quarta-feira, 26 de novembro de 2014

GRANDES NOMES
Ben Bradlee, o editor por excelência

A galeria dos grandes nomes do jornalismo costuma destinar os espaços mais nobres a homens que converteram reportagem em arte. O culto ao texto Frank Sinatra Está Resfriado, por exemplo, celebra, merecidamente, o genial Gay Talese, mas revela-se injusto ao relegar a uma quase obscuridade Harold Hayes, editor da Esquire que o escalou para a empreitada, bancou os altos custos, teve paciência para esperar e aceitar seus métodos e por fim publicou o perfil com todas as honras. O mesmo se dá em relação a Hiroshima, obra inaugural do new journalism, que elevou ao panteão dos mestres do ofício, com toda honra e justiça, o autor, John Hersey, mas não concedeu o reconhecimento devido ao editores Harold Ross e William Shawn, que dedicaram uma edição inteira da New Yorker àquele trabalho esplendoroso.

A cobertura do Caso Wategate consagrou mundialmente os repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do Washington Post, história contada no livro Todos os Homens do Presidente, de autoria deles, e que deu origem ao filme homônimo (leia mais na reportagem de capa desta edição). Neste caso, felizmente, o editor não foi esquecido. Ainda que seu nome não soe tão popular para quem não é do ramo, Ben Bradlee obteve o devido reconhecimento.

A última homenagem ocorreu no ano passado, quando ele recebeu a medalha da liberdade das mãos do presidente Barack Obama, na Casa Branca, com direito a discursos emocionados de Bernstein e Woodward. Bradlee morreu em 21 de outubro último em Washington, aos 93 anos. Em nota oficial, Obama declarou: “Para Benjamin Bradlee, o jornalismo foi mais que uma profissão. Era um bem público e vital para a democracia. Bradlee transformou o Washington Post em um dos melhores jornais do país (...) e contou histórias que precisavam ser contadas”.

Nascido em Boston, Estado de Massachusetts, em 26 de agosto de 1921, Benjamin Crowninshield Bradlee ingressou no Washington Post, que viria a se tornar um dos jornais mais importantes dos Estados Unidos – e do mundo – somente aos 44 anos, em 1965. Se fosse no Brasil, possivelmente seria tarde demais para começar uma nova trajetória e assumir papel de relevo na história. Aqui, jornalistas nesta idade se encaminham rapidamente para a condição de velhos que devem ser descartados para dar lugar às novas gerações, mas, nos EUA, onde talvez os executivos da mídia não sejam tão inteligentes quanto os daqui, é uma idade em que os profissionais estão apenas começando sua escalada rumo a postos de chefia nas redações. Assim, Bradlee, que começara como jornaleiro em sua cidade natal, permaneceu no Post por 26 anos, até os 70 de idade, na condição de editor executivo. Aposentou-se em 1991. Enquanto esteve lá, o Post conquistou 17 prêmios Pulitzer, o Oscar do jornalismo.

Antes de coordenar a apuração do Caso Watergate, Bradlee envolvera-se em outra cobertura histórica da imprensa americana, referente aos Documentos do Pentágono (ou Papéis do Pentágono). Em 31 de junho de 1971, o The New York Times deu início à publicação de uma série de reportagens que tinham como base 7 mil páginas de documentos secretos do Departamento de Defesa sobre a Guerra do Vietnã. Tratava-se de um relatório produzido a pedido do secretário da Defesa, Robert McNamara, a fim de determinar até que ponto sucessivos governos haviam mentido acerca das operações dos EUA no Sudeste da Ásia. Um dos encarregados de elaborar o relatório, Daniel Ellsberg, fez uma cópia do material e a entregou ao Times. Dois dias depois da publicação, o governo do presidente Richard Nixon obteve na justiça uma ordem proibindo o jornal de seguir publicando a série.

Neste ponto, voltamos a Ben Bradlee. Com o Times silenciado, Daniel Ellsberg repassou os documentos ao Post, que deu continuidade à publicação, agora ainda com mais fanfarras graças à publicidade decorrente da decisão judicial de censurar o Times. Ocorre que a também lendária Katharine Graham, dona do jornal – e da revista Newsweek – recalcitrava. O Post era então um jornal de pouca relevância, a despeito de estar localizado a poucas quadras da Casa Branca. Se haviam calado o poderoso NYT, seria razoável comprar esta briga? A determinação de Bradlee foi decisiva para que o jornal desse continuidade à denúncia, o que valeu ao veículo muitos pontos de prestígio e aumento nas vendas até que a justiça o proibiu de publicar a reportagem. Ellsberg repassou então os documentos ao Los Angeles Times, que igualmente publicou até ser proibido. Por fim, a Suprema Corte fez valer a liberdade de imprensa.

O pulo do gato de Bradlee, e, principalmente, do Post, viria no ano seguinte. Em 17 de junho de 1972, cinco homens foram presos após invadir a sede do Partido Democrata, localizada no Complexo Watergate, em Washington. A notícia mereceu apenas uma nota na edição do dia seguinte do Post. Woodward e Bernstein desconfiaram de que havia algo maior por trás, começaram a investigar o caso e descobriram que um dos invasores estava na folha de pagamentos do comitê de reeleição de Nixon. Novas evidências foram surgindo, como um cheque de 25 mil dólares do comitê depositado na conta de um dos invasores. Entrou então em cena o informante apelidado de Garganta Profunda, William Mark Felt, um diretor do FBI cuja identidade permaneceria em sigilo até 2005. Garganta não fornecia informações, mas confirmava ou negava a veracidade do que era apurado pela dupla.

Bradlee, embora corajoso, mantinha a prudência exigida de um bom editor. O republicano Woodward, mais experiente e sereno, e o democrata Bernstein, mais impulsivo, não escaparam de ouvir a frase “vocês não têm nada” depois de relatar os lentos e imprecisos avanços da reportagem. A cautela era redobrada porque os outros jornais haviam praticamente abandonaram o assunto. O Post estava sozinho em uma perigosa contenda com o poder. “Escolha suas brigas. Não abaixe a cabeça, mas não brigue com oponentes de segundo escalão”, diz uma das frases de Bradlee sobre as regras de um bom editor. Mais marcante é outra frase, esta proferida no auge das apurações do caso Watergate: “Enquanto o jornalista diz a verdade, não é seu trabalho se preocupar com as consequências. A verdade nunca é tão perigosa quanto uma mentira em longo prazo. Eu realmente acredito que a verdade liberta os homens”.

Em 9 de agosto de 1974, Nixon renunciou, sendo substituído pelo vice, Gerald Ford. Graças à persistência de Woodward e Bernstein, mas muito também graças ao fato de eles terem um editor do quilate de Bradlee, a reportagem sobre o Caso Watergate tornou-se o exemplo mais relevante de jornalismo investigativo de todos os tempos e o Post influenciou os rumos da História. Certa vez, ao ser chamado de arrogante pelo editor de outro jornal, Bradlle respondeu: "Você parece um desses editores que fazem de tudo para agradar aos amigos e dá o que eles querem. Assim, ninguém vai chamá-lo de arrogante, mas ninguém também vai chamá-lo de jornalista”.


Material publicado originalmente na revista Press

Legenda da foto de aberturaBradlee observa a primeira página do Washington Post com a manchete "Nixon renuncia" na sala de "composição", em 8 de agosto de 1974

Crédito das fotos: Washington Post e Warner



REUNIÃO DE PAUTA

Legenda de Bradlee para a primeira foto: “Carl Bernstein, Bob Woodward, Howard Simons e eu colocamos Katharine Graham a par do que será publicado no dia seguinte sobre o Caso Watergate. O penteado de Carl estava calculado para acentuar sua imagem hippie e, de quebra, irritar a Casa Branca de Nixon e a mim, um pouco”. Na segunda foto, cena do filme Todos os Homens do Presidente, com Robert Redford (Woodward), Dustin Hoffman (Bernstein), Martin Balsam (Simons, vice de Bradlee) e Jason Robards (Bradlee) em interpretação magistral que lhe valeu um Oscar).

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