quarta-feira, 29 de outubro de 2014

GRANDES NOMES
Washington Olivetto: este a gente nunca esquece

A primeira reação de encantamento se deu não à frente de uma TV, mas ainda na sala de edição da agência de propaganda W/GGK, junto à moviola, e não partiu de um espectador, mas do próprio criador. Ao encerrar a pós-produção de um comercial para a Valisère, em meados de 1987, o publicitário Washington Olivetto virou-se para o diretor Júlio Xavier da Silveira e profetizou: “Olha, Julinho, esse talvez seja um dos melhores filmes que a publicidade brasileira já conseguiu fazer”.

            A segunda reação de encantamento se deu na sala da vice-presidência de Operações da Rede Globo. Ao terminar de assistir ao comercial da Valisère, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, concordou em aceitar, pela primeira vez, uma peça de 90 segundos – em vez dos 30 ou 60 segundos convencionais – no intervalo do Jornal Nacional, que, também pela primeira vez, exibiria um único comercial durante um de seus intervalos. Diante do pedido inusitado da agência, o departamento comercial vira por bem não tomar sozinho tal decisão e a levara ao homem mais poderoso da companhia, depois do próprio Roberto Marinho.

            Somente a terceira reação de encantamento se deu simultaneamente nos lares de milhões de brasileiros. O comercial intitulado O Primeiro Valisère a Gente Nunca Esquece era uma peça de rara sensibilidade, sem texto, embalado apenas por som ambiente e acordes da ópera La Boheme, de Giacomo Puccini, e retratava a experiência única na vida de uma menina. Estrelado por Patrícia Lucchesi, de apenas 11 anos – a apresentadora Eliana, então com 14 anos, perdera a vaga para ela –, o comercial emocionou plateias, ganhou todos os prêmios possíveis, virou cult e catapultou de vez Washington Olivetto ao panteão da publicidade mundial.

Nascido em 29 de setembro de 1951 – Dia de São Miguel Arcanjo, o “anjo anunciador”, celebrado mundialmente como Dia do Anunciante – , o paulistano Washington Olivetto começou a carreira como estagiário da Harding Gimenez Propaganda (HGP), aos 18 anos de idade. A vaga foi obtida graças a um lance ousado: Olivetto estava a caminho da faculdade – que não chegou a concluir – quando o pneu de seu Karmann-Ghia furou bem em frente à sede da HGP. Ele não titubeou, entrou na agência e pediu emprego com uma frase que revelava tremenda autoconfiança: “Estou aqui por causa do pneu furado e isso é uma grande oportunidade para você, porque o pneu não fura duas vezes na mesma rua”.

Depois de passar pela Lince e pela Casabranca, tendo ganhado seu primeiro Leão de Bronze do Festival de Cannes aos 20 anos, chegou à DPZ, onde permaneceria por 13 anos. Ali, fez dupla de criação com o lendário Francesc Petit, parceria que rendeu, entre outros trabalhos, a criação do personagem que celebrizou o ator Carlos Moreno como garoto-propaganda da Bombril. Em 1986, aos 35 anos, saiu da DPZ para montar seu próprio negócio, a W/GGK, que três anos mais tarde viraria W/Brasil e, atualmente, é WMcCann.

Portanto, apenas um ano depois de se aventurar a conduzir a agência própria, Olivetto emplacou o comercial da Valisère, que conquistou naquela temporada o Leão de Ouro do Festival de Cannes, o Clio de Nova York, o Festival Ibero-Americano de Publicidade e foi considerado pela Tokyo Television Network o melhor comercial do mundo. No Brasil também levou todas as premiações possíveis, sendo que no ano seguinte ganhou o Profissionais do Ano e foi veiculado outra vez pela Globo, agora de graça (o vídeo está disponível no YouTube). Possivelmente, se fosse produzido hoje, em tempos chatesimamente corretos, o comercial fosse vetado por conter cenas de relativa sensualidade envolvendo uma menina de 11 anos, e Olivetto acusado de pedofilia. Assim teríamos sido privados desta obra-prima da publicidade.
Mais do que emocionar os espectadores, ganhar prêmios ou ajudar a vender sutiãs, a peça tornou-se um fenômeno sem precedentes pela forma como ingressou definitivamente no imaginário do brasileiro. A expressão “o primeiro a gente nunca esquece” virou bordão nacional, foi utilizado por incontáveis celebridades e atualmente, passados 27 anos, segue sento adaptado às mais diferentes situações. Ao lançar o livro O Primeiro a Gente Nunca Esquece, sobre os bastidores da campanha, em 2008, Olivetto pediu para sua equipe fazer um levantamento e a expressão, original ou adaptada, foi encontrada em milhares de sites, blogs, revistas, jornais, livros e mais de 40 teses acadêmicas.


O currículo deste que é considerado por muitos o maior publicitário da história do Brasil, e um dos melhores do mundo, inclui muitos outros êxitos, além do garoto da Bombril – que entrou para o Livro Guiness dos Recordes, com quase 350 variações –, e do primeiro sutiã. Outros exemplos inesquecíveis são “o cachorrinho da Cofap; os gordinhos do DDD da Embratel; o ratinho da Folha de S. Paulo; os casais Unibanco; os musicais das sandálias Rider com Lulu Santos, Paralamas do Sucesso, Jorge Benjor, Tim Maia, Marina Lima e Fernanda Abreu; comerciais com políticos e empresários como Leonel Brizola e Paulo Maluf (calçados Vulcabrás), Bill Gates (Unibanco) e Antônio Ermírio de Moraes (Fiat).

Olivetto e sua agência são protagonistas de vários feitos extraordinários, como ter duas de suas criações como as únicas brasileiras listadas no livro Os 100 Melhores Comerciais de Todos os Tempos – o do primeiro sutiã e um usando Adolf Hitler como personagem, produzido para a Folha de S. Paulo. Em 2001, o comercial 7 Dias, da revista Época, com três minutos de duração, rendeu a Olivetto o Grand Prix do Clio, maior premiação já obtida pela propaganda brasileira. A canção Alô, Alô, W/Brasil, feita por seu amigo Jorge Benjor, vendeu mais de um milhão de cópias. Ainda na área da música, a Warner lançou um CD com músicas utilizadas nos comerciais da agência, que também virou tema de escola de samba, pratos de restaurantes e questões de vestibulares.

Corintiano roxo, chegou a ser vice-presidente de marketing do clube, cargo criado para ele, e ajudou a consagrar a expressão “Democracia Corintiana”, cunhada pelo jornalista Juca Kfouri. Em 2005, Fernando Morais lançou Na Toca dos Leões, que conta sua trajetória de sucesso e aspectos de sua vida pessoal, incluindo o momento mais dramático, quando foi sequestrado, no final de 2001, permanecendo 53 dias em um cativeiro com menos de três metros quadrados.

Washington Olivetto já ganhou mais de 50 leões em Cannes. Em 2010, sua agência se uniu à McCann, dando origem à W/McCann, uma das cinco maiores do Brasil, da qual é chairman, além de ocupar o posto de CCO da McCann Worldgroup América Latina e Caribe. É autor de seis livros: Corinthians é Preto no Branco (com o jornalista Nirlando Beirão), Os Piores Textos de Washington Olivetto, Corinthians x Os Outros, O Primeiro a Gente Nunca Esquece, O que a Vida me Ensinou e Só os Patetas Jantam Mal na Disney. “Sucesso é poder ser amigo de seus ídolos”, costuma dizer esse especialista em produzir sucesso, um publicitário do qual a gente nunca esquece.

(Publicado originalmente na revista Press)
Crédito da Foto: WMcCann

Nenhum comentário: