Logo uma Marca e a ficção Quem Inventou Picasso. Militante político da causa da Catalunha, onde sempre manteve uma segunda residência, Francesc Petit também pintava quadros – realizou sua primeira mostra individual na Galeria Vila Rica, em São Paulo, em 1963 –, cultivava flores – em casa e na agência –, caprichava no guarda-roupa e amava o ciclismo, tendo sido inclusive comentarista da ESPN.

            Ao sucumbir a um câncer aos 79 anos, em 6 de setembro de 2013, Francesc Petit deixou a esposa Inês, as filhas Isabel, Luiza e Julia – apresentadora de TV, modelo e produtora musical –, cinco netos e um legado de valor inestimável para a propaganda brasileira. Petit morreu poucos meses antes de ver sua agência passar ao controle total do Publicis Groupe, um dos maiores do mundo no setor. O Publicis adquirira 70% da DPZ em 2011, e ficou acordado que os antigos sócios teriam de vender os 30% restantes (10% de cada um) e se afastar definitivamente da empresa em 31 de dezembro de 2013. Petit morreu sendo ainda, de fato e de direito, o P da DPZ.

(Publicado originalmente na revista Advertising)
Crédito da foto: DPZ

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