terça-feira, 29 de julho de 2008

TOCO Y ME VOY

DEPOIS DE DANTAS, NÃO FALTA NINGUÉM

Augusto Nunes

Até 29 de junho de 1958, os brasileiros ficavam ruborizados, olhavam para os lados, balbuciavam incongruências sempre que um gringo qualquer reabria a chaga dolorosa: se jamais conquistara uma Copa do Mundo, o que autorizava o Brasil a apresentar-se como O País do Futebol? Faltava a Copa, sabiam até o pau de escanteio e a marca do pênalti. E então veio o triunfo na Suécia. E então não ficou faltando mais nada. E enfim as arquibancadas, tribunas e gerais conseguiram livrar-se do que Nelson Rodrigues batizou de complexo de vira-lata.

Até 8 de julho de 2008, alguém estará escrevendo daqui a 50 anos, os brasileiros se encolhiam feito ladrão pilhado em flagrante, tossiam no meio da frase desconexa quando um gringo qualquer cutucava a fratura exposta: se o Brasil não tinha um legítimo escroque internacional, o que o autorizava a considerar-se um paraíso da bandidagem impune? Faltava o escroque internacional, envergonhavam-se tanto o trombadinha quanto o ministro larápio. Depois da atualização do prontuário de Daniel Dantas, não falta mais nada. O país está pronto para buscar a taça também nos campos da delinqüência de fina linhagem.

Daqui por diante, nenhum patriota precisará evocar meliantes que, apesar do fichário notável, por algum motivo não estão qualificados para o posto assumido por Dantas. "Temos o Naji Nahas", balbuciaram, por exemplo, milhares de defensores da nação. "Esse não vale, já veio pronto", retrucavam os adversários. Reconheciam que se tratava de um genuíno escroque internacional. Mas já era muito respeitado no ramo quando chegou aos pântanos do Brasil, onde conseguiu a dupla cidadania. Naji não é coisa nossa. Foi num berçário do Líbano que aprendeu a levar vantagem em qualquer negócio. Foi lá que começou a comprar na baixa a fralda do bebê que estava de saída para vendê-la ao bebê que acabara de chegar. Pelo triplo do preço.

Daniel Dantas é outra coisa. É o primeiro escroque internacional inteiramente fabricado no Brasil. É coisa nossa, o que não é pouca coisa. Agem no mundo milhões de fora-da-lei. Não passam de mil os integrantes do grupo de elite a que Dantas está incorporado. Ele está para o paraíso dos corruptos como a Seleção de 1958 para o País do Futebol. É um cracaço completo.

Vai em todas como Gilmar. Finta pela direita como Djalma Santos, avança pela esquerda como Newton Santos. Entra em bolas divididas como Bellini, marca o adversário como Orlando, muda o jogo como Zito, engana a polícia e a Justiça com a esperteza de Didi. Dribla sócios e concorrentes como Garrincha, recua como Zagallo na hora do perigo, atropela as leis com o ímpeto de Vavá. Pensa primeiro, como Pelé. E, também como o Rei, recupera o equilíbrio e segue adiante quando todo mundo pensa que vai cair.

Dantas atende a todos os pré-requisitos impostos a candidatos ao clube dos escroques internacionais, onde só entram figuras que, embora evitem violências físicas, são freqüentemente mais assustadoras que serial killer americano. Passam o dia cometendo crimes ou planejando os próximos. Decidem tudo, mas os outros é que executam. Viciados em bandidagem, preferem lucrar menos com um negócio ilegal a ganhar bilhões a mais honestamente. Enganam sócios e parceiros enquanto golpeiam adversários. Não gostam de publicidade, não casam com a Miss Brasil quase balzaquiana, evitam a imprensa, não aparecem em colunas sociais. Não ostentam a riqueza que acumulam. Nem fazem tanta questão de viver com luxo. O que querem é viver perigosamente.

Nosso escroque nativo preenche todas as outras exigências. Dono de tudo, oficialmente não tem nada. É banqueiro, mas oficialmente o banco não é dele. Fala mais de um idioma. É investigado em mais de um país. Não muda de ramo quando muda o governo. Trapaceou na Era FH como trapaceia na Era Lula. Oferece suborno a policiais, aluga figurões nos Três Poderes, arrenda amigos do presidente da vez. Nunca fica preso mais de dois dias. Se acontecem acidentes de percurso, como operações da Polícia Federal, consegue um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal. Ou dois, se for o caso.

Publicado originalmente na Gazeta Mercantil

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