terça-feira, 17 de junho de 2008

JORNALISMO

O Homem Providencial

Quase todas as grandes redações já assistiram à chegada do Homem Providencial. Não importa de onde venha, qual o tamanho do currículo ou do salário, ele desembarca com todas as respostas. Ele sabe o que funciona e o que não funciona em jornalismo, o que exatamente o leitor quer, quais os melhores enfoques para todas as melhores reportagens que serão feitas a partir daquele momento, baseadas nas melhores pautas que ele também tem, reforçadas por informações das melhores fontes, que são as dele. Basta seguir o que ele fala e tudo dará certo. O Homem Providencial só não faz o jornal (ou revista, ou programa etc.) sozinho porque o tempo é curto, e o dele mais ainda, uma vez que só ele sabe as respostas e, portanto, tem de ser consultado sobre tudo.

O Homem Providencial não precisa vir de longe, tampouco receber salários milionários. Muitas vezes ele já estava na redação, à espera da promoção a um cargo que o permitisse mostrar seus conhecimentos sobre jornalismo que, é claro, são todos os conhecimentos possíveis. Quando se diz que a nova função “subiu à cabeça” de alguém, muitas vezes pode se estar cometendo a heresia de não identificar de imediato a assunção do Homem Providencial. Mas nas nem sempre é fácil reconhecê-lo.

Há, basicamente, cinco tipos de chefe:
* O que toma e anuncia as decisões sem consultar a equipe.
* O que toma as decisões e, antes de anunciá-la, consulta a equipe, mas não tem qualquer intenção de modificar o que já decidira.
* O que consulta a equipe antes de tomar as decisões, mas acaba por não levar em conta nada do que lhe foi dito e segue os próprios critérios.
* O que consulta a equipe antes de tomar as decisões e leva em conta as sugestões.
* O que orienta a equipe para que ela tome as próprias decisões.

O Homem Providencial poderá adotar qualquer uma das três primeiras alternativas, mas a primeira é a mais provável, porque uma das principais características do Homem Providencial é deixar claro, desde o primeiro discurso, que o interlocutor está diante do Homem Providencial, fato do qual é melhor não discordar. Em qualquer ofício ele é nocivo, mas, em redações, é especialmente destrutivo.

Quando se lida com produtos bem definidos como um par de sapatos ou uma lata de sardinhas em conserva, o Homem Providencial pode reprimir idéias que contribuiriam para a melhoria da qualidade ou o aumento do lucro, mas os sapatos continuarão sendo sapatos e as sardinhas continuarão sendo sardinhas. Quando a mercadoria é a informação, ele pode causar estragos bem maiores. A premissa de ouvir todos os lados de uma questão começa dentro de casa. Se os profissionais não discutem as pautas antes de realizá-las, certamente o leitor será no prejuízo. Mas é melhor nunca dizer isso ao Homem Providencial. Até porque ele já sabe tudo que é importante saber.


Publicado originalmente no site coletiva.net

2 comentários:

Clovis Heberle disse...

E o Homem Providencial gera sub-Homens Providenciais, que por sua vez geram sub/sub Homens Providenciais, e assim por diante. E a redação se transforma no túmulo da criatividade.

Blodeuwedd disse...

Sem muito a acrescentar, concordo plenamente com o Clóvis. Só avisando que a "Mulher Providencial" também ocorre com bastante freqüência...